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Combate ao racismo

Atividade inaugural do Sankofa 2018, na EPSJV, debateu os 130 anos da abolição da escravatura no Brasil
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 16/05/2018 12h47 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Maycon Gomes

 

Na semana em que se completou 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu a atividade inaugural do Sankofa 2018. O evento contou com apresentação de esquetes pelos estudantes, uma exposição sobre personalidades negras e uma roda de conversa com o professor Denílson Araújo de Oliveira, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenador do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Geografia Regional da África e da Diáspora (Negra).

A conversa de Denílson com os estudantes teve como tema ‘130 anos do pós-Abolição: combate ao racismo e territórios no Rio de Janeiro’. Antes de iniciar sua fala, o professor exibiu o clipe da música ‘Falsa Abolição’, do grupo de rap feminino Tarja-Preta. O professor destacou que a “falsa abolição” traz consequências como a invisibilização do negro na história e a produção de representações negativas do negro na sociedade. Citando como exemplo a própria abolição da escravatura, lembrou que o protagonismo dos negros na luta pela liberdade foi apagado, permanecendo com mais representatividade histórica o fato de a princesa Isabel ter assinado a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. “Foram 300 anos de escravidão e apenas 130 de abolição oficial, sendo que muitos negros continuaram sendo escravizados depois da assinatura da lei. E ao longo da História, continuamos sendo tratados como diferentes. No direito, somos todos iguais, mas na vida social não”, disse Denílson, acrescentando que estima-se que de 13 a 15 milhões de negros chegaram ao Brasil para serem escravizados, além dos que morreram nos navios durante a travessia que começava na África.

Denílson ressaltou que o racismo é estrutural na sociedade brasileira, determinando como as pessoas pensam e se relacionam com as outras, além de criar privilégios para os não discriminados, que têm mais “direitos” que os outros. “O racismo mata e cria condições para matar pessoas, pois determina que uns são mais matáveis do que outros”, disse ele, lembrando que toda a sociedade tem que se responsabilizar para combater essa forma de opressão e não apenas os negros. “Discutir o racismo é importante para eliminar essa mácula da sociedade brasileira e isso é tarefa de todos nós”, afirmou. Citando Nelson Mandela, lembrou que “ninguém nasce racista, aprende a ser racista” e completou: “Se aprende, pode desaprender”.

Após ouvir relatos de alguns alunos sobre situações de racismo que vivenciam em seus cotidianos, Denílson destacou que era importante falar sobre o tema “porque o racismo machuca e interfere na trajetória de vida das pessoas que sofrem com isso e acham que não podem ter protagonismo porque são negras e os negros nunca são retratados como protagonistas”.

Retrato da sociedade

Mesmo sendo um país em que mais da metade da população é negra, Denílson ressaltou como a TV brasileira não retrata essa realidade, mas, ao contrário, reproduz o racismo quando, na maioria das vezes, mostra os negros em conotações negativas ou em funções subalternas. “Nas novelas e séries, os negros geralmente aparecem como escravos ou em profissões de trabalho braçal. As funções intelectuais são reservadas para os brancos. Os filmes brasileiros também quase não têm negros em papéis de protagonistas”, disse Denílson, que questionou os estudantes se eles achavam que a diversidade que eles representavam estava retratada na novela juvenil ‘Malhação’, exibida pela TV Globo. Todos responderam que não. “A TV brasileira não representa a sociedade brasileira, pode representar a norueguesa, a dinamarquesa, mas a nossa não”, afirmou.

A segregação do negro a alguma funções específicas também está presente no futebol, como lembrou Denílson. “Nesse caso, o protagonismo dos negros até acontece no campo, como jogadores, mas quando se observam os técnicos e os dirigentes, que são os que têm poder, a maioria é branca”, observou o professor, lembrando que o racismo marcou o futebol desde sua chegada ao Brasil, quando era um esporte praticado apenas por brancos e que os negros tinham que usar artifícios como esconder a cor da pele com pó de arroz ou alisar os cabelos para poderem praticar o futebol.

Cultura negra

Durante a atividade inaugural do Sankofa, os estudantes da EPSJV/Fiocruz apresentaram esquetes filmados e ao vivo sobre personalidades negras, como a escritora Maria Carolina de Jesus, a vereadora Marielle Franco – assassinada dois meses atrás no Rio de Janeiro – e a Mãe Menininha do Gantois.

No evento, também foram expostos pôsteres com fotos dos estudantes caracterizados como personalidades negras. Foram retratados o ator Grande Otelo, a líder quilombola Teresa de Benguela, além dos três que foram tema dos esquetes. As fotos foram produzidas pelos alunos da EPSJV/Fiocruz durante as oficinas ‘Fotografias e histórias de vida – representatividade negra e experiências de liberdade’, realizadas como atividade preparatória para o Sankofa. “Esse trabalho é muito legal porque trouxe uma referência negra que eu não tive quando era estudante. Só fui conhecer Carolina de Jesus, que é uma escritora traduzida em diversos países, quando eu já estava na faculdade”, ressaltou Denílson.

Sankofa

O Sankofa teve sua primeira edição em 2017 e tem como objetivo potencializar os estudos, pesquisas e atividades escolares e extraescolares sobre as relações étnico-raciais. Para este ano, além dessa atividade inaugural, estão previstas outras atividades preparatórias até o Sankofa 2018, que acontece nos dias 16 e 18 de outubro.

O evento é produzido em conjunto por estudantes e professores da Escola Politécnica. “Os estudantes têm um protagonismo na organização do Sankofa, que é um evento importante para discutir a discriminação e lutar contra essa forma de violência”, disse Valéria Carvalho, coordenadora geral dos cursos técnicos da EPSJV e que integra a comissão organizadora do Sankofa.

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