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Unesco divulga relatório sobre a educação no mundo

Segundo documento, as metas de Dakar não devem ser atingidas se não houver um comprometimento maior por parte dos governos.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 04/12/2008 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou em Paris, no dia 25 de novembro, seu relatório anual de monitoramento das metas globais para a educação. Com o tema ‘Superando a desigualdade: por que a governança é importante’, o documento avalia a situação de 129 países, com base em seis critérios estabelecidos pelo Marco de Ação de Dakar , que são: atenção e educação na primeira infância, universalização do ensino primário,  igualdade entre os sexos,  redução do analfabetismo, e a busca por uma educação de boa qualidade.



O relatório, que analisou dados referentes a 2006, diz ser extremamente difícil que a ‘Educação para Todos’ (EFA, na sigla em inglês) aconteça dentro do prazo previsto – 2015. A avaliação é de que os países não estão comprometidos o suficiente com as metas a partir do momento em que o assunto passa da teoria para a prática. “Quando os sistemas financeiros estão em crise, a repercussão é notória e os governos atuam. Já se a crise é a dos sistemas educacionais, não há esse sentido de urgência, embora a situação não seja menos real”, critica o diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, no relatório.



De acordo com o documento, 75 milhões de crianças em idade escolar estão fora da escola no mundo todo. A previsão é de que em 2015, ainda haja 29 milhões nessa situação. Nigéria terá o maior número – 7,6 milhões – seguida por Paquistão, com 3,7 milhões e Burkina Faso, com 1,1 milhão. O Brasil, no entanto, deve atingir a meta de universalização do ensino primário, mesmo tendo meio milhão de crianças fora da escola atualmente.



O país ocupa a 80ª posição no ranking, atrás da Colômbia (79º) e da Turquia (78º), com um índice de desenvolvimento EFA de 0,901, considerado médio. Dois fatores são os principais responsáveis pela posição brasileira: as altas taxas de analfabetismo entre os adultos (0,896) e o alto índice de evasão escolar (0,805). A Argentina, que ocupa o 51º lugar, tem, respectivamente, 0,976 e 0,897.



Sobre os critérios de avaliação presentes no relatório da Unesco, Marcela Pronko, pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), alerta que, para ler esses números, é preciso entender os critérios de avaliação da Unesco que, segundo ela, segue alguns padrões, também presentes em documentos elaborados por outros organismos internacionais. “Um primeiro ponto delicado é o quantitativismo, ou seja, os relatórios são marcadamente pautados pelos números, não havendo uma preocupação em contextualizá-los”, critica, lembrando que essas estatísticas são construídas a partir de dados oficiais: "Existe uma distância considerável entre essas informações e a realidade. No caso da educação, práticas como a aprovação automática mascaram os números”.



Anafalbetismo, repetência e evasão escolar



A Unesco avalia que as políticas para combater o analfabetismo entre adultos vão muito mal. Estima-se que no mundo todo haja 776 milhões nessa situação – o que representaria cerca de 16% da população mundial. Dois terços dos adultos analfabetos são mulheres. Se não houver mais empenho por parte dos governos, estima-se que em 2015 esse número terá diminuído menos de 10%. “Os estudantes estão presos em círculos de repetência e evasão, que se reforçam mutuamente”, diz o relatório, completando: “essas taxas são endêmicas em muitos países”. Entre eles está o Brasil, que detém o segundo maior índice de repetência escolar da América Latina, com 18,7% na escola primária.



Esse tipo de padronização é criticado por Marcela. “São analisados diversos países, dentre eles os africanos, que sempre aparecem por último no ranking. Não se leva em consideração a construção histórica desses povos, se tinham uma cultura baseada no conhecimento oral, por exemplo. Noruega e Zâmbia são duas realidades que não podem ser trabalhadas da mesma forma”, afirma.



Os educadores se dividem quando o assunto é a repetência. O documento diz que enquanto alguns a vêem como necessária ao aprendizado, outros entendem que se trata de um instrumento ultrapassado, com limitados benefícios educativos.  “Muito depende do contexto nacional e local”, afirma o relatório, concluindo, no entanto, que a repetência representa uma barreira à universalização do ensino primário.



Outro fator ligado à repetência é o aumento dos gastos no setor. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), estima que na região os governos gastem 12 bilhões de dólares anualmente só com repetentes. Marcela salienta que a preocupação com a relação custo/benefício é outra característica presente nesse tipo de relatório. “As políticas são tratadas a partir de uma ótica economicista”, afirma.



No que se refere à evasão, o informe adverte que as estatísticas relativas às crianças fora da escola são somente uma parte do problema: “Há milhões de crianças que abandonam a escola e não completam seus estudos primários. Além disso, as avaliações do rendimento escolar dão provas sólidas do fracasso dos sistemas escolares. Muitas crianças acabam o ensino primário sem ter adquirido as competências mais elementares em leitura, escrita e cálculo”.



O ensino médio e técnico



A Unesco afirma que no Brasil, aproximadamente 60% dos estudantes matriculados no ensino médio obtiveram baixas pontuações em avaliações internacionais de aproveitamento em disciplinas científicas, o que situa o país em um dos piores lugares da escala de classificação nesse quesito.



Também demonstra que na América Latina não houve investimentos no ensino técnico no período entre 1999 e 2006, já que o percentual se manteve estável, com 10% dos estudantes matriculados em escolas técnicas.



Apesar de comemorar o aumento no número de estudantes matriculados na educação secundária, que foi de 6% de 1999 para 2006, totalizando 513 milhões, o documento ressalta que as disparidades entre regiões continuam grandes. Enquanto países ricos demonstram estar chegando perto da universalização, apenas 25% dos jovens da África Subsaariana estão no ensino secundário, o que implica um êxodo de 78 milhões.



O estudo revela que a obrigatoriedade em alguns países é uma condição importante para o acesso ao ensino médio. Nesse quesito, a América Latina recebe destaque por ter conseguido incrementar de 43% para 66% o número de jovens entre 15 e 19 anos no ensino médio. Mas mesmo assim, a pesquisa alerta para a disparidade dentro dos próprios países. “No que concerne à situação econômica desses jovens, a Cepal mostra que 88% dos estudantes que prosseguiram os estudos sem interrupção vinham das classes alta e média. Dos provenientes das camadas mais carentes, só metade conseguiu o mesmo feito”, afirma.



Outros fatores determinantes



No relatório, a importância da redução da desigualdade social também é mencionada como fundamental para a melhora da educação. Entre as políticas recomendadas estão a supressão da educação privada no ensino básico, o aumento das intervenções públicas no setor da educação, a criação de incentivos para escolarizar as meninas e grupos marginalizados e um maior esforço no cumprimento do compromisso assumido quanto à melhora da qualidade da educação.



O relatório elogia políticas latino-americanas que incentivam financeiramente famílias que mantenham seus filhos na escola e cita como exemplo o programa 'Oportunidades', do México, que atualmente está sendo implementado em Nova Iorque. Marcela Pronko avalia o relatório positivamente pela posição de defesa da supressão da educação privada no ensino básico. “Outros documentos elaborados por organismos internacionais têm direcionado seus argumentos no sentido de fazer da educação um mercado, o que aprofunda - e muito - as desigualdades. No entanto, não problematizar o incentivo financeiro é, na opinião dela, um ponto fraco: “Esse tipo de política do México deve ser vista como pontual e provisória. Não deveria se configurar como um ‘bom’ exemplo”.



“Nos países em desenvolvimento o crescimento econômico não se traduziu em melhora na subnutrição infantil”, diz o estudo, exemplificando:  “uma que cada três crianças, o que significa 193 milhões no total, ingressam na escola primária com problemas de aprendizagem devidos à má nutrição”. O grau de pobreza, no entanto, não constitui o único fator que influencia a educação. A questão do gênero ainda se apresenta de maneira clara, principalmente na Ásia meridional e na África Subsaariana. Também seguem tendo importância fatores como idioma, raça, grupo étnico e local de domicílio (zona urbana x zona rural). No Senegal, por exemplo, as probabilidades de crianças camponesas estudarem são dez vezes menores do que as que morem na cidade.



Como o tema do relatório é o papel que os governos devem desempenhar na educação, algumas críticas a esse respeito são feitas. A primeira delas aborda uma prática comum entre os países subdesenvolvidos de copiarem políticas de educação dos países mais ricos, sem levar em conta as especificidades de suas nações. Outro ponto mencionado é a idéia de que o setor privado deve suprir as carências do Estado. “Mesmo que a prestação de serviços por parte do setor privado possa desempenhar um papel em determinados âmbitos, a responsabilidade de oferecer uma educação básica eficaz e exeqüível deve ficar a caro do setor público”, assegura o diretor da equipe que escreveu o relatório, Kevin Watkins, que garante: “Se os sistemas públicos de educação não vão bem, os governos devem restabelecer seu bom funcionamento”.



Financiamento



Quanto aos compromissos de ajuda assumidos por alguns países desenvolvidos, como França, Alemanha e Reino Unido, o relatório alerta para um possível retrocesso. Estima-se que a ajuda necessária para atingir as metas de Dakar gire em torno de US$ 7 bilhões por ano. Em 2005, os doadores se comprometeram a aumentar a ajuda em US$ 50 bilhões até 2010. Dessa soma, somente US$ 20 bi foram doados até agora. Os autores do estudo criticam ainda as práticas de alguns doadores, que, em vez de privilegiar o ensino primário, destinam a maior parte de seus recursos para financiar bolsas universitárias para estudantes estrangeiros. A Alemanha seria o maior exemplo, destinando apenas 7% para a educação básica.