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Um balanço da gratuidade no Sistema S

Cursos ofertados pós acordo são em áreas com menos tecnologia. PL que destinava 30% dos recursos do Sistema em vagas gratuitas é engavetado.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 04/05/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Em 2008, o governo federal assinou decretos que garantem o aumento progressivo de vagas gratuitas em quatro das 11 instituições que compõem o Sistema S - Senai, Sesi, Senac e Sesc. Pelo acordo, em 2014, Senac e Senai estarão destinando 66,6% da receita compulsória líquida para vagas gratuitas. Já no Sesi e Sesc, este percentual deve ser de 16,67%. As verbas do Sistema S são oriundas de contribuição compulsória das empresas e do comércio. Esse dinheiro é recolhido na mesma guia do INSS e vai para a Previdência, mas, ao contrário dos tributos públicos, é devolvido para as Confederações Nacionais do Comércio e da Indústria - no caso do Senac, Sesi, Senai e Sesc. Esse recurso é considerado público porque as empresas tratam essa contribuição com mais uma carga tributária e, por isso, embutem essa despesa no preço do produto.



O diretor de Planejamento e Comunicação do Senac Nacional, Jacinto Corrêa, afirma que em 2009, apenas no Senac foram criadas mais de 120 mil vagas gratuitas e que, portanto, o acordo foi cumprido. Pelo decreto, o Senac deveria empregar 20% dos recursos em gratuidade durante o ano de 2009 e, pelas informações de Jacinto, foi empregada uma porcentagem maior do que a prevista - 27%.



O coordenador geral de regulação da Secretaria de Educação Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC), Marcelo Seres, confirma o cumprimento do acordo em 2009 pelo Sistema S. Segundo ele, 308 mil novas matrículas foram criadas no ano passado. Seres afirma que o MEC não tem, entretanto, acesso aos valores destinados às novas vagas, já que o Sistema S deve prestar contas dos recursos à Controladoria Geral da União (CGU) e não ao Ministério. De acordo com Jacinto, em 2009, o Senac destinou ao programa de gratuidade cerca de R$ 290 milhões."Tendo em vista que foi o primeiro ano do acompanhamento, o percentual de matrículas registrado no sistema Sistec [Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica] aponta para o cumprimento do acordo. Há um entendimento positivo por parte do Sistema S de que precisa retribuir e beneficiar a própria sociedade com as matrículas gratuitas", assegura Marcelo Seres.



A CGU informou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda não dispõe dos valores empregados pelo Sistema S durante o ano de 2009, já que a prestação de contas das entidades que o compõem pode ser feita até o dia 31 de maio.



Vagas gratuitas são em cursos que exigem menos tecnologia



Gabriel Grabowski, diretor do Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes do Centro Universitário Feevale e pesquisador do financiamento da educação profissional, no entanto, chama a atenção para o tipo de vagas gratuitas que estão sendo ofertadas. O pesquisador destaca que o acordo não detalhou em que cursos esta oferta de gratuidade deveria existir, o que abre margem para que o Sistema S não apresente uma oferta proporcional em todos os campos profissionais."Eles [o sistema S] oferecem vagas nas áreas mais baratas, nos cursos que não exigem grandes tecnologias e grandes laboratórios. São cursos de gestão, de secretariado e outros que exigem basicamente professor e sala de aula, mas não laboratório. Se o mundo do trabalho possui postos que exigem qualificação diferenciada, uso de tecnologias avançadas, não são vagas que qualificam para estes postos que estão disponibilizando para os trabalhadores". Segundo Jacinto Corrêa, os cursos gratuitos do Senac estão sendo oferecidos nas modalidades de Formação Inicial e Continuada e de Educação Profissional Técnica de Nível Médio nos eixos tecnológicos Ambiente, Saúde e Segurança, Apoio Educacional, Gestão e Negócios, Hospitalidade e Lazer, Informação e Comunicação, Infraestrutura, e Produção Cultural e Design. "Os cursos com maior número de vagas oferecidas em 2009 foram Auxiliar Administrativo, Manicure e Pedicure, Vendedor, Operador de Computador, Aprendizagem em Comércio e Serviços, Aprendizagem em Serviços de Supermercado, entre outros", informa.



Gabriel considera também que após o acordo com o Sistema S, a realidade da oferta de cursos gratuitos não tenha alterado significativamente no país. "A educação profissional no Brasil continua padecendo do mesmo mal, que é a baixa oferta de vagas no sistema público de qualificação profissional. O acordo, em que pese a sua boa intenção, não vai alterar esse quadro. O sistema S continua numa perspectiva de transformar seus centros de qualificação profissional em centros de negócios, então a lógica é trabalhar com a cobrança dos cursos que oferta", observa.



Ele cita a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em 2007, segundo a qual instituições privadas atendiam na época 53,6% de um total de aproximadamente 6 milhões de alunos da educação profissional. Apenas 22,4% foram ou estavam sendo atendidos por instituições públicas. Já o Sistema S abarcava 20,6% dos alunos.



Outros resultados do Pnad 2007 revelam grande número de desistência na educação profissional: 2,4 milhões de pessoas ou 10,2% do total de alunos que freqüentou os cursos. Destas pessoas, 25,5% alegou que desistiu por dificuldades financeiras para custear a formação. O pesquisador reafirma que esta realidade não foi alterada. "A oferta pública não está se fazendo sentir do ponto de vista social. O jovem e o trabalhador, quando procuram, não encontram ainda essa oferta pública e acabam tendo que pagar por ela", ressalta.



O professor destaca dados do Sistema Nacional de Empregos (Sine), de 2008, segundo os quais 5,8 milhões de trabalhadores se inscreveram em busca de emprego. De acordo com o Sine, 2,5 milhões de postos de trabalho foram ofertados, mas apenas 1,6 milhões de trabalhadores foram colocados no mercado de trabalho. "Isso revela que existe uma desconexão entre vagas existentes, procura de vagas pelos trabalhadores e a ocupação dessas vagas. Um dos fatores para este não preenchimento é a falta de qualificação profissional", opina.



Para ele, o acordo entre governo federal e Sistema S precisa novamente ser discutido. "O acordo tem seus avanços, mas não dá para achar que ele está resolvendo o problema porque não está. E merece, a partir dessa vigência, ser rediscutido. Se há recursos, tem que haver vagas e ofertas em todos os campos profissionais", reforça.



Transformar o acordo em Lei



Autor do PL 1457/2007, que destinava 30% das contribuições dos empregadores ao Sistema S na oferta de vagas gratuitas, o deputado federal Átila Lira (PSB/PI) considera que o acompanhamento do acordo deve ser feito de forma mais completa. "Devemos fazer um controle social maior nas unidades federativas porque o Sistema S é muito grande e o MEC está se baseando nos relatórios que o próprio sistema envia", observa.



O PL de autoria do deputado foi rejeitado recentemente na Câmara por duas comissões, e como tramitava em caráter conclusivo, sem necessidade de ser apreciado no plenário, será arquivado. Átila Lira explica que o PL foi feito antes do acordo entre Sistema S e governo.  Mesmo sabendo que um acordo corre o risco de ser modificado ou desconsiderado por futuros governos, já que não tem peso de lei, ele analisa que seu conteúdo é mais avançado do que o do PL. "Vou verificar como está andando a implementação do acordo, conversar com líderes sindicais e pensar em propor um outro PL que acompanhe o que já está definido pelo acordo, para que tenha força de lei. Mas não adianta eu sozinho carregar uma ideia desta e não ter aceitação", acrescenta.