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EPSJV comemora 32 anos

Debate sobre a reforma do ensino médio, com críticas a um modelo pautado no mercado, apresentação teatral sobre o mundo do trabalho e lançamento de livros marcam programação de aniversário da Escola Politécnica
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 24/08/2017 16h25 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

‘O empresariamento da educação por trás da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Curricular Comum’: esse foi título da palestra ministrada por Fernando Penna, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e presidente do Movimento Educação Democrática, no dia 18 de agosto, como parte das comemorações do aniversário de 32 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). No cerne do debate, esteve o conceito de Reformadores Empresariais da Educação, que segundo Penna, envolve políticos, mídia, empresários e empresas educacionais, institutos, fundações privadas e pesquisadores alinhados com a ideia de que o mercado e o modo de organizar da iniciativa privada servem para solucionar o problema da educação. Para ele, esses Reformadores têm pautado as reformas no campo da educação. “A ideia é que para o fortalecimento da gestão e solução de problemas na educação, precisaríamos de uma gestão com lógica empresarial. Além disso, importam as avaliações externas de larga escala e censitárias, aplicadas nas escolas vinculadas a uma política de responsabilização, a exemplo do Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj)”, explica. Com isso, disse, abre-se caminho para um mercado educacional e a possibilidade de privatização. “A Reforma do Ensino Médio já está criando um mercado para o ensino a distância”, exemplificou.

Educação e mercado

Penna afirmou que em torno da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) há diversos grupos que operam dentro da lógica de mercado. Segundo o professor, um exemplo é o Movimento Todos pela Educação, nascido em 2006, que tem influenciado várias políticas educacionais no Brasil e reúne uma série de empresas e institutos, como Fundação Bradesco, Santander, Instituto Natura e Fundação Lemman. Ele revelou que, em 2013, a convite da Fundação Lemann e da Universidade de Yale, um grupo de deputados participou, em caráter de missão oficial, do Programa "Liderando Reformas Educacionais: fortalecendo o Brasil para o Século 21", em New Haven, Estados Unidos, e o relatório da viagem destacava a existência do common core, que, segundo ele, fortaleceria a ideia de uma BNCC no Brasil. Na ocasião, foi fundado o Movimento pela Base. Outro encontro, com as mesmas intenções, se deu em 2015. Nele, estava presente o então ministro da Educação, Ciro Gomes. “O grande problema é que, quando o Ciro Gomes entra em 2015, ele coloca como secretário da Educação Básica Manuel Palácios, que foi durante muito tempo coordenador do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, instituição envolvida com sistemas de avaliação externa do Brasil inteiro”, advertiu, lembrando que, entre 2011 e 2013, foi criado um primeiro grupo de trabalho responsável pela elaboração de documentos sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Mas a estrutura da Base nunca foi posta em discussão, e é justamente ela que dialoga com a proposta de avaliações externas de modelo censitário”, acrescentou.

Para Penna, a Reforma do Ensino Médio, aprovada em fevereiro deste ano pelo Congresso Nacional, após ter sido apresentada às pressas como Medida Provisória (MP nº 746) em setembro de 2016 pelo Governo Temer, traz muitos problemas. “O ensino médio passa a ser dividido em duas partes, uma dedicada à BNCC e outra a itinerários formativos. Isso quer dizer que, no meio do curso, os alunos terão que escolher entre cinco áreas: linguagem e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas ou formação técnica profissional”, explicou. Segundo ele, a discussão do Novo Ensino Médio foi dissociada da Base Nacional Curricular Comum. “Ninguém nega que é urgente reformar o ensino médio, mas devemos nos perguntar se é esta reforma que queríamos e precisávamos”, criticou.

Outro grave problema, em sua avaliação, diz respeito à proposta do chamado Notório Saber e às instituições de educação a distância com notório reconhecimento. “Os profissionais com Notório Saber serão reconhecidos pelo sistema de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins a sua formação ou experiência profissional. Isso é a abertura que faltava para o mercado educacional”, alertou. Além disso, Penna ressaltou que, segundo a Reforma do Ensino Médio, cada escola pode oferecer um só itinerário, sendo que 55% dos municípios do Brasil só têm uma escola de ensino médio, o que limita totalmente as opções. “Será que as famílias brasileiras terão recursos para mandar seus filhos para outro município, para cursarem o itinerário de interesse?”, indagou, reforçando que as escolas públicas permanecerão com opções básicas, enquanto as escolas particulares das classes média e alta continuarão a ofertar uma formação completa a seus alunos.

Novos livros da EPSJV

Como parte das atividades de comemoração, a Escola lançou os livros ‘Cultura, Politecnia e Imagem’ e ‘Curso Técnico em Meio Ambiente - Tramas e Tessituras’, com uma mesa de debates e sessão de autógrafos.

Organizado por Gregorio Galvão, Muza Clara Velasques e Renata Reis, o livro ‘Cultura, Politecnia e Imagem’ traz uma coletânea de artigos sobre diferentes dimensões da cultura, visando ampliar e ressignificar o termo para além de uma leitura direta que o liga apenas às manifestações culturais mais imediatas das sociedades. “A ideia desse livro foi discutir qual é o lugar da cultura, sua dimensão simbólica e material da vida social transversalmente a politécnica”, explicou Gregório durante a mesa de debates.

Da mesa do lançamento, além de Gregório participou também a professora-pesquisadora da EPSJV, Marise Ramos, que é autora de um dos artigos do livro, junto com Raquel Moratori. Sua fala foi um esforço de  reconstrução histórica do termo Cultura — um dos conceitos estruturantes do livro. Marise destacou que, no sentido mais geral, cultura pode compreendida a partir de duas perspectivas distintas. "A perspectiva materialista, que entende a cultura como resultado direto e indireto das atividades e manifestações sociais. E outra idealista, como modo de vida. Neste caso, existiria um ‘espírito formador’ do modo de vida global, um estatuto civilizado de um modo de vida, associado à própria tradição", afirmou a pesquisadora.

Sobre o livro ‘Curso Técnico em Meio Ambiente — Tramas e Tessituras’, organizado por André Burigo, da EPSJV, Eduardo Barcelos, Gigi Castro e Lara de Queiroz, quem falou na mesa de lançamento foi o professor-pesquisador Alexandre Pessoa. Dividido em cinco fascículos, a obra  sistematiza a experiência, os dilemas e os aprendizados do Curso Técnico em Meio Ambiente (CTMA), realizado pela Escola em parceria com a Universidade Federal do Ceará e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. “A voz dos educandos é muito importante e, por isso, o início de cada fascículo traz cartas dos próprios alunos. É uma construção compartilhada das diversas narrativas que nós construímos durante todo o processo do curso”, observou Pessoa.

Após a mesa, os organizadores do livro ‘Cultura, Politecnia e Imagem’ participaram de uma a sessão de autógrafos e, em seguida, foi cortado um bolo de aniversário da Escola para trabalhadores e estudantes.

Arte em foco

Para encerrar as comemorações dos 32 anos, na parte da noite, os trabalhadores e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da EPSJV assistiram à peça teatral ‘Panchito Gonzalez’, da Companhia Atores da Fábrica, que trata de temas importantes e atuais, como corrupção, racismo e machismo. A peça, inspirada na obra de Osvaldo Dragún, com tradução da psicanalista Cecilia Boal, conta a história de Panchito, um trabalhador corrompido pelas ofertas de aumento de salário. Ele fica responsável por assumir uma licitação de duas mil toneladas de carne, que em breve seriam exportadas para a África do Sul. Para ganhar a concorrência, Panchito resolve vender carne de rato. Ele só não contava que a carne propagaria uma epidemia de Peste Bubônica no país.

Os integrantes da EJA participaram, em seguida, de um debate sobre questões apresentadas pelos atores. “O que mais me chamou atenção foi a situação do trabalhador, plenamente desassistido, porque não participa da gestão dos meios de produção do trabalho. Essa escolha, nesse momento de ataques de desmantelamento das nossas relações mais básicas de trabalho, foi muito bem pensada”, observou a professora-pesquisadora da EPSJV, Danielle Cerri.