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Educação emancipadora

Debate na Abertura do Ano Letivo da EPSJV teve a participação de José Rodrigues e Paulo Sérgio Tumolo. Evento também marcou o lançamento do livro ‘Caminhos da Politecnia’
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 15/04/2016 14h54 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, no dia 8 de abril, a mesa-redonda ‘Debates atuais para uma educação emancipadora’, como parte da programação de Abertura do Ano Letivo 2016. O debate teve a participação de José Rodrigues, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF); e Paulo Tumolo, professor do Centro de Ciências da Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No evento, também foi lançado o livro ‘Caminhos da Politecnia: 30 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio’, que traz artigos dos dois autores, além da reedição de documentos que nortearam a concepção de educação da Escola Politécnica.

No livro, José Rodrigues, que foi professor de Matemática na EPSJV durante alguns anos na década de 1990, é autor do artigo ‘Por um Programa de Transição para a Educação: em defesa da concepção marxista de formação politécnica’, no qual defende a necessidade urgente de elaboração de um “programa de transição para a educação”, tomando como ponto central o pensamento de Marx. “A educação, qualquer que seja, é atravessada pela questão da classe social e a escola é palco de luta de classes. Na sociedade capitalista, a burguesia luta para construir uma escola que sirva aos seus interesses. Foi assim desde o século 18. O modelo de escola que a burguesia pensa para a classe trabalhadora pode ser sintetizado na expressão ‘conformação do cidadão produtivo’”, ressaltou Rodrigues, acrescentando que, do ponto de vista da classe dominante, cabe ao sistema escolar duas funções simultâneas: a conformação política, cultural e ideológica dos educando segundo a norma vigente, a qual podemos denominar de cidadania; e a formação para o trabalho sob a forma dominante hoje, o trabalho que produz imediatamente Mais Valor. “Não sou a favor desse tipo de educação”, destacou ele.

O professor observou que, apesar de Marx não ter produzido um texto sobre educação, segundo o educador Mário Manacorda a educação está organicamente constituída no pensamento de Marx, principalmente em três momentos. O primeiro deles é no Manifesto Comunista, de 1848, no qual há uma menção explícita a educação. “Vinte anos depois, em um documento da 1ª Internacional, chamado de ‘Instruções aos delegados’, existe de forma mais sintética a proposição de Marx para a Educação”, disse José Rodrigues, acrescentando que o terceiro momento é um texto de 1875, conhecido como Crítica ao Programa de Gotha, no qual Marx faz uma critica ao programa do Partido Social-Democrata da Alemanha, que surgiu após a unificação de dois partidos operários, e defende uma escola gratuita, laica e sob o controle dos trabalhadores.

Nas instruções aos delegados da Internacional, segundo Rodrigues, Marx diz que o trabalho produtivo deve ser combinado com a educação de crianças e adolescentes. Diz ainda que, por educação, entendia três coisas: a educação Intelectual, corporal e tecnológica. “É a ideia que a educação tem três dimensões interligadas e inseparáveis, a dimensão do corpo, da cabeça e uma terceira dimensão, que não é a formação profissional tal qual se pensa aqui no Politécnico, mas que se pensa em outras escolas. Marx sugere que na formação dos jovens estejam acessíveis os fundamentos científicos para a compreensão do trabalho e que não seja um adestramento profissional como acontece em muitas escolas. Considero isso o núcleo do pensamento marxista para a educação”, resumiu.

Emancipação Humana

A emancipação humana foi o tema da fala de Paulo Tumolo, autor do artigo ‘Base teórico-políticas para a discussão da educação da perspectiva da classe trabalhadora’ no livro ‘Caminhos da Politecnia’. Em sua exposição, o professor falou sobre as bases históricas e teóricas da emancipação humana.

Didaticamente, Paulo explicou que para produzir sua existência como ser humano, o homem precisa satisfazer suas necessidades, desde ir ao teatro até comer. “É claro que é mais importante comer, mas se fizermos apenas isso, não vivemos como humanos, mas como animais. O que nos caracteriza como humanos e ter necessidades para além das naturais, por isso, precisamos de coisas como comida, roupas, transporte e educação, que são meios de subsistência produzidos, salvo exceções, por intermédio do trabalho. E assim produzimos nossa vida como seres humanos”, explicou ele.

Para a produção dos meios de subsistência, disse, são necessários os meios de produção, ou seja, aquilo que intermedeia a relação do homem com a natureza, satisfazendo suas necessidades. Em seu conjunto, os meios de produção e de subsistência formam o conteúdo material da riqueza. “Temos duas fontes de produção de meios de subsistência e produção: a natureza e o trabalho. E cada vez menos a natureza e mais o trabalho. Essa capacidade exclusivamente humana que temos de transformar a natureza vai nos produzindo como humanos e isso é emancipação humana, vou me emancipando da condição de ser apenas um ser natural”, afirmou Tumolo, acrescentando que essa emancipação acontece em dois sentidos: “Eu me emancipo cada vez mais da condição de ser um mero ser animal, mas, sem jamais perder essa condição, vou me transformando em um humano cada vez mais humano, porque hoje temos necessidades que não poderíamos satisfazer há alguns anos porque não existiam os meios para isso. Não podíamos voar, porque não existiam aviões, por exemplo.Oou então, imaginem a nossa vida sem energia elétrica”.

O professor destacou que, com o desenvolvimento da força produtiva do trabalho e dos meios de produção, hoje, o homem precisaria dedicar cada vez menos tempo ao trabalho para produzir sua subsistência e, com isso, também vai se emancipando do trabalho. Mas esse mesmo desenvolvimento da força produtiva do trabalho que possibilita a produção constante e ininterrupta da emancipação humana, contraditoriamente, segundo Tumolo, criou as condições para o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, que permite a produção de excedentes e promove a divisão da sociedade em classes sociais: uma que trabalha para produzir a existência da outra. “Isso altera substantivamente a produção da nossa existência e vai ter desdobramentos na emancipação humana porque uma classe está privada dos meios de produção. E se eu sou o proprietário dos meios de produção, também sou dos meios de subsistência, então, nem todos conseguem satisfazer suas necessidades. E o poder nasce dessa base. O trabalho, que era o elemento de produção da emancipação, se transforma em uma mercadoria e passa a ser elemento de produção da degradação humana, inclusive com o ser humano se transformando em mercadoria, com o trabalho escravo”.

Já no sistema capitalista, a mercadoria não é mais o trabalhador , mas sim, sua força de trabalho. “Quando o trabalhador é mercadoria, ele não é proprietário de nada, ele é propriedade de alguém. No capitalismo, ele não é propriedade de ninguém, mas é dono de sua força de trabalho, que ele vai ao mercado vender. Ele não está alienado de tudo como o escravo. Ele tem uma propriedade e, em igualdade de condições, comparece ao mercado para vender sua mercadoria ao capitalista. Um vende e o outro compra a força de trabalho”, observou Tumolo, que acrescentou: “O trabalho e o desenvolvimento da força produtiva do trabalho, no modo de produção capitalista, produz emancipação e, contraditoriamente, ao produzir emancipação, produz também a degradação humana. Quanto mais emancipação, mais degradação”.

Tumolo levantou polêmica ao questionar a possibilidade de uma educação emancipadora na ordem do capital. “Ela não seria possível apenas em uma sociedade onde não houvesse nenhuma forma de propriedade privada? Se isso é verdade, não é possível, em qualquer forma social que haja propriedade privada, uma educação que emancipa. Se não é possível, temos que falar necessariamente para a construção da emancipação humana e para um desenvolvimento da força produtiva do trabalho que tenha como horizonte a emancipação humana. Portanto, não teria sentido falar, no sistema capitalista, de uma educação emancipadora, mas de uma educação que tenha como horizonte uma revolução anticapitalista. A educação não faz a revolução, mas é um dos componentes para um processo revolucionário”, concluiu.

 

Homenagem a trabalhadores assassinados

Cátia Guimarães

O segundo dia de atividades a Abertura do Ano Letivo da EPSJV foi aberto com uma homenagem aos militantes do MST assassinados, no dia 7 de abril, no Paraná. Num auditório decorado com quadros, imagens e outros objetos do Movimento, trabalhadores da Escola Politécnica lembraram a emboscada que atacou, feriu e matou trabalhadores no acampamento Dom Tomás Balduíno, no Paraná, onde, entre as mais de 1,5 mil famílias, vivem e trabalham ex-estudantes do Curso Técnico de Meio Ambiente em Saúde da EPSJV/Fiocruz voltado para a população do campo. Segundo o MST, o ataque foi uma emboscada promovida pela Polícia Militar junto com seguranças da empresa Araupel. As terras onde fica o acampamento já foram consideradas públicas pela Justiça Federal, e deverão ser destinadas à reforma agrária.

A homenagem feita na EPSJV destacou também que não se trata de um fato isolado: o ataque faz parte de uma escalada de violência e repressão aos trabalhadores do campo que, entre outras formas, se expressou nos últimos dias na retenção de Frei Sergio, do Movimento dos Pequenos Agricultores, e na prisão do Cacique Babau, liderança da resistência do povo Tupinambá.

E não só no campo. A homenagem destacou ainda que, só na semana passada, no Rio de Janeiro, uma série de incursões policiais resultou em cinco pessoas mortas em Acari e quatro em Manguinhos, complexo de favelas na região onde está localizada a Fiocruz.

Nesse cenário de violência, surgem também ações de resistência, no campo e na cidade. No ato que ocupou o debate do dia 8 de abril na EPSJV, lembrou-se que neste momento, só no Rio de Janeiro, 32 categorias de servidores estão em greve e mais de 30 escolas estão ocupadas por estudantes secundaristas em luta pela escola pública.

Para todos os trabalhadores mortos, da cidade e do campo, o auditório da Escola Politécnica gritou: PRESENTE!

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