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Reforma trabalhista: o fim da CLT?

Ministério Público do Trabalho pede rejeição da reforma trabalhista aprovada na Câmara, que institui a jornada flexível e prioriza o negociado sobre o legislado.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 27/04/2017 13h34 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Começou com a autorização para que as empresas terceirizem todos os serviços, indiscriminadamente. E agora, se o Senado confirmar o texto que acaba de ser aprovado na Câmara dos Deputados, o pacote de desmonte das garantias mínimas do trabalho no Brasil estará completo. A análise é de Ruy Braga, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo, em entrevista ao Portal EPSJV no final de março deste ano. Na ocasião, ele já alertava que faltavam duas medidas para que a demanda do empresariado em relação aos direitos trabalhistas ser plenamente atendida: a prevalência do negociado sobre o legislado e a legalização da jornada flexível. Desde a madrugada de 26 para 27 de abril, quando a Câmara votou o Projeto de Lei 6787/2016, de autoria do Executivo, que institui uma nova reforma trabalhista, não falta mais nada. “A reforma trabalhista completa esse serviço, completa o trabalho sujo de eliminar qualquer tipo de promessa de cidadania salarial, de participação do trabalhador na vida político-econômica da sociedade brasileira, de proteção ao trabalho, de representação sindical”, definiu. E completou: “O que o governo quer é eliminar totalmente a CLT”.

Segundo o texto aprovado na Câmara – e que agora segue para o Senado -, patrão e empregado poderão “negociar”, por exemplo, a ampliação da jornada de trabalho para até 12 horas diárias ou 220 horas mensais e a redução do intervalo de almoço ou equivalente. Complementando essa flexibilização, o PL também autoriza o chamado trabalho intermitente, ou jornada flexível, que permite que as empresas paguem os empregados apenas por período trabalhado – exceção é feita apenas à categoria dos aeronautas. Alguns direitos e benefícios, como o fundo de garantia e o 13º salário, no entanto, continuam não podendo ser objeto de negociação. “O substitutivo admite que a negociação coletiva, instrumento concebido para promover a pacificação coletiva das relações de trabalho e a melhoria das condições de trabalho, seja utilizado para o rebaixamento ou supressão de diversos direitos trabalhistas”, afirma uma nota técnica do Ministério Público do Trabalho que pede a rejeição do projeto no Congresso.

Na verdade, o texto aprovado modifica completamente o caráter do que se reconhece no Brasil como negociação coletiva, enfraquecendo também o papel dos sindicatos. “Haverá um colapso da estrutura sindical brasileira tal qual nós a conhecemos hoje. Porque hoje, pela CLT, o sindicato só pode negociar benefícios para os trabalhadores, não pode negociar direitos - a despeito de sabermos que na prática isso acontece. O sindicato às vezes está negociando em nome de uma base de dezenas de milhares de trabalhadores quando, na verdade, são poucas centenas que participam do sindicato. Quando esse sindicato começar a negociar a perda de direitos com as empresas nos acordos, vai haver um problema grave de legitimidade do sindicalismo”, anunciava Ruy Braga. Mas o texto aprovado mostra que o problema vai além. Ele prevê, por exemplo, o estabelecimento de “acordos individuais” dos trabalhadores não só sobre a jornada como também sobre banco de horas e parcelamento de férias. Na mesma linha, estabelece que os representantes dos trabalhadores nas empresas não precisam mais ser sindicalizados. Além disso, desobriga que a homologação da rescisão contratual seja feita nos sindicatos.

O caminho da justiça para a reivindicação dos seus direitos também fica mais difícil para o trabalhador se a reforma for aprovada. “O projeto torna mais rigorosos os pressupostos para uma ação trabalhista, limita o poder de tribunais de interpretarem a lei e onera o empregado que ingressar com ação por má fé”, explica o próprio site da Câmara, que completa: “Em caso de criação e alteração de súmulas nos tribunais, por exemplo, passa a ser exigida a aprovação de ao menos dois terços dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho. Além disso, a matéria tem que ter sido decidida de forma idêntica por unanimidade em pelo menos dois terços das turmas, em pelo menos dez sessões diferentes”. Para o Ministério Público do Trabalho, trata-se de uma restrição de acesso à justiça: “Ao invés de criar instrumentos para reduzir o nível de descumprimento das normas trabalhistas e as lesões que geram aos direitos dos trabalhadores, como medida para reduzir a inflação de processos trabalhistas apontada no Relatório, o projeto dificulta o acesso à Justiça do Trabalho para postular a reparação das violações – basilares diga-se, posto que referentes, em sua grande parte, ao pagamento de vernas rescisórias – consagrando uma clara inversão de valores, pois não se preocupa em impedir a própria ocorrência do dano, mas, tão-só, a sua reparação”, diz a nota técnica, que é assinada pelo Procurador-Geral do Trabalho, Ronado Fleury.

A quem interessa?

A maioria dos pontos da reforma trabalhista aprovada pela Câmara eram do grande empresariado brasileiro, expressa em documentos que foram apresentados ao presidente Michel Temer mesmo antes da confirmação do impeachment. O documento ‘Ponte para o futuro’, um plano de governo antecipado do PMDB, também já previa boa parte dessas mudanças. Agora, reportagem do The Intercept publicada no dia da votação do texto mostra que um terço das emendas de parlamentares apresentadas ao PL original foram produzidas em computadores de representantes das confederações nacionais da Indústria, do Transporte, das Instituições Financeiras e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística.

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A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, na terça-feira (6/06), o projeto de reforma trabalhista, por 14 votos a 11. O texto não sofreu nenhuma modificação em relação ao Projeto de Lei aprovado na Câmara dos Deputados no final de abril (PLC) 38/2017. O relator da matéria na CAE, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), rejeitou todas as 242 emendas apresentadas pelos senadores da comissão, sob a justificativa de que isso significaria ter que remeter o texto novamente à Câmara. Em seu relatório, no entanto, o senador recomendou o veto, pelo presidente da República, de alguns pontos do projeto que ele mesmo considerou que precisam ser mais bem debatidos. O projeto segue agora para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) para em seguida ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, antes de ir a plenário. Para o coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (Conafret/MPT), Paulo Joarês, é improvável que o projeto sofra alteração no Senado. Para ele, a discussão nas comissões vem se dando apenas como uma forma de dar uma “aparência democrática” à tramitação de um projeto de interesse das grandes entidades empresariais que dão sustentação ao governo. Nesta entrevista, ele denuncia manobras que impediram o debate sobre o texto e explica como aspectos da reforma trabalhista, como a prevalência do negociado sobre o legislado nos acordos coletivos, a autorização para a terceirização sem limites e as restrições que ela coloca para o acesso de trabalhadores à Justiça do Trabalho apontam para um cenário de perda de direitos e precarização das relações de trabalho no país.
Aprovado pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4302, que autoriza a terceirização irrestrita, incluindo as atividades fim, acaba de ser sancionado pelo presidente Temer, com poucos vetos. Depois de uma manobra que ressuscitou um PL de 1998 para garantir uma votação mais rápida, a medida encontrou percalços no meio do caminho. Atendendo a um mandado de segurança impetrado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o Supremo Tribunal Federal formalizou à Câmara um pedido de esclarecimentos sobre o projeto. Quase ao mesmo tempo, um grupo de senadores do PMDB assinou um documento recomendando ao presidente que não sancionasse a lei. E, no meio de tudo isso, notícias dão conta de que a equipe econômica do governo teme a perda de arrecadação tributária – principalmente da previdência – que essa medida pode ocasionar. Nesta entrevista, realizada dias antes da sanção, Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo que estuda o mundo do trabalho, analisa todos esses movimentos recente, desmente o discurso empresarial contra a legislação trabalhista e garante que a terceirização irrestrita, tal como foi aprovada, vai causar mais desemprego e exploração dos trabalhadores brasileiros.
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O ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, se adiantou sobre o tom da reforma trabalhista que será apresentada em breve pelo governo Temer – a possibilidade de uma jornada diária de até 12 horas de trabalho, novas modalidades de contratação e possibilidade de vínculo do trabalhador com mais de uma empresa. A declaração teve uma grande repercussão e obrigou o governo a tentar esclarecer melhor do que se trata. Por meio de nota e de vídeo divulgado nas redes sociais, o ministro afirmou que não haverá aumento da jornada semanal de trabalho de 44 horas, como está previsto na CLT, mas apenas uma flexibilização dessa carga horária ao longo da semana. A explicação não foi suficiente para desfazer o temor. Nessa entrevista, o médico sanitarista e pesquisador do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública (Dihs/Ensp/Fiocruz), Luis Carlos Fadel, explica porque as condições atuais de trabalho já adoecem os trabalhadores, e afirma que o quadro tende a se agravar com as mudanças propostas na reforma trabalhista.
Prevalência do negociado sobre o legislado, com flexibilização da CLT, e regulamentação da terceirização: essas são as medida que o governo interino já antecipou que devem constar de uma proposta de reforma trabalhista a ser encaminhada ao Congresso ainda este ano. Veja reportagens e entrevistas do Portal EPSJV/Fiocruz que debatem e desmistificam o tema
Quando a equipe de reportagem da EPSJV/Fiocruz terminava a última edição da Poli (n° 46), a Casa Civil da Presidência da República informou que nenhuma iniciativa tinha sido tomada para construir a proposta de reforma trabalhista prometida pelo governo interino. Não passou muito tempo até que, num café da manhã com jornalistas no dia 20 de julho, o ministro provisório do trabalho, Ronaldo Nogueira, anunciasse os termos da proposta que, tal como a reforma da previdência, deve ser apresentada ao Congresso ainda este ano. Sobre os pontos principais da contrarreforma, quase nenhuma surpresa em relação ao que a Poli adiantou e ao que se podia ler no programa do PMDB, ‘Ponte para o futuro’: desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho, fazendo o negociado prevalecer sobre o legislado, regulamentação da terceirização e ampliação do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado no governo Dilma Rousseff. Nesta entrevista, realizada pouco antes desse anúncio do ministro interino, o professor da Faculdade de Economia da Unicamp, Marcio Pochmann, rebate as ideias que agora se apresentam oficialmente como propostas, explicando por que a ideia de que flexibilização das leis trabalhistas permite gerar mais emprego é um mito difundido pelo empresariado
Na entrevista em que adiantou a jornalistas os pontos principais da reforma trabalhista que será proposta pelo governo interino, o ministro provisório do trabalho, Ronaldo Nogueira, citou a flexibilização da CLT para garantir a prevalência do negociado (entre patrões e empregados) sobre o legislado e a regulamentação da terceirização. Nesta entrevista, realizada antes desse anúncio, mas já prevendo o caráter das medidas que comporiam a reforma, o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, rebate os argumentos do empresariado que estão sendo encampados pelo governo interino, defende a CLT e reafirma a importância de uma legislação que proteja o trabalhador como o lado mais fraco da relação capital-trabalho
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