Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

EPSJV inicia série de debates sobre relatório do Banco Mundial

A mesa trouxe críticas ao relatório do Banco Mundial ‘Um Ajuste Justo - Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil’, lançado em novembro de 2017
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 03/05/2018 06h14 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

‘Reforma trabalhista e o Ajuste (in)justo’ foi o tema da primeira mesa do Ciclo de Debates sobre o relatório do Banco Mundial promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). A mesa, no dia 26 de abril, trouxe críticas ao relatório do Banco Mundial ‘Um Ajuste Justo - Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil’, lançado em novembro de 2017, e encomendado pelo governo brasileiro ao banco. A programação contou com a participação dos professores José dos Santos Souza, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e José Augusto Pina, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). Nos próximos meses, estão previstos debates com os temas ‘Reforma da Educação e o Ajuste (in) Justo’, ‘A demolição do SUS e o Ajuste (in)Justo’ e ‘O desmonte do funcionalismo público e o Ajuste (in)Justo’.

Souza destacou alguns aspectos relacionados à reforma trabalhista e o impacto que o documento apresenta no que consiste, segundo ele, em um ajuste injusto que acaba levando a classe trabalhadora cada vez mais para o buraco. “Sempre percebo nos relatórios do banco uma superficialidade analítica, um pragmatismo da abordagem de modo que, na maioria das vezes, os dados são cuidadosamente organizados e sempre levam a conclusões bastante tendenciosas. Os elementos que o documento traz não têm grandes novidades. Boa parte do que está proposto nesse ’ajuste’ já faz parte da pauta do Governo”, afirmou o professor.

Nas medidas adicionais propostas para a Educação Básica, Souza apontou a redução de 37% dos recursos para o Ensino Fundamental e 47% para o Ensino Médio para manutenção do desempenho atual nos serviços de educação para esses níveis de ensino. “O banco sustenta essa argumentação dizendo que os municípios mais ricos acabam sendo obrigados a gastar dinheiro com ensino fundamental e com ensino médio sem que haja necessidade, uma vez que a faixa etária da nossa população está cada vez menos jovem e que tantos investimentos seriam desnecessários. Então, eles argumentam que seria melhor eles redimensionarem os investimentos, tirando da Constituição aqueles percentuais que cada município é obrigado a investir em educação – ou seja, desobrigar os 25% da arrecadação municipal para a Educação”, disse. E acrescentou: “O documento ainda afirma a necessidade de um aumento do número de alunos por professor em 33% no ensino fundamental e 41% no ensino médio. Eles alegam que isso poderia ser feito com o declínio natural dos professores. Eles entendem que ao cessar os concursos públicos para vagas ociosas, remanescentes de aposentaria e de óbitos, o número de professores será reduzido na rede pública, equivalendo ao que acontece na rede privada”.

Em relação aos ataques às universidades federais, Souza ressaltou que ao compará-las com universidades privadas sem qualquer outro critério, o banco desconsidera o resultado das avaliações em larga escala feitos pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), que apontam as públicas como as mais eficientes do país. “O banco ainda aponta que os níveis de gastos por aluno nas universidades públicas são de duas a cinco vezes maior que o gasto por aluno em universidades privadas, sem considerar que as públicas articulam ensino, pesquisa e extensão, o que não ocorre na maioria absoluta das privadas”, avaliou.

Segundo Souza, o banco se utiliza do “velho argumento do único caminho possível” e afirma no documento que “essas medidas adicionais não substituem o combate às causas fundamentais do aumento dos gastos públicos e a revisão das excessivas responsabilidades/obrigações associadas ao Estado brasileiro. Caso não consiga fazer isso, o Brasil inevitavelmente passará por outras crises fiscais e terá de implementar outros ajustes dolorosos no futuro”. Souza retrucou: “O argumento de que o governo brasileiro gasta mal e que, ao longo dos anos, o país observou um grande aumento dos gastos públicos faz com que o banco reforce que a única saída é a aprovação das reformas. Sem elas, seria o fim do mundo, o país estaria perdido”.

Em sua fala, José Augusto Pina relacionou a Reforma Trabalhista com o documento do Banco Mundial, especificamente com o mercado de trabalho e a proteção dos trabalhadores. Segundo ele, inicialmente, a reforma é mais uma entre uma série de medidas que foram adotadas , mais fortemente, a partir dos anos de 1990. “A reforma se intensifica com o processo político que estamos. A velocidade que ela tramitou e foi aprovada mostra forças políticas para que esse processo acontecesse. Também se intensifica a partir da crise mundial do capitalismo, em 2008. E não apenas no Brasil”, alertou.

Pina afirmou que nesse período várias reformas trabalhistas ocorreram no mundo no sentido regressivo, principalmente na Europa. “Algumas medidas de reforma na Ásia, por exemplo, foram no sentido da proteção. Mas as reformas nos países da Europa seguem o marco do modelo Alemão, que no inicio dos anos 2000 introduziu o trabalho por tempo parcial, reduzindo os direitos do seguro desemprego”, disse, completando que é possível correlacionar esse modelo com a reforma trabalhista brasileira.

Nesse cenário, de acordo com Pina, também há mudanças na estrutura produtiva, ou seja, a discussão da reforma também tem que trazer as mudanças que estão ocorrendo no processo produtivo no mundo. “No bojo do que, a partir da Alemanha, chama-se Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial, um conjunto de medidas, como inteligência artificial, está sendo incorporado ao processo de produção. Uma ilustração disso é a opção do teletrabalho, por exemplo. No setor bancário, o maior crescimento das aplicações financeiras se dá hoje em meio a aplicativos de celular e nas chamadas agências virtuais”, exemplificou.

Segundo Pina, muitas dessas medidas eram apenas pontuais, negociadas em um setor, com uma empresa e agora são conformadas em lei geral: “Ou seja, ela transforma o que era apenas uma negociação pactuada numa empresa específica em lei geral, passível de abarcar o conjunto de trabalhadores. Antes estava sendo praticada uma série de medidas, mas pontualmente. Por exemplo, a quitação geral de direitos trabalhistas nos chamados programas de demissão voluntária, que de voluntária não tem muita coisa. Essa quitação geral já era acordada, inclusive, assinada por vários sindicatos. E agora se transformou em lei geral para o conjunto de trabalhadores”.

O principal item da reforma, para Pina, é a prevalência do negociado sobre a lei. O professor afirmou que agora o acordo coletivo e até o acordo individual entre o empregado e empresa prevalecem sobre a lei. “Isso é uma inversão dos instrumentos normativos da proteção social do trabalho. Antes, havia a lei e os acordos coletivos e negociações poderiam estender direitos além da lei, mas nunca retroagir ou acordar abaixo dos itens da legislação. Agora, jornadas de trabalho, compensação por banco de horas, remuneração por produtividade, participação dos lucros, teletrabalho, laudos de insalubridade e provocação de jornadas de trabalho em ambientes insalubres, entre outros temas podem ser negociados e prevalecer sobre a lei”, ressaltou.

O professor conclui os argumentos que constituem o relatório não incluem o fortalecimento das negociações coletivas. Isso porque “ao introduzir o acordo individual sobre esses itens e sobre tantos outros, se enfraquece a negociação coletiva. Muitas empresas podem nem estabelecer negociações coletivas porque elas podem exercer mais pressão em um acordo individual”, finalizou.

Veja as apresentações:

José Augusto Pina

José dos Santos Souza