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Entrevista: 
Tainá Valente

'O que vimos foi um combate aos manifestantes'

Foi para defender o direito a uma saúde e a uma educação públicas de qualidade que a estudante do 3º ano do curso de Gerência em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Tainá Valente, enfrentou 21 horas de viagem até Brasília no último dia 29. Lá, ela se juntou a dezenas de milhares de outros estudantes secundaristas, universitários, professores, servidores, militantes de movimentos sociais para protestar contra a PEC do teto dos gastos, que estava sendo aprovada em primeiro turno no Senado. Na visão da estudante, a PEC representa um grande retrocesso para toda população. No entanto, a voz de Tainá e dos cerca de 20 mil manifestantes que lá estavam foi abafada por uma repressão violenta por parte da polícia do Distrito Federal. Tainá faz parte da Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico (Fenet) e da organização União Juventude Rebelião (UJR). Nesta entrevista, ela conta o que viu em Brasília e por que os estudantes estão convictos da necessidade de continuar a luta contra a PEC
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 01/12/2016 15h46 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Por que você decidiu participar da mobilização em Brasília?

Esta é uma PEC que simplesmente congela os gastos para a saúde, para a educação e para toda a assistência social, que são as três grandes principais funções do governo brasileiro. Inclusive essa proposta deveria ser considerada inconstitucional porque o governo simplesmente está abrindo mão de uma obrigação dele. Significa uma perda de direitos dos brasileiros e a gente estava lá para lutar contra isso, só que teve uma grande repressão lá. E mesmo assim a gente vai estar em Brasília no dia 13 de dezembro de novo para um segundo ato, no dia do segundo turno da votação no Senado.

E como foi a participação dos estudantes no ato? Havia muita diversidade de movimentos?

Havia muitos estudantes. O que foi noticiado era que tinha 10 mil pessoas, mas claramente tinha mais, quem estava lá via que tinha muito mais. Assim que chegamos vimos que tinha movimentos do país inteiro. Só que quando a gente chegou lá, viu que a PM de Brasília é ainda pior do que a do Rio de Janeiro. Porque aqui a PM parece ter um sentido de controlar o ato, muito entre aspas, mas lá realmente o que vimos foi um combate aos manifestantes. A gente se organizou em frente à biblioteca do Congresso e foi andando em direção ao Senado e quando chegamos lá  eles começaram a tacar muitas bombas, muitas bombas mesmo. Eram cinco bombas de uma vez só e eles realmente cercaram a gente, e colocaram helicóptero para vir junto, e nisso que vinham tacando bomba e vinha a cavalaria junto, o helicóptero sobrevoava e tacava cinco bombas de uma vez só no meio da gente. No movimento de que eu faço parte, temos clareza de que não vamos aceitar isso. Não adianta quererem expulsar a gente do Congresso, a gente vai resistir e vai continuar aqui. Quando a gente viu que não dava mais para ficar na rua, fomos para o MEC e decidimos que iríamos manter o ato. Nós não viajamos do Rio para Brasília, durante 21 horas, para simplesmente chegarmos a Brasília e correr. Não vamos conseguir mudar se simplesmente só corrermos toda vez que houver repressão.

Então, diante dessa repressão, vocês ocuparam o MEC?

Sim, um grupo de estudantes foi para o MEC. A concentração começou era quatro horas (16h), dez e meia da noite ainda estavam tacando bomba na gente, do helicóptero inclusive.  E aí quando a gente viu que estava realmente pegando fogo, a gente saiu do MEC e foi direto para o viaduto, e tinha bomba até lá, que é realmente muito distante, e depois a gente conseguiu se encontrar com a galera que foi com a gente, mas foi realmente muito difícil.  E nós estávamos em um lado que estava relativamente mais tranquilo, do outro lado tinha ainda mais tiro.

A imprensa mostrou vidros quebrados, carros virados e incendiados e isso acabou tendo mais uma vez centralidade no noticiário. Você viu essas cenas acontecerem?

Eu vi os atos de depredação do MEC e a pichação da biblioteca. Eu achei errado tacarem fogo em carros privados. Mas eu só vi isso acontecendo com um carro. A gente sabe que a polícia é venenosa com a gente, principalmente para que isso apareça na mídia. Eu acredito que houve infiltrados, nós vimos pessoas que estavam soltas, mascaradas, que não estavam junto com nenhum grupo. Houve muita desconfiança em relação a algumas pessoas.

Você viu pessoas feridas, sendo agredidas?

Um companheiro do movimento que eu faço parte foi preso e torturado. E eu vi muitas pessoas passando mal, feridas. E eu vi como a PM era tão covarde e de um nível tão baixo. Aqueles que estavam organizando o ato estavam em um carro de som mais à esquerda e, como era muita repressão, eles estavam chamando muitas ambulâncias e as ambulâncias estavam se organizando ao lado do carro de som. A polícia estava tacando bomba no carro de som e nas ambulâncias. Eu vi muitos estudantes passando realmente muito mal. Foi realmente bem pesado.

Qual a situação desse estudante que você disse que foi preso?

Ele é aqui do Rio, do DCE Mário Prata da UFRJ [Wallace Lima]. Ele foi detido, levado para a viatura e para a delegacia, mas depois disso conseguiram liberá-lo. Inclusive tem fotos dele com os pulsos machucados por conta das algemas apertadas, as costas com muitas marcas roxas e vermelhas, ele apanhou muito e também sofreu tortura psicológica.

É o primeiro ato que você participa em Brasília? Pretende voltar?

Sim. Eu pretendo voltar no ato do dia 13 porque precisamos demonstrar ainda mais força para lutar contra essa PEC, que chamamos de PEC do fim do mundo, e que é um golpe principalmente para a classe mais baixa, que no Brasil mais depende dos serviços públicos, mais depende do SUS. Eles têm que nos ouvir, se não nos ouvir empor bem, vão ter que ouvir por mal.

Você acredita que a população já despertou para os prejuízos que a PEC vai trazer?

As pessoas que estavam no ato estavam muito unidas e havia uma galera muito grande, mas acho que o ato deveria ser maior. Porque uma das grandes táticas da direita é não meter a mão para bater na gente, eles fazem com que a gente faça isso conosco mesmo. A polícia sofre tanto quanto a gente, só que eles são realmente mandados, e eles fazem com que vejamos a polícia como inimigos, só que eles também sofrem e vão sofrer os prejuízos dessa PEC. Eles são trabalhadores. Então, ainda é preciso haver muita consciência, mas o ato realmente estava muito bonito e a resistência que teve em relação à opressão da polícia mostrou que estávamos fortes lá. Os estudantes se fizeram presente em peso. A maioria da manifestação era de estudantes.

Você gostaria de acrescentar algo mais?

Só queria mesmo chamar todo mundo para o ato, porque a PEC interfere na vida de todos os brasileiros. Essa é uma causa de todos nós.