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Entrevista: 
Catarina de Almeida Santos

Financiamento em risco: "É a qualidade que tem que definir o quanto de investimento o país tem que fazer na educação"

Em meio a uma possível crise institucional que se instalou no Ministério da Educação (MEC) neste início de 2019, movimentos sincronizados do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do MEC colocam em risco o CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) e o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), mecanismos que se tornaram referências para o cálculo do investimento em educação básica e são considerados essenciais para o alcance do direito à educação no Brasil. As ações podem esvaziar o Plano Nacional de Educação (PNE), às vésperas do vencimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – que garante a complementação pela União da educação básica –, e provocaram alarme entre educadores. Em entrevista ao Portal EPSJV/ Fiocruz, a professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Catarina de Almeida Santos explica a lógica do financiamento proposto com base no CAQi/CAQ e expõe o que está em jogo na discussão: “A União, efetivamente, não quer colaborar de forma mais efetiva com uma quantidade maior de recursos para que a educação de qualidade aconteça”. Leia mais:
Beatriz Mota - EPSJV/Fiocruz | 29/03/2019 14h44 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

O que são, na prática, o CAQi e CAQ? O que eles viabilizariam na educação brasileira, se implantados?

O CAQi é um mecanismo de financiamento, criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para se alcançar a qualidade da educação, em cada etapa e modalidade da educação pública. O cerne da questão é garantir o direito à educação que, segundo a própria Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), requer um conjunto de insumos. E a gente só garante o direito quando garante qualidade. O que o CAQi faz? Ele cria os insumos necessários para essa qualidade e diz o quanto se precisaria investir por aluno para se alcançar essa qualidade.

E por que esse custo aluno/qualidade inicial? O parâmetro de financiamento no Brasil hoje é o Fundeb. A gente tem 27 fundos, os quais o valor depende da capacidade arrecadatória de cada ente federado, além de uma complementação da União para se alcançar esse valor mínimo estabelecido por ano. E aí, o que acontece? A educação que cada criança, adolescente, jovem e adulto recebe em cada uma das unidades federadas depende da quantidade de dinheiro que cada ente federado arrecada para a educação.

O CAQi tem como objetivo inverter essa lógica. Não é a quantidade de dinheiro que define qual a educação cada um recebe. É a qualidade da educação necessária para garantir o direito à educação que deve decidir quanto se deve investir na educação. O financiamento é meio para se alcançar a finalidade da educação: a garantia do direito, de qualidade, de apropriação da cultura, de formação integral do homem, desenvolvimento pleno do sujeito, da formação para cidadania. São estas questões que precisam basear a educação que a gente oferece.

E como é que a gente vai fazer para garantir educação de qualidade nessas unidades federadas que arrecadam menos? É exatamente o que está na estratégia 20.10 [complementação de recursos] do Plano Nacional de Educação (PNE), que vai dizer se cabe ao governo federal complementar os recursos necessários para os estados, Distrito Federal e municípios que comprovarem não ter as condições de implementar o CAQi...

O CAQi faria com que a gente equalizasse essa questão de recurso no país, ou seja, não é porque o aluno nasceu no Piauí que ele tem direito a uma educação com menos qualidade do que o que nasceu em São Paulo, por exemplo. Então a gente equalizaria as diferenças entre as unidades federadas no que se refere a financiamento, de modo que todas elas tivessem condições de oferecer educação de qualidade.

Obviamente que o valor estabelecido por aluno no CAQi não significa que todo e qualquer estado tem que implementar o mesmo valor. O valor estabelecido que a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação calculou é o básico para se alcançar o mínimo de qualidadei, pode ser que um estado precise de mais complementação, de um valor maior ou menor, isso é a realidade de cada estado que vai dizer, sempre tendo como parâmetro a qualidade.

Já o CAQ seria uma elevação disso. Se o CAQi está falando do custo aluno/qualidade inicial, mas essa qualidade inicial ainda não é qualidade desejada, não é a melhor, podemos melhorar se pegarmos como parâmetro outros países que oferecem educação de qualidade. Então o CAQ aproximaria a nossa qualidade e o nosso investimento para o modelo desses países. O CAQi equalizaria essa questão, ofereceria as condições mínimas para uma educação de qualidade inicial, e após isso a gente avançaria numa qualidade maior.

E o que abrange este conceito de ‘qualidade’?

Professores com formação inicial e continuada, planos de carreira, salários iniciais, pisos salariais iniciais e planos de carreira para que os professores avancem. A infraestrutura da escola, ou seja, condições adequadas de desenvolvimento, quadra poliesportiva coberta, laboratórios dos mais diversos - seja de informática, de física, de química -, biblioteca, brinquedotecas, espaços necessários para as crianças...  E também um número de alunos adequado por professor, por sala. Além de todos os recursos e equipamentos pedagógicos, bons livros, bons materiais pedagógicos.

O custo aluno/qualidade inicial para alcançar a questão da qualidade foi pensado em cima de insumos necessários e básicos que a nossa Constituição e a nossa LDB estabelecem. Não estamos falando de nada mais, nada menos do que aquilo que está no Artigo 205 da Constituição e nos seus artigos posteriores.

A qualidade que a gente está pensando é uma qualidade que faça com que o estudante se desenvolva plenamente, tenha uma formação para a cidadania, para a apropriação da cultura, e que também, obviamente, se forme para o mundo do trabalho.

Em 2010, o Conselho Nacional de Educação (CNE) normatizou o CAQi segundo os parâmetros da Campanha Nacional do Direito à Educação. O MEC, no entanto, nunca homologou este documento. Em 2014, quando o PNE adotou o CAQi, o ministério recebeu um prazo de dois anos para discutir e implementar o instrumento. Estamos em 2019, e isso nunca aconteceu. Por quê?

A Constituição cita os insumos necessários para a qualidade e o Artigo 214 diz que a lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir metas, as diretrizes e estratégias de implementação. E também indica que este plano defina, inclusive, qual é o percentual do PIB necessário para implementação das suas metas. O CAQi é justamente o mecanismo que traduz quais os insumos e os valores necessários para o alcance da qualidade.

Mas o que acontece? Quando a gente fala no CAQi, estamos falando da efetivação do regime de colaboração posto na Constituição no campo da educação, aquilo que nunca foi resolvido no campo do federalismo educacional. Historicamente, a grande responsabilidade pela oferta da educação sempre ficou a cargo de estados e municípios. Se a gente for imaginar a participação da União na efetivação, na garantia do direito à educação, especialmente da educação básica, ela é sempre muito tímida, sobretudo, no que se refere a financiamento.

Quando a gente conseguiu aprovar no PNE o mecanismo CAQi, aprovou também como teria que ser implementado, com maior participação da União. Esse é o grande empecilho para o CAQi, porque a União, efetivamente, não quer colaborar de forma mais efetiva com uma quantidade maior de recursos para que a educação de qualidade aconteça. Ela é quem mais arrecada, mas ela é quem menos investe na questão da educação. E o CAQi nem intenciona que ela investa mais que estados e municípios... Era para equilibrar o bolo, para ela entrar com algo em torno de pelo menos 2% do PIB no total...

Mas a União não quer complementar o que estados e municípios e o Distrito Federal precisam, não quer entrar com mais recursos, e aí trava a implementação do CAQi. São muitos interesses em jogo e que, no fundo, também têm a ver com não garantir educação de qualidade para a população brasileira, sobretudo essa população que é atendida pela escola pública.

(...) União não quer complementar o que estados e municípios e o Distrito Federal precisam, não quer entrar com mais recursos, e aí trava a implementação do CAQi. São muitos interesses em jogo e que, no fundo, também têm a ver com não garantir educação de qualidade para a população brasileira, sobretudo essa população que é atendida pela escola pública.

Quais seriam os interesses por trás da não implementação dos mecanismos de financiamento e de qualidade da educação?

Há um projeto político por trás disso. Se a gente olhar a não implementação do CAQi, há um conjunto de ações correlatas, como Escola Sem Partido, a militarização, a ideia do homeschooling, vai tudo no mesmo processo. Porque um projeto de educação de qualidade que garanta o desenvolvimento do sujeito, a formação para a cidadania é uma formação que se contrapõe a tudo que se quer manter neste país, que é a lógica do patriarcado, é a lógica da desigualdade de gênero, das violências. Não é interessante que a sociedade saiba pensar e decidir melhor os rumos do país, cobrar mais dos nossos gestores, não aceitar tudo isso que acontece no país...

O CAQi e o CAQ foram retirados do texto que institui o Comitê Permanente de Avaliação de Custos na Educação Básica, por meio de uma portaria publicada pelo MEC no dia 22 de março. A nova versão (Portaria 642, que modifica a 233, de 15/03/18) também altera a composição do Comitê: sai o representante do Fórum Nacional de Educação e entra um representante da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Economia. Em paralelo, a CNE caminha para revogação do Parecer CEB/CNE 2010, que estabelece metodologias para definição do CAQ e do CAQi. Em entrevista à Folha de São Paulo na última semana, a conselheira Maria Helena Guimarães, que foi secretária-executiva do MEC no governo Michel Temer, assumiu a frente da questão no CNE afirmando não ser de competência do conselho a definição custo-aluno. Qual a sua avaliação sobre essas ações?

A equipe econômica do governo está por trás disso, a questão dos interesses das fundações empresariais também. A própria portaria do MEC, que fala de um CAQi sem financiamento, sem perspectiva de valores... Ou seja, é um não CAQi, na verdade... Isto demonstra que não há interesse do governo em implementar o CAQi, assim como não há em ampliar o próprio investimento na educação.

A lei do PNE de 2014 vai deixar claro que a gente tem que implementar 10% do PIB, para este ano já deveria estar implementando em torno de 7%. Aí você vê a equipe do governo dizendo que 5% “está bom, já é muito que a gente está fazendo, é gastar mal, está gastando muito, mas gastando mal”.

Então, com certeza, há articulação desse parecer do Conselho Nacional com o MEC. E, justiça seja feita, é uma estratégia que já vinha sendo articulada desde o governo anterior, agora só se bate o martelo. Porque, afinal de contas, se o parecer do CNE 2010 tivesse sido homologado, nada disso estaria acontecendo. Se o CAQi tivesse sido discutido e implementado no prazo que o PNE estabeleceu – e isso teria sido em 2016 –, não estaríamos neste estágio agora. O que vemos é uma ação de sucessivos governos para impedir que a União cumpra seu papel constitucional e exerça a sua função supletiva e redistributiva, colaborando de forma mais efetiva para a garantia do direito à educação.

O que o parecer da CNE, de 2010, representa objetivamente para o CAQi, ainda que não homologado?

O que a gente tem de concreto dentro das esferas governamentais em relação ao custo aluno/qualidade é o parecer de 2010, inclusive com os valores calculados pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação. Quem, efetivamente, se debruçou sobre isso e estudou, mostrou cálculo, viabilidade, utilizou-se desses cálculos para convencer, para incidir no Congresso Nacional para que esse mecanismo fosse pro Plano Nacional de Educação, foi exatamente a Campanha, se valendo, inclusive, do parecer do CNE. Então, esse era o parâmetro de CAQi que a gente tinha até aqui.

O CNE convocou uma reunião extraordinária, às pressas e sem divulgação, com sua Câmara de Educação Básica, para discutir uma decisão judicial de 2018 emitida no estado do Mato Grosso para o cumprimento do Parecer CEB/CNE 2010, que venceu no mês de março. Em entrevista, a conselheira Maria Helena Guimarães afirmou que tem “convicção legal e jurídica de que não é atribuição do CNE definir o custo-aluno, [ao indicar] despesas sem definir de onde vai sair o dinheiro”, apontando ainda para uma revogação do parecer ao indicar que ele “se trata de atribuição do Ministério e que o conselho não tem competência”. Como a Comissão deveria se portar, se em defesa do CAQi?

A decisão da Justiça não indicava a homologação do parecer de 2008 e nem que a que a CNE respondesse à questão pelo MEC. A decisão do juiz de Mato Grosso era para que a União, inclusive, via FNDE, definisse o valor custo/aluno. Para definir isso, o CNE tinha que retomar esse debate, retomar essa discussão. Não deveria ter convocado reunião com a Câmara de Educação Básica, mas ter aberto uma audiência pública, chamar aos atores envolvidos, que é a sociedade como um todo, para debater essa questão de modo a subsidiar o Ministério da Educação e a própria União a definir o valor do custo/aluno.

Mas o que eles fizeram foi uma reunião fechada, sem ouvir sequer os atores envolvidos ou o principal ator envolvido, que nesta questão é Campanha [Nacional pelo Direito à Educação]. Isso é, no mínimo, dizer que o que se queria era dar qualquer resposta para o juiz em relação ao processo, e não fazer aquilo que foi demandado na questão do processo.

A argumentação de que o Conselho não tem competência para definir o custo-aluno pode ser considerada coerente?

O parecer da Maria Helena Guimarães tem um conjunto de equívocos em relação ao CAQi. Isso mostra que ela nunca leu os materiais disponíveis sobre o custo aluno/qualidade, que são públicos. Ela também não perguntou, não consultou alguém da Campanha para esclarecer as dúvidas que ela tivesse, antes de fazer o parecer. De qualquer forma, não era um assunto para a Câmara de Educação Básica definir em uma reunião convocada às pressas. Era precso um debate público, amplo e sério.

Eu discordo plenamente que o Conselho não tenha competência. Até porque era o Conselho que tinha o parecer sobre isso, então em determinado momento ele teve competência para fazer isso e num outro não tem? Eu discordo disso, mesmo que o governo diga que não é o Conselho, essa questão precisa ser resolvida.
Digamos que isso não seja competência do Conselho, então tem que ser competência de alguém dar essa resposta. E para qualquer resposta plausível sobre o valor custo/aluno é necessário chamar os atores envolvidos, inclusive colocar na mesa os insumos, o valor da implementação, se fazer um debate sério na hora de definir esse valor.

Com a Portaria 642, o CAQ e o CAQi deixam de ser considerados para o cálculo dos custos da educação básica? Mas, segundo o PNE, eles ainda são as referências a serem consideradas. Existe então uma contradição entre as medidas do MEC, CNE e a legislação?

Na verdade, uma portaria não pode ser maior que uma lei, como o PNE. O CAQi continua sendo o parâmetro de definição de custo aluno/qualidade ou de custo/qualidade da educação no país, a não ser que se revogue a lei do PNE. Então, ainda cabe muita luta, cabe muito questionamento judicial, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF)

Como uma possível revogação do parecer do CNE impacta as discussões sobre financiamento, justamente no ano em que se rediscute o Fundeb, que vence em 2020?

O novo Fundeb está em perigo, porque o parâmetro de discussão que a gente está utilizando é exatamente o CAQi, ou pelo menos os valores estabelecidos no CAQi. Porque o CAQi inverte a lógica de financiamento. Ele vai dizer: não é o tanto de dinheiro que define a qualidade, é a qualidade que tem que definir o quanto de investimento o país tem que fazer na educação. Então, para que o Fundeb fosse mais efetivo, garantisse uma educação que ele não está garantido nesse momento, para que a questão do financiamento da educação ficasse mais equitativa no país, teria que se fazer esse debate.

Além do vencimento do Fundeb, há a discussão no Congresso sobre a possível desvinculação de recursos, que impacta diretamente o financiamento de educação também...

Sim, quando você mata o CAQi com esse parecer no CNE, quando você coloca em xeque a equipe econômica, faz a desvinculação de recursos, tudo isso faz parte do efeito desse imbróglio. Vão fechando as portas possíveis, os caminhos que estão abertos para garantir educação para os brasileiros e brasileiras.

Assim, na verdade, você põe a educação a serviço da economia e não o inverso. Tem uma questão aí que é: as questões econômicas decidindo o que o Estado vai fazer, ou matando os direitos sociais fundamentais. É importante lembrar a Declaração dos Direitos do Homem em relação aos direitos sociais: toda a nossa Constituição vai dizer que a educação é direito social – e coloca como o primeiro deles.  E há uma razão de ser: numa constituição cidadã, a educação aparece como direito social e direito social fundamental, como direito humano fundamental.

Mas aí você tem um conjunto de projetos e articulações que negam a educação como direito. A própria Emenda Constitucional 95 [que congela os gastos públicos em 20 anos] e todas as ações posteriores são voltadas para não garantia dos direitos sociais, dentre eles, a negação do direito à educação, como inscrito na nossa Constituição. A própria Constituição está ameaçada, está sendo relegada.

Tem uma questão aí que é: as questões econômicas decidindo o que o Estado vai fazer, ou matando os direitos sociais fundamentais.

O PNE é resultado de um conjunto de forças não exatamente harmônicas dos movimentos de educação. Muitos eram contra o CAQi e o CAQ, que foi uma vitória encabeçada pela Campanha Nacional pela Educação. Como estão divididos os atores sociais nesse momento de desmonte?

A União Nacional dos Dirigentes Municipais pela Educação (Undime) foi uma aliada na nossa batalha a favor do CAQi. Mas o atual presidente da Undime, por exemplo, que é conselheiro, sequer foi para a reunião do Conselho que aprovou o famigerado parecer sobre o CAQi. Então não dá para dizer que a Undime, institucionalmente, estaria junto nessa defesa, embora você possa ter vários municípios que compõem a Undime, vários sistemas, com certeza, defendendo. O processo judicial de Mato Grosso se deu por ações judiciais impetradas por um conjunto de municípios, o que demonstra não só defesa que eles fazem do CAQi, mas a necessidade que esses municípios têm que a União coopera para que os sistemas garantam o direito à educação. Nessa articulação recente, nós tivemos apoio do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Mas não tivemos grande envolvimento de outras instituições e movimentos, não. Algumas fundações empresariais jogaram contra. 

Vale pensar que foi muito rápido: vazou a informação da reunião e passamos um fim de semana tentando nos articular, descobrir as informações para tentar intervir... A gente precisa entender também que esse debate, essa questão toda, não é algo do qual os movimentos tenham propriedade. Na hora que você tem espaço para debater, tem tempo para debater, você chama os movimentos, explica, envolve, convence.

Quais são as providências a partir de agora, em defesa do CAQi/CAQ?

A gente vai pesquisar, se organizar, para articular um movimento com um conjunto de entidades. Não vai ser fácil, porque nada é fácil nesse país. Vamos precisar pensar em outros mecanismos, pensar na melhor saída e como nós avançamos nesse movimento em prol do CAQi. Desistir, jamais.

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No período pré-eleitoral, a educação serviu de gatilho para Jair Bolsonaro tratar de temas-chave de sua campanha: kit gay, doutrinação política por parte dos professores e o Escola sem Partido estiveram entre as pautas do campo ideológico exploradas por ele e seus parceiros. No terceiro mês de mandato, o presidente volta a mirar o setor para propor uma megaoperação de investigação de indícios de corrupção e desvios no Ministério da Educação em suas autarquias e gestões anteriores. A “Lava Jato da Educação” surge em meio a um contexto que já é de grande desafio para a arquitetura de financiamento da educação pública do Brasil. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – responsável por custear, em 2018, cerca de 60% dos recursos destinados à educação básica – chega às vias da expiração, ao final de 2020, sem conseguir implantar uma distribuição equânime do aporte de dinheiro. Apesar de ser a maior arrecadadora de impostos, a União oferece aproximadamente 10% do custeio total da educação. Diante da recessão econômica, estados e municípios, que carregam o rojão, sobrevivem em grave crise na educação básica e fundamental. O financiamento público da Educação também já sofre as consequências da Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu um teto de gastos públicos, e se depara agora com a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desvincular receitas e despesas do Orçamento, o que representaria o fim da garantia do suporte de recursos advindos dos impostos arrecadados. “Se isso acontecer, é a tragédia da tragédia. Hoje, isso (a desvinculação) não altera muito a realidade, porque está tudo uma desgraça... Mas na hora que a economia começar a crescer, e uma hora ela vai crescer, todo esse ganho econômico deixa de ir para educação. Está aí uma questão-chave. É o fim do mundo do fim do mundo. A ideia é pagar a reforma da Previdência, que vai tirar o futuro da juventude e dos velhos de hoje, com o dinheiro da educação e da saúde... É um complô”, avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP), José Marcelino de Rezende Pinto. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, o especialista em financiamento da educação aponta as meias verdades criadas em período de reacertos institucionais, como a crença de que o Brasil não gasta pouco com educação, mas gasta mal. Marcelino também analisa os últimos anos de políticas públicas educacionais; explica como se dá hoje a divisão do bolo de fundos entre união, estados e municípios; desmistifica os rankings internacionais que colocam o país nos últimos lugares em desempenho (“Só serve para humilhar, não existe política pública que se faça em cima disso”); e indica a via mais importante para gerar qualidade e resultados na educação brasileira: “Há um consenso mundial do que o que faz diferença na educação é o professor. É preciso valorizá-lo. Não com flor nem maçã, mas com salário. É preciso mexer na remuneração dos profissionais, ao menos dobrar o salário inicial dos professores. Não adianta aumentar 10%, tem que fazer um choque de fato na produção”.
Desmentindo o discurso do governo, especialistas mostram que a PEC 241, que no Senado recebeu o número 55, retira recursos da saúde e da educação e aumenta o desvio de dinheiro público para os rentistas