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EPSJV e artistas de rua se reúnem para discutir Educação e Cultura no contexto da Covid-19

No ciclo de encontros, foi destacada a importância da Arte para a saúde e na luta contra o coronavírus
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 18/03/2021 10h23 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) concluiu mais uma ação de enfrentamento à Covid-19. No dia 9 de março, foi realizada a última oficina do Ciclo de Encontros: Educação e Cultura para artistas de rua no contexto da pandemia e pós-pandemia. Além da EPSJV, a iniciativa contou com a organização da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR) e dos Artistas Grupos Independentes e Cias de Circo do Rio de Janeiro (AGICIRCO).

Segundo a professora-pesquisadora da EPSJV, Vera Joana Bornstein, coordenadora da ação com mais dois professores-pesquisadores do Poli, Alexandre Pessoa e Helena Vieira, o Ciclo de Encontros surgiu de uma demanda dos próprios artistas, preocupados com os efeitos da pandemia sobre sua própria saúde e a saúde da população. “Se, por um lado, precisam garantir seu sustento, por outro lado, se preocupam com os riscos ocasionados pelo trabalho na rua. Durante nossos encontros, essa foi uma preocupação constantemente demonstrada”, apontou Vera Joana. A coordenação contou também com os artistas Richard Riguetti e Samir Jaime, da RBTR; e Gabriel Sant´Anna e Raquel Potí, do AGICIRCO.

Ao todo, 30 artistas de rua concluíram o processo de formação, iniciado em 2 de fevereiro de 2021 e que teve cinco oficinas, com carga horária total de 18 horas. Vera Joana ressaltou que, durante todo o tempo, houve a participação dos artistas por meio dos debates que foram moderados por integrantes da coordenação político-pedagógica do evento. De acordo com ela, os participantes foram divididos em cinco grupos, conforme sua área de atuação: Transportes Coletivos; Semáforo ou Sinal de Trânsito; Cortejos; Rodas em espaços públicos e Oficinas de Formação. Os temas trabalhados foram: O Contexto da Pandemia e da Pós-Pandemia; Barreiras Sanitárias Múltiplas; Educação e Cultura no enfrentamento da Pandemia; O papel estratégico da comunicação e cultura; e Como nos organizamos?. “Tivemos exemplos muito ricos de soluções criativas trazidas pelos artistas, como um artista que trabalha em sinal de trânsito e disse que, antes da pandemia, assim que o sinal fechava era possível ir para a faixa e começar o número, mas que, agora, era preciso esperar diminuir o fluxo de pedestres atravessando a fim de diminuir o contato”, contou.

Outro exemplo foi o da discussão sobre como passar o chapéu para recolher o dinheiro sem se contaminar, pois o chapéu costuma ser usado na cabeça durante a apresentação. “Érica, uma das participantes, deu uma solução interessante: ’Eu uso uma bolsa para pedir o dinheiro, prendendo com pau de selfie para dar distância’”, contou Vera, acrescentando que uma outra artista disse que uma forma de manter a distância durante a apresentação em roda seria a proposta de marcar o chão com retângulos de tecido para que o público mantenha distância ao se sentar.

Para Vera Joana, o trabalho foi um exercício de educação popular, na medida em que foi uma construção coletiva. Segundo ela, os encontros não partiram de soluções acabadas sobre a prevenção da Covid-19, mas sim do entendimento do processo de transmissão e do contexto da pandemia no país. “Acredito que os encontros contribuíram para fortalecer o papel educativo dos artistas de rua. Vários deles expressaram a importância de incluir mensagens educativas de saúde em seus espetáculos”, afirmou.

Diante do agravamento da pandemia em um país continental como o Brasil, Alexandre ressaltou que é fundamental reforçar a importância da compreensão e da adoção das barreiras sanitárias múltiplas. “Isso deve ser feito ao longo de todo o processo, considerando a atual fase crítica da pandemia, os períodos de pré-vacina, de vacinação mas também o pós-vacina, a etapa pós-pandêmica, e mesmo a possibilidade dessa doença se transformar em uma doença endêmica”, disse, destacando que, nesse contexto, o ciclo de encontros foi de grande aprendizado e emocionante: “De fato, é a afirmação da importância da pedagogia do cuidado e do fortalecimento da saúde coletiva e do Sistema Único de Saúde”. 

Na avaliação de Helena, a Arte no contexto da pandemia é fundamental e os projetos dos artistas entram em lugares que a população recebe pouca ou nenhuma informação: “Tem gente que nega, que diz que não tem pandemia, que isso é uma loucura, etc...”, observou. “Então, são lugares em que os artistas conseguem penetrar com outra linguagem. Depois das discussões, eles mesmos foram percebendo como é que poderiam colocar no dia a dia deles essas informações básicas sobre uso de máscara e distanciamento social, que eles achavam corretas para a segurança deles e de quem está em volta, devido ao fato de que eles são artistas de rua e trabalham com grupos”, apontou.

As vozes da Arte

Para Richard Riguetti, o artista de rua é um formador de opinião, já que se aproxima muito da população, tem uma escuta aguçada dos movimentos do dia-a-dia e das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. Segundo ele, as dificuldades desses profissionais durante a pandemia têm sido muito grandes. “Temos uma pequena parcela que está conseguindo trabalhar através das plataformas digitais e, assim, conseguindo o seu sustento. Mas há muitos outros que não tem condições nem tecnológicas, nem em seus repertórios para fazer isso. Então, estão se expondo nas ruas, por questão de sobrevivência”, apontou.

Dalton ValérioNesse contexto, Richard destaca que os encontros foram essenciais, pois discutiram a importância dos cuidados e das necessidades de criar uma cultura de barreiras sanitárias. “Eu fiquei surpreso com a dinâmica dos encontros, tanto no aspecto organizacional quanto na execução e nas futuras avaliações. A organização no aspecto de criar uma matriz dos encontros foi muito proveitosa, aprendi muito e quero aplicar em algumas atividades”, afirmou. E acrescentou: "Fiquei bastante enriquecido. Nós, como artistas, também pudemos passar um pouco de como nos organizamos e nos mobilizamos. Acredito que tenha sido muito proveitoso para todos”.

No atual cenário, Richard faz críticas a forma como o governo tem tratado a Cultura. Ele explicou que, antes, a pasta era tratada pelo Ministério da Saúde, Educação e Cultura. Com o passar dos anos, os ministérios foram tornados independentes e a Cultura hoje é uma secretaria dentro do Ministério do Turismo. “A Cultura não é só entretenimento, são os valores de um povo, ela é produzida por todos os habitantes e não só por uma parcela. Colocá-la junto com a Educação, a Saúde e a Ciência é uma química necessária”, pontuou, explicando: “Juntos, podemos fornecer insumos de melhor qualidade para a população do que se atuarmos isoladamente. Não quer dizer que o artista vai curar, mas ele vai cuidar das pessoas. O médico também não vai fazer uma cena, mas vai saber lidar com os afetos das pessoas e isso a Arte pode ensinar". 

Samir Jaime destacou que, por lidarem diretamente com o público, olho no olho e, algumas vezes, com contato, os artistas de rua sempre estiveram mais expostos aos vírus. Justamente, por isso, ele ressaltou a importância do ciclo de encontros: “A ideia agora é que a gente crie formas de levar o que aprendemos a outros artistas pelo Brasil. E que, assim, eles possam adequar às suas realidades, que são diferentes dependendo de cada estado”.

Segundo Samir, é preciso fazer com que cada artista se entenda como um agente multiplicador de uma pedagogia da Saúde. “A gente, enquanto artista, diz muito que a Arte cura e salva a pessoa que está na correria do trabalho, na tensão do dia–a-dia. às vezes, um espetáculo, um momento em que essa pessoa está dividindo sua atenção com a Arte, traz um alento, muda a rotina, faz com que essa pessoa consiga enxergar a vida por outro viés”, definiu.

A defesa do SUS, para ele, é uma bandeira que os artistas devem levantar e é muito importante que estejam juntos nessa luta: “Os setores da sociedade como a Educação, a Saúde e outros, precisam estar cada vez mais próximos da Arte e da Cultura”.

Micael HochermanPara Raquel Potí, os artistas de rua também são agentes de saúde em potencial, uma vez que as atividades artísticas podem incluir ações pedagógicas, que sensibilizem com eficiência o público sobre os cuidados na prevenção de doenças. “É uma função muito necessária num cenário de pandemia e pós-pandemia. A cultura e as produções artísticas foram fundamentais para apoiar as pessoas no isolamento social e, com isso, na prevenção de mais mortes. Porém, com a impossibilidade de realizar suas funções, a renda comprometida e os auxílios insuficientes para o setor, estamos em situações críticas de sobrevida durante esse período”, lamentou.

O ciclo de encontros, continuou Raquel, proporcionou o fortalecimento dos artistas, cuidando de celebrar e reconhecer o fazer artístico no ambiente da rua, que, historicamente, é marginalizado, como uma função muito importante para manutenção da saúde. “Nos instrumentalizou com informações importantes e mostrou que muitos encontros como esse ainda virão, porque entendemos mais do que nunca, que somos aliados e que a Cultura e a Saúde juntas podem salvar muitas vidas”, afirmou.

Gabriel Sant´Anna corroborou: “Num momento de tanta desinformação que estamos vivendo, a gente precisava buscar respostas com especialistas. E fomos prontamente acolhidos pela Fiocruz. Não dá para mensurar a importância desses encontros, que foram muito colaborativos. Parte deles se converteu em espaço de debate e de troca de experiências de artistas de diversos lugares do país, um espaço de perguntas e respostas”.

Uma vez que o trabalho do artista de rua é a arte do encontro, Gabriel ressaltou que a maior dificuldade na pandemia foi a necessidade de ter que se reinventar: “Embora isso já faça parte da nossa trajetória como artista, tivemos que nos reinventar. E assim, temos aprendido a nos adaptarmos com o audiovisual, por exemplo, descobrindo como interagir com o nosso público, como chegar ao público mais periférico”. E completou: “A arte é importante em todos os contextos, é uma das formas de expressão da nossa Cultura. E, na pandemia, ela se tornou ainda mais evidente para todo mundo uma vez que a saúde emocional advém também de indivíduos que conseguem ter uma interação com as manifestações artísticas”, finalizou.