Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Redes colaborativas e formação docente em Saúde Pública

Talita Rodrigues e Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 19/05/2017 12h03 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

O primeiro painel do III Colóquio Brasil-Cuba de formação em Saúde Pública, no dia 8 de maio, discutiu o tema “Redes Colaborativas e Formação de Formadores Latinoamericanos”, com a participação do Ricardo Teixeira, da Faculdade da Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e Mario Rovere, da Universidade Nacional de Rosário, na Argentina.

Ricardo Teixeira fez um relato de experiência sobre a Rede Humaniza SUS (RHS), rede colaborativa social que está vinculada à Política Nacional de Humanização. A RHS existe há dez anos e funciona como um blog comunitário, no qual os usuários podem postar suas publicações. “É uma rede social aberta para ocupação coletiva, na qual se compartilham narrativas de experiências de trabalho submetidas à discussão pública, contribuindo para o aprimoramento das políticas de gestão e cuidado em saúde”, disse Ricardo. Na RHS, também são compartilhadas experiências de formação no Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive com a publicação de trabalhos de alunos. “É um espaço de ocupação pelo cotidiano do trabalho em saúde”, observou Ricardo. Atualmente, a RHS tem 33 mil usuários cadastrados e publicações de 1.850 autores, além de 35 mil comentários já registrados.

Mario Rovere falou sobre o referencial de redes e citou alguns exemplos de redes bem-sucedidas no Brasil como a Rede Unida, Rede de Escolas de Governo e a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS). Para Mario, três conceitos principais são importantes sobre as redes: unir instituições diferentes para a troca de experiências; a integração interna da rede para que ela funcione bem externamente; e a força na dinâmica de produção da rede. “Na lógica das redes, é mais importante a aranha do que a teia porque a aranha pode construir a teia. Cuidar só da teia não adianta”, destacou ele.

Ricardo Teixeira: Redes Colaborativas/Sociais e Formação: algumas contribuições a partir da experiência da Rede Humaniza SUS

Mario Rovere: La Formación de Formadores en Salud Pública para Latinoamérica: como promover el compromiso social y político en la educación para la salud?

Assista ao painel “Redes Colaborativas e Formação de Formadores Latinoamericanos”

Formação docente em saúde pública

“A formação de formadores em saúde pública e sua importância para os sistemas de saúde” foi o tema do segundo painel do encontro, coordenado pela vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da EPSJV, Marcela Pronko. Participaram do debate, Oscar Feo, assessor do Instituto de Altos Estudos em Saúde Arnoldo Gabaldón, da Venezuela; Mario Dal Poz, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); Nancy Molina, diretora do Instituto de Desenvolvimento Humano, Incapacidades e Diversidades da Universidade Nacional da Colômbia (Unal); Felix Rigoli, especialista em sistemas e serviços de saúde do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags/Unasul); e Carlos Einisman, presidente da Associação Argentina de Técnicos em Medicina Nuclear.

Para Oscar Feo, a formação de formadores em saúde pública não é um problema técnico ou metodológico.  “É um problema político, que obriga todos a refletir sobre quais são os determinantes dessa formação e dos sistemas de saúde”, disse ele, destacando dois fatores determinantes da formação: o surgimento, nos últimos anos, de uma saúde pública para o mercado e o capital, e a entrada da saúde nos circuitos de acumulação do capital e, consequentemente, o aparecimento do complexo médico industrial financeiro como ator principal das políticas de saúde.

A partir da década de 1990, segundo Oscar Feo, com as políticas neoliberais, surge uma saúde pública que favorece as privatizações e coloca a saúde no mercado. Feo sublinhou que, nesse mundo globalizado e de hegemonia planetária do capital e vitória cultural da direita, pessoas pensam e atuam em função do mercado. “Essa hegemonia faz com que a sociedade adote as ideias dominantes e as incorpore ao seu repertório ideológico. A classe dominante educa a sociedade para que viva o capitalismo como algo natural”, ressaltou, acrescentando que cabe ao campo da formação de formadores construir um pensamento contra-hegemônico, desenvolvendo uma saúde coletiva que asuma os novos determinantes das políticas de saúde.

Quando o assunto é processo formativo, Mario Dal Poz considera que há dois elementos centrais: as capacidades institucional e técnico-científica das instituições que formam. Para ele, pensar a formação de formadores implica refletir a interação entre os sistemas de saúde e as escolas de saúde, bem como seus desafios em diferentes dimensões. “As funções tradicionais da escola são basicamente quatro: formação, investigação e desenvolvimento tecnológico, cooperação técnica e a ação direta na comunidade”, destacou. Mario considera que é importante pensar não somente o que as escolas estão produzindo quanto ao sistema de saúde, mas também, como elas podem influenciar a organização e as funções dos sistemas.

Nancy Molina falou sobre as propostas de transformação para uma melhor formação dos formadores e a necessidade de pensar a educação em conjunto com a prática profissional e o processo de trabalho. “A educação pode contribuir para uma prática profissional transformadora, à medida que consegue estabelecer lógica e capacidades contra-hegemônicas. O sentido básico do processo é o reconhecimento e a crítica a toda forma de relação de dominação, seja pelas classes sociais, de gênero, de etnias ou profissionais”, enfatizou. Ela defendeu a formação de vínculos com a realidade. “Todos os cenários de prática devem ser assumidos como uma possibilidade de transformação, a partir de uma maior compreensão do funcionamento da sociedade, da identificação de conflitos e das possibilidades de resistência e de mudança”, acrescentou.

Felix Rigoli falou sobre alguns aspectos dos anos 2010, marcados pela consolidação da paz, democracia e do crescimento económico, ainda que nenhuma das características esteja assegurada para a próxima década. “Há desafios em comum, especialmente para os sistemas de saúde, em um mundo que parece caminhar para o isolamento e a regressão dos indicadores sociais”, observou. Felix destacou a importância dos sanitaristas no contexto atual, que são dialeticamente produtos e produtores do sistema de saúde. “O desafio está em formar quadros direcionados aos direitos e com capacidade de pensar e implantar mudanças, em  um contexto no qual a população compreenda seus direitos e se mobilize para defendê-los. Os sanitaristas, portanto, têm a obrigação de participar deste esforço”, afirmou.

Carlos Einisman destacou a inter-relação contínua entre teoria e prática: “O interessante é que, independentemente de profissão, são categorias que se encontram em todas as partes. Nas carreiras universitárias, há mais teoria que prática. No entanto, quando se trata de técnicos ou operários, a prática se sobrepõe à teoria”. O professor explicou os conceitos de Episteme e Phronesis. Segundo ele, a Episteme é dirigida para o conhecimento de várias situações, usa conceitos gerais, se baseia em pesquisa científica e é conceitual. Já a Phronesis está direcionada a uma ação concreta e específica, centra a atenção em aspectos específicos da situação e se baseia em experiências próprias de cada um.

Oscar Feo

Mario Dal Poz

Nancy Molina

Felix Rigoli

Carlos Einisman

Assista ao painel: “A formação de formadores em saúde pública e sua importância para os sistemas de saúde”

Leia mais