No apagar das luzes de 2016, enquanto a maioria dos brasileiros festejava o Natal e a chegada do Ano Novo, o governo e o Legislativo não pararam. A agenda de retrocessos nos direitos sociais em marcha no país ao longo de 2016 caminhou de forma acelerada no final do ano. E ao que tudo indica, 2017 não será muito diferente.
O final de 2016 trouxe a aprovação do que muitos vêm chamando de maior retrocesso nos direitos sociais desde a promulgação da Constituição de 1988, que veio duas semanas antes do fim do ano. No dia 15 de dezembro foi promulgada a Emenda Constitucional 95, nome que recebeu a proposta que estabelece um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos após ser aprovada em segundo turno no Senado dois dias antes. Aprovado na Câmara como PEC 241 e no Senado como PEC 55, a medida, enviada pelo presidente Michel Temer ao Congresso no primeiro semestre de 2016, deve significar, segundo seus críticos, uma redução significativa nos gastos públicos com educação, saúde e assistência social nos próximos anos. Durante a votação no Senado a oposição apresentou destaques para tentar reduzir o impacto da proposta sobre o gasto social, como o que mantinha as vinculações constitucionais para a saúde e a educação e outro que garantia a continuidade da política de valorização do salário mínimo ao atrelar seu reajuste ao crescimento do PIB. Ambas foram rejeitadas.
O fim da aposentadoria pública?
O ano que se inicia deve ser o ano das reformas – ou contrarreformas, dependendo de para quem você pergunte. E o governo tem pressa para aprovar outras duas propostas apresentadas pelo Executivo como respostas para a crise econômica, que vêm sendo duramente criticadas: a reforma da Previdência e a reforma trabalhista. Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo no dia 2 de janeiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (PMDB-RJ) afirmou que pretende aprovar ambas ainda no primeiro semestre.
Encaminhada ao Congresso no dia 5 de dezembro ao Legislativo, a Reforma da Previdência – protocolada na Câmara como PEC 287 - foi apresentada pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles como condição para a sustentabilidade da proposta da então PEC 55, agora EC 95. A proposta prevê uma série de perdas para os trabalhadores com relação ao que diz a legislação atual. Entre elas estão o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria, tanto para homens quanto para mulheres, a ampliação do tempo mínimo de contribuição para a Previdência Social de 15 para 25 anos, o estabelecimento da obrigatoriedade de que trabalhadores rurais contribuam com o INSS e o fim da aposentadoria com salário integral nos regimes próprios para servidores públicos. “A questão que se faz é: será que alguém conseguirá ficar no mercado de trabalho até os 65 anos? Quantos conseguirão isso? O trabalhador precisará nunca ter ficado desempregado durante 49 anos para poder ter aposentadoria pelo teto. Numa depressão econômica como a que estamos vivendo, essas regras são inexequíveis para o trabalhador. Elas são feitas para o trabalhador não receber a aposentadoria, só contribuir”, criticou Denise Gentil, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista ao Portal EPSJV em dezembro, sentenciando que a aprovação da proposta significa o fim da aposentadoria pública no Brasil. “Por outro lado, é um grande estímulo para que as pessoas busquem as previdências privadas nos bancos. Foi a reforma da previdência que o sistema financeiro pediu”, acrescentou Denise. Nos últimos 12 meses, a captação líquida dos fundos de Previdência privada cresceu 20% e o número de participantes dos planos particulares subiu 5,8%, segundo a federação nacional do setor.
Na primeira semana de 2017, o governo de Michel Temer anunciou ainda que após a tramitação da PEC 287 pretende apresentar ao Congresso uma proposta com alterações no acesso ao benefício pago a pessoas pobres idosas ou com deficiência, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que corresponde a um salário mínimo. Entre as mudanças previstas estão um aumento do patamar de renda para acesso ao BPC. Atualmente, têm direito ao benefício pessoas com renda menor que um quarto do salário mínimo. A PEC 287 já prevê alterações no acesso ao BPC, como o aumento, em 10 anos, da idade mínima para seu recebimento de 65 para 70 anos, bem como a desvinculação do benefício ao salário mínimo.
Presente de grego para os trabalhadores
“O governo acaba de ganhar um belíssimo presente de Natal”. Foi com essas palavras que o presidente Michel Temer anunciou a proposta de reforma trabalhista apresentada ao Congresso no dia 23. O “presente” deve ter agradado mesmo ao grande empresariado nacional, que teve muitas de suas reivindicações históricas atendidas na proposta. O Projeto de Lei 6787/2016, que deve ser votado em regime de urgência no Congresso, determina, por exemplo, que os acordos coletivos de trabalho definidos entre empresas e representantes dos trabalhadores possam se sobrepor ao que diz a CLT. A jornada de trabalho, por exemplo, poderá ser negociada entre patrões e empregados, com um limite máximo de 12 horas diárias e 220 horas mensais. Atualmente, a jornada padrão é de 8 horas diárias e 44 horas por semana. Outro ponto que poderá ser negociado é o intervalo para almoço, que deverá ter no mínimo 30 minutos. Hoje a CLT estabelece um intervalo mínimo de uma hora para repouso ou alimentação para qualquer trabalho cuja jornada exceda seis horas diárias, podendo ser ampliado em negociação coletiva. O projeto propõe ainda a ampliação dos contratos temporários de trabalho de 90 para 120 dias, prorrogáveis por mais 120, com a ampliação da jornada máxima de 25 para 30 horas diárias, sem direito a horas extras. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) divulgou nota em que chamou de “afronta constitucional” a proposta apresentada pelo governo. Para a entidade, a flexibilização da jornada de trabalho representa uma “evidente regressão histórica de direitos sociais”, feita para exonerar as empresas do pagamento de horas extras aos trabalhadores. A possibilidade de redução do intervalo para 30 minutos também é alvo de críticas. Segundo a Anamatra, o intervalo de uma hora disposto na legislação vigente tem caráter protetor da segurança e da saúde ocupacional, e sua redução tem potencial de causar “efeitos danosos na vida dos trabalhadores e de suas famílias” e também “na contabilidade do Sistema Único de Saúde e da Previdência Social”.
Privatização nas telecomunicações
Em meio à ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, o Legislativo ainda encontrou tempo para fazer avançar de maneira acelerada um projeto de lei que transfere uma infraestrutura da União para o patrimônio privado das operadoras de telecomunicações. No dia 19 de dezembro, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB) rejeitou recurso apresentado pela oposição que pedia a votação em Plenário do projeto de lei 79/2016, que além de anistiar multas aplicadas a empresas do setor, estabelece que, ao fim do período de concessão, em 2025, as empresas não terão que devolver parte do patrimônio físico da União que vinham utilizando e administrando desde a privatização. No início de janeiro, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmen Lúcia, requereu ao Senado a apresentação, até o dia 10 de fevereiro, de informações sobre a tramitação do projeto, que foi aprovado em apenas sete dias corridos. A solicitação veio em resposta a um mandado de segurança apresentado ao STF pelos senadores Vanessa Graziottin (PCdoB-AM), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Paulo Rocha (PT-PA), que argumentaram que a aprovação do projeto “violou gravemente o regimento do Senado”. Os senadores defenderam que a matéria deveria ter sido analisada por mais comissões temáticas e pelo Plenário do Senado.
Mudanças no ensino médio
A reforma do ensino médio, outra proposta do governo Temer que vem sofrendo duras críticas desde que foi apresentada no dia 22 de setembro, ficou mais próxima de ser aprovada no Legislativo no final de 2016. No dia 13 de dezembro, a Câmara dos Deputados concluiu a votação da Medida Provisória 746/16.
O texto atual mantém a não obrigatoriedade do ensino de algumas disciplinas, como sociologia, filosofia, educação física e artes e possibilita que profissionais sem licenciatura ou formação específica sejam contratados para ministrar aulas. O PLV ainda estabelece que 60% da carga horária do ensino médio seja destinada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com os 40% restantes sendo preenchidos de acordo com a opção feitas pelos estudantes entre cinco áreas: Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais, Matemática e Ensino Profissional. No dia 19 de dezembro, o procurador-geral da República Rodrigo Janot enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer em que alega que a reforma é inconstitucional. Segundo o procurador, uma reforma dessa envergadura não poderia ter sido feita por meio de medida provisória, que por ter um rito abreviado de tramitação no Legislativo não leva em conta a necessidade de participação democrática e de amadurecimento de uma proposta com tamanha complexidade. A supressão da obrigatoriedade das disciplinas de filosofia, sociologia, artes e educação física, a flexibilização na admissão de profissionais de educação, a supressão do ensino noturno e os itinerários formativos específicos são apontados como irregularidades da proposta no parecer da PGR.
Renomeado como Projeto de Lei Convertido (PLV) 34/16 após ser aprovada na Câmara, a proposta aguarda para ser votada no plenário do Senado, onde tramita em regime de urgência até o dia 2 de março de 2017. A matéria, que tranca a pauta de votações do Plenário, deve ter prioridade na agenda do Senado no retorno das atividades legislativas, no dia 2 de fevereiro.