Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Vai ter #RevogaNEM na Conferência?

Com a queda de braço em torno da votação do Projeto de Lei que modifica a Reforma do Ensino Médio, mobilização em relação ao tema ganha centralidade na Conae Extraordinária
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 24/01/2024 13h02 - Atualizado em 24/01/2024 13h04

O combinado era uma reportagem de balanço e perspectivas para o novo PNE, o Plano Nacional de Educação, que será discutido na Conferência Nacional de Educação (Conae) Extraordinária que acontece agora em janeiro de 2024 – e foi o que você leu nas páginas anteriores. Mas aí a conjuntura atravessou a pauta.

Já avançava dezembro quando esta matéria começou a ser redigida e foi surpreendida pela profusão de notas, convocação de manifestações de rua e artigos na imprensa, indicando um novo momento de mobilização de educadores e militantes, que reagiam a mais um capítulo da (longa) novela da Reforma do Ensino Médio. É que o deputado Mendonça Filho (União Brasil – PE) tinha acabado de apresentar o relatório com um substitutivo ao texto do Projeto de Lei (PL) 5.230/2023, aquele que o Executivo submeteu ao Congresso para modificar o Novo Ensino Médio (leia, na edição 92 da Poli, entrevista de balanço do projeto, com Monica Ribeiro). E as alterações propostas pelo relator retomavam alguns dos pontos mais polêmicos da Reforma que, a partir dos resultados de uma consulta pública, o governo estava tentando mudar.

Entre as medidas mais criticadas do substitutivo – que alguns militantes da Educação chegaram a chamar de uma reedição da Medida Provisória 746, que deu origem à Reforma – estavam a redução da carga horária mínima da Formação Geral Básica para 2,1 mil horas (em vez deo 2,4 mil); a autorização para a Educação a Distância na formação geral; o reconhecimento do notório saber como suficiente para a docência na Educação Profissional Técnica de nível médio; e a retomada dos mesmos cinco itinerários formativos estabelecidos anteriormente pela Lei 13.415/2017 – que o PL 5.230 tinha proposto substituir por percursos de aprofundamento, que, embora guardassem a mesma lógica de organização curricular, tinham diferenças que reduziam a fragmentação.

Não foi propriamente uma surpresa: afinal, o relator do PL na Câmara é ninguém menos do que o ex-ministro da Educação que, no governo Michel Temer, instituiu a Reforma do Ensino Médio que o PL 5.230 queria modificar. “Mendonça Filho foi o sujeito que assinou a Medida Provisória que nos colocou nessa tragédia em que estamos”, lembra Fernando Cássio, professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (Repu). De fato, o voto do relator não esconde o tom elogioso à Reforma que o projeto analisado pretendia modificar. “A reforma do ensino médio perpetrada pela Lei nº 13.415, de 2017, com a oferta de itinerários formativos, oferece aos estudantes a chance de refletirem sobre seus sonhos, acerca de quem são e o que desejam para as suas vidas. O modelo foi construído para uma juventude criativa, participativa e atuante. A proposta foi concebida para promover uma educação contemporânea, que prepare os jovens para o mundo do trabalho e para uma vida significativa em sociedade”, diz um trecho do texto, sem mencionar os inúmeros problemas identificados na experiência concreta do Novo Ensino Médio em algumas redes de ensino, que inclusive viraram notícia frequente na grande imprensa no início daquele mesmo ano de 2023. Por tudo isso, Fernando Cassio não poupa críticas ao fato de o governo federal não ter se mobilizado politicamente no Parlamento contra a indicação de Mendonça Filho como relator.

“O Ministério da Educação não moveu uma palha para evitar isso”, lamenta. E completa: “Essa não é uma boa sinalização para a sociedade”.

A questão é que “sociedade” envolve muita gente. E uma mostra disso é que, no momento em que esta matéria estava sendo escrita, enquanto entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação posicionavam contra o parecer do relator, considerando-o um retrocesso, o movimento Todos pela Educação, que reúne fundações empresariais, avaliava o texto como um avanço em relação à proposta do governo. “Os mesmos que elaboraram a Reforma estão aí de novo, reformando a Reforma”, ironiza Fernando Cássio, referindo-se não apenas ao relator, mas também ao que caracteriza como uma forte presença dessas entidades no interior do MEC.

O fato é que a primeira onda de mobilização contra o substitutivo surtiu efeito. A votação do relatório chegou a ser agendada para o dia 12 de dezembro mas, diante das reações, na véspera o governo retirou o pedido de urgência que exigia que a tramitação do PL acontecesse em até 45 dias. Foi um suspiro de alívio para os movimentos que lutam contra a Reforma, mas durou pouco. No dia seguinte, a Câmara dos Deputados aprovou novo pedido de urgência de tramitação do PL. A votação foi novamente agendada para o dia 19. E os movimentos sociais dobraram a aposta na mobilização, chamando atos de rua, organização de manifestações coletivas pelas redes sociais e abaixo-assinados enviados aos parlamentares, além da pressão direta no Congresso, que ganhou apoio de deputados de diversos partidos. Na tarde da data em que aconteceria a votação, um acordo garantiu o adiamento da discussão para março de 2024, permitindo mais tempo para discussão.

É nesse ponto que toda essa conjuntura se encontra novamente com a pauta original da matéria de capa desta edição da Poli, que você leu nas páginas anteriores. Primeiro, porque alguns pontos da Reforma do Ensino Médio impactam (e limitam) diretamente proposições e estratégias que o documento-base da Conae 2024 sugerem para o próximo PNE. Segundo, porque as conferências são o espaço privilegiado em que a sociedade civil organizada debate, disputa e diz o que quer sobre os rumos das políticas públicas – e a expectativa é que as instâncias de representação, como o Congresso, saibam ouvir o que a participação social direta defende. Não por acaso, em entrevista concedida à reportagem antes de toda essa reviravolta, Daniel Cara, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação deu o tom do que agora se sabe que se deve esperar da Conferência. “Nós vamos dar a vida agora no final do ano [de 2023] para evitar que o PL 5.230 seja votado na Câmara. [Porque aí] ele só vai ser votado posteriormente à deliberação da Conae. E vai ser muito difícil para os parlamentares, em ano eleitoral, irem contra a Conferência de Educação”, aposta.

 

Leia a íntegra da edição 93 da Poli