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Câmara ignora resoluções da Conae e sinaliza perigos para o PNE

Retorno das 2.400 horas não contempla Ensino Profissional e Técnico, alvo maior de ação privatista. Substitutivo do deputado federal Mendonça Filho antecipa dificuldades na tramitação do próximo Plano Nacional de Educação
Paulo Schueler - EPSJV/Fiocruz | 03/04/2024 11h29 - Atualizado em 12/04/2024 12h12

A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 20 de março de 2024, o Projeto de Lei 5.230/23, que redefine a Política Nacional de Ensino Médio no Brasil. Do texto enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional em 24 de outubro de 2023, os principais pontos aprovados pelos deputados federais foram a manutenção da proposta de retomada das 2.400 horas, embora apenas para o Ensino Médio propedêutico, e a retirada da sugerida obrigatoriedade do ensino de Língua Espanhola. As resoluções da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em janeiro de 2024, sobre o tema não foram consideradas no projeto, sugerindo dificuldades para a construção de um novo Plano Nacional de Educação (PNE) 2024-2034 que promova uma educação pública com financiamento adequado.

O Portal EPSJV e a revista Poli acompanham o tema desde que o atual Ensino Médio, aprovado em reforma do governo Temer, foi imposto à sociedade. Quase uma década depois, o PL 5.230/23 apresentado pela atual gestão do Ministério da Educação (MEC) configurava uma tentativa de busca pelo consenso desde o início de sua tramitação, mesmo que entre interesses inconciliáveis. Como temos reportado ao longo desse tempo, após sua implementação ter encontrado resistência de professores e alunos, o Novo Ensino Médio foi alvo de pedido de revogação na Conferência Nacional de Educação (Conae), em janeiro de 2024. A indicação do deputado federal Mendonça Filho (União-PE), ex-ministro da Educação do governo Temer e responsável pela reforma do Ensino Médio, como relator da matéria na Câmara dos Deputados, já indicava que, na balança dos interesses conflituosos, qualquer avanço significativo rumo à uma educação pública com mais qualidade estava sob risco. O texto substitutivo aprovado na Câmara sugere o mesmo.

Para o coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE), Heleno Araujo, a aprovação do texto substitutivo traz preocupação sobre como ocorrerão os debates legislativos acerca do próximo Plano Nacional de Educação, bem como o andamento da proposta de criação de um Sistema Nacional de Ensino, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS).

“A composição do Congresso Nacional é muito complicada para a educação pública em nosso país e os interesses lá dentro são terríveis. Não há nenhum interesse comum em garantir as demandas da população brasileira. Eu defendo que, mesmo assim, precisamos fazer o enfrentamento e envolver a população para que ela entenda que planejar a educação é fundamental. Não há interesse em aprovar a lei do Sistema Nacional da Educação. É bom lembrar que a indicação para essa lei vem desde 1988, quando a Constituição deu um prazo de um ano para que se organizasse a Lei do Sistema Nacional da Educação”, lembra.

De acordo com ele, sua aprovação poderá ajudar muito ao definir as atribuições dos entes federados, as responsabilidades dos municípios, estados e a União. “Mas parece não existir interesse das partes, nem dos poderes executivos, nem do poder legislativo, de instituir essa legislação”, critica Araujo.

O que foi aprovado pela Câmara dos Deputados

Do plenário da Câmara, o ministro da Educação, Camilo Santana, acompanhou a votação e declarou satisfação pelo texto aprovado garantir “a formação geral básica boa” e “o ensino técnico profissionalizante, que é o que queremos avançar no Brasil".

O texto aprovado prevê a formulação das novas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para o aprofundamento das áreas de conhecimento, até o fim de 2024; e a aplicação de todas as regras pelas escolas a partir de janeiro de 2025. A ideia é garantir a regulamentação dos itinerários através de diretrizes curriculares nacionais, impedindo a ausência de unidade curricular nacional, com a consequente oferta de conteúdos desconexos da formação escolar. Restariam, portanto, oito meses para a tramitação no Legislativo, a sanção presidencial e a aplicação das novas regras. Aos alunos que estiverem cursando o Ensino Médio na data de publicação da futura lei, haverá período de transição para as novas regras.

O professor da Faculdade de Educação da USP e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), Fernando Cássio, vê perigos em deixar o conteúdo para posterior decisão, via BNCC. “A Base é uma política curricular que pode ser reformada a qualquer momento, não precisa de mudança na lei para que isso ocorra. A BNCC formalmente é uma resolução do Conselho Nacional de Educação. Então, a princípio, você vincula questões e obrigações curriculares legais que estão na LDB a uma política curricular que não tem esse valor de lei infraconstitucional. Não se trata de gostar ou não da BNCC, trata-se de reconhecer que a LDB tem mais força e mais importância. Não se pode criar brechas para seu descumprimento a partir de reformas curriculares como uma eventual reforma da BNCC”, afirma ele.

O texto aprovado retira da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a obrigatoriedade de ensino de Língua Portuguesa e de Matemática nos três anos do Ensino Médio e exclui a proposta inicial do MEC de instituir a Língua Espanhola como disciplina obrigatória. Agora, a previsão é de que a mesma poderá ser ofertada como outro idioma estrangeiro preferencial no currículo, a depender da disponibilidade dos sistemas de ensino.

Além disso, as demais disciplinas que o projeto original pretendia garantir na formação geral básica - História, Geografia, Química, Física, Biologia e Inglês, ao lado do próprio Espanhol -serão, a partir do substitutivo de Mendonça Filho, integradas dentro da BNCC em quatro itinerários formativos: Linguagens e suas tecnologias (Língua Portuguesa e suas literaturas, Língua Inglesa, Artes e Educação Física); Matemática e suas tecnologias; Ciências da natureza e suas tecnologias (Biologia, Física e Química); e Ciências humanas e sociais aplicadas (Filosofia, Geografia, História e Sociologia).

Todas as escolas de Ensino Médio precisarão ofertar o aprofundamento integral de todas as áreas de conhecimento, exceto o ensino profissional, organizadas com, no mínimo, dois itinerários formativos de áreas diferentes. O currículo será composto pela formação geral básica e os itinerários formativos. Além dos quatro já citados, que compõem a modalidade de Ensino Médio propedêutico, um quinto itinerário é ofertado aos alunos do Ensino Profissional e Técnico: Formação técnica e profissional, organizada de acordo com os eixos tecnológicos e as áreas tecnológicas definidos nos termos previstos nas diretrizes curriculares nacionais de educação profissional e tecnológica, observados o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNTC).

De acordo com o texto, o Ensino Médio poderá ser ofertado com a “mediação por tecnologia”, através de regulamento a ser elaborado com a participação dos sistemas estaduais e distrital (Distrito Federal) de ensino.

Benefícios aos alunos da Educação do Campo

A montagem desses itinerários dependerá das diretrizes nacionais que serão fixadas pelo MEC, com a participação dos sistemas estaduais de ensino, reconhecendo as especificidades da educação para quilombolas e indígenas. A estes últimos, aliás, o Ensino Médio poderá ser ministrado nas suas línguas maternas, e não obrigatoriamente em Língua Portuguesa. Por sua vez, aos alunos de escolas comunitárias que atuam na Educação do Campo serão garantidos benefícios como participação na cota de 50% de vagas em instituições federais de educação superior, bolsa integral no ProUni para cursar o ensino superior no ensino privado e inclusão no programa Pé-de-Meia.

Trabalho na contabilização do ‘Tempo Integral’

De acordo com o aprovado na Câmara dos Deputados, para cumprir as exigências curriculares do Ensino Médio em regime de tempo integral, os sistemas de ensino estão liberados para reconhecer formalmente “aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares”, incluindo: experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado, desde que explicitada a relação com o currículo do Ensino Médio; conclusão de cursos de qualificação profissional, desde que comprovada por certificação emitida de acordo com a legislação; e participação comprovada em projetos de extensão universitária ou de iniciação científica ou em atividades de direção em grêmios estudantis.

Ao mesmo tempo em que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados sugere um processo de inclusão social ao afirmar que “no planejamento da expansão das matrículas no Ensino Médio em tempo integral, deverão ser observados critérios de equidade de modo a assegurar a inclusão dos estudantes em condição de vulnerabilidade social, da população negra, quilombola, do campo e indígena e das pessoas com deficiência”, ele abre a possibilidade – como demonstrado acima – que trabalho remunerado, ou mesmo voluntário, possa ter sua carga horária contabilizada para o Ensino em Tempo Integral, o que poderá descaracterizar indicadores futuros desta oferta de ensino, maquiando tempo de trabalho como sendo de educação.

A Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas, articulação que congrega movimentos sociais como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dentre outros, divulgou a nota Não podemos colocar em risco nossos adolescentes: pela alteração de dispositivos sobre trabalho infantil no PL sobre o novo Ensino Médio no Senado Federal. A Agenda alerta que as leis 10.097/2000, chamada de “Lei de Aprendizagem”; 11.788/2008, “Lei do Estágio”; e 8.069/1990, o “Estatuto da Criança e do Adolescente”, regulam as relações de aprendizagem, estágio e trabalho de menores de 18 anos e avalia que “o PL 5.230/2023 subverte o sentido de Aprendizagem na forma da Lei, ao reconhecer as práticas obtidas no ‘trabalho’ por pessoas menores de 16 anos, inclusive de forma voluntária, o que coloca ainda mais riscos de violações de direitos. Ainda, a nova lei incorre em risco de indução e legitimação do trabalho infantil, que se refere ao trabalho realizado por menores de 14 anos, isto porque existem estudantes que chegam ao Ensino Médio com esta idade ou idade inferior”.

Projeto avança na privatização do Ensino Técnico e Profissional

Os conteúdos mais preocupantes do texto substitutivo de Mendonça Filho destinam-se ao Ensino Técnico e Profissional. A Câmara dos Deputados manteve a permissão para contratar profissionais de “notório saber” reconhecido pelos sistemas de ensino para ministrar conteúdos na Educação Profissional Técnica de Nível Médio, mesmo que sua experiência profissional e/ou acadêmica tenha transcorrido apenas em corporações privadas.

De acordo com Heleno Araujo, a reforma de 2017 colocou no artigo 61 da LDB, em seu inciso 4º, a figura do notório saber “que não tem nenhuma formação na área da educação”. “Nós lutamos para caracterizar quem são os profissionais da educação em nosso país. E nós só conquistamos isso em 2009. Você agregar a figura de notório saber e considerar essa pessoa que não tem nenhuma formação adequada como profissional da educação está errado. Quem tem outra profissão não pode ser caracterizado como profissional da educação. O prejuízo é que se desestimula o processo da formação, que já está prejudicado. O índice de formação à distância para professores é absurdo em nosso país. Então, trata-se de um ataque à profissão. As redes ainda pagam a essas pessoas valores maiores que os salários dos professores. Isso cria um clima terrível no espaço escolar. E muitos utilizam para fazer desse o seu segundo emprego, o seu ‘bico’, sem construir, de fato, um compromisso com a comunidade escolar e com os estudantes”, defende.

Por sua vez, Fernando Cassio avalia que a manutenção da contratação por “notório saber” não foi enfrentada no próprio projeto de lei do MEC. “O notório saber é uma excrescência. Seu objetivo é fragilizar a formação de professores. E, claro, reduzir o custo da educação. Tudo tem a ver com isso. Se você não precisa contratar um professor formado, precisa investir menos em programas de formação continuada, na alocação de professores com formação específica adequada para as disciplinas que ministram, você acaba com a disciplina. Então você desmonta a educação”, critica.

Além disso, o texto aprovado retira a possibilidade de controle social sobre a oferta de Ensino Técnico e Profissional ao retirar a necessidade de que os conselhos estaduais de Educação aprovem previamente a oferta dos cursos, para posterior homologação da Secretaria de Educação de cada unidade da federação. A partir do novo texto, a oferta desses cursos passará a ser legalizada através de uma cooperação técnica assinada entre as secretarias estaduais de Educação e uma instituição de educação profissional já credenciada, inclusive as de caráter privado e também as de Ensino à Distância.

Segundo Heleno, nesse cenário é preciso lembrar que o Congresso Nacional já aprovou, após o Fundeb, a garantia de recursos públicos para o chamado “Sistema S”. “Se o Sistema S quer fazer educação profissional, que faça com seus lucros, pegue seu dinheiro e invista na educação. É um direito deles, a Constituição Federal garante esse direito. O que não pode é eles pegarem dinheiro público para oferecer a educação profissional da forma que eles conceituam. Matrículas do Sistema S não deveriam receber recursos do Fundeb, que é dinheiro público. Isso é uma forma de privatizar. Outras instituições privadas, que oferecem cursos profissionais integrados, também atuam na perspectiva de receber recursos públicos, como através do programa Pronatec. Não concordamos com isso, entendemos que o direito à Educação Básica é dever do Estado e que recursos públicos precisam ser destinados para escolas públicas. Fora disso, para nós, é privatização do dinheiro público”, afirma.

A questão das 2.400 horas

Ao mesmo tempo, a diferença da Educação Profissional e Técnica para o ensino propedêutico não se resume ao itinerário informativo. Distanciando as duas modalidades, para o Ensino Técnico e Profissional não são garantidas nem mesmo as 2.400 horas de formação geral básica. Nessa modalidade, ela será de apenas 1.800 horas, com possibilidade de 300 horas adicionais de disciplinas da BNCC relacionadas à formação técnica oferecida. No máximo, pode-se alcançar 2.100 horas.

Para Heleno Araújo, “do projeto que o governo federal enviou, garantimos apenas as 2.040 horas para a formação geral básica”. De acordo com ele, o relator trabalhou para resgatar a dualidade na formação dos estudantes. “Quem quiser fazer a formação geral faz as 2.400, e para quem quiser fazer a Educação Profissional esse valor cai para 1.800 horas na formação geral básica, o que prejudica os jovens mais pobres do nosso país que ficam limitados a fazer formação profissional e gerar mão-de-obra para obter emprego rápido no setor privado, o que retira a possibilidade dessa juventude de continuar os seus estudos na Educação Superior”.

Fernando Cássio avalia que a reconquista das 2.400 horas é relevante porque foi amplamente demandada por profissionais de educação e estudantes, embora avalie como uma “vitória parcial” já que a proposta não será incorporada a EPT. “Os estudantes não querem fazer Ensino Técnico com carga horária reduzida de disciplinas básicas. Eles não queriam isso antes e não vão querer isso no futuro”, ressalva.

Posição do Consed é ruim, dizem especialistas

Na manhã seguinte à aprovação do texto substitutivo pela Câmara dos Deputados, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) divulgou Nota à Imprensa afirmando que “a Câmara dos Deputados aprovou... importantes alterações na reforma do Ensino Médio, dando um passo significativo em direção à atualização e adaptação das alternativas educacionais às demandas atuais. O Consed celebra os avanços conquistados nesse processo, ressaltando a colaboração e o diálogo construtivo entre o Legislativo, os gestores estaduais e o Ministério da Educação”.

O comunicado do Conselho reforça discursos prontos, sem apresentar dados concretos. É o caso, dentre outros, da defesa de não obrigatoriedade de oferta da Língua Espanhola. O Consed afirma que “a flexibilidade garantida aos estados para decidir sobre a implementação desse componente curricular é um passo significativo, permitindo que as escolhas educacionais sejam alinhadas às necessidades locais e à disponibilidade de recursos”. O Portal EPSJV enviou perguntas sobre esse item específico para a Assessoria de Comunicação do Conselho, mas, até o momento de conclusão desta matéria, o Consed não enviou respostas.

Na mesma nota, o Consed afirma que o texto alterado pela Câmara dos Deputados dá “um passo significativo em direção à atualização e adaptação das alternativas educacionais às demandas atuais” e que “"a manutenção da possibilidade de oferta flexível do ensino médio, incluindo a modalidade mediada por tecnologia, é um avanço crucial para atender às necessidades específicas de diferentes contextos territoriais”. Sobre estes pontos, o Conselho também não respondeu aos questionamentos do Portal da EPSJV.

O coordenador do FNE teme como se organizará o processo de aprovação e regulamentação da oferta do ensino remoto. “O próprio Mendonça Filho encheu o Conselho Nacional de Educação de privatistas que ganham muito dinheiro com a educação à distância. E com essas pessoas aprovou a Base Nacional Comum Curricular e também a própria Lei do Ensino Médio, que traz um percentual elevado de aulas remostas para os estudantes. Então, esse argumento [oferta para regiões remotas] é antigo nesse setor privatista, eles colocam na lei e começam a burlar a lei porque se aproveitam da incapacidade do Estado de fazer a regulação, de fazer o controle de fato, de observar se todas as características colocadas na LDB como necessárias para a modalidade de educação à distância são realmente cumpridas. Então, com essa dificuldade de fiscalizar, regular e controlar, eles passam a oferecer cursos em todos os espaços, ganhando muito dinheiro, prejudicando a formação dos estudantes e aumentando também a sua capacidade de influenciar na formação dos profissionais de educação”, critica Araujo.

Segundo Fernando Cassio, a utilização do conceito “ensino mediado por tecnologias” é um eufemismo que não resolve os problemas concretos enfrentados pelos alunos. “Em vez de chamarem de ensino a distância ou ensino remoto, que são nomenclaturas que caíram em certo descrédito, dado que produziam graves desigualdades, agora criaram esse eufemismo, que é ‘ensino mediado por tecnologias’. Obviamente, há o uso desse argumento de que regiões remotas necessitam, quando, na verdade, o que elas precisam é de escola. Tem que haver uma escola”, defende e completa: “Na Educação Básica as pessoas têm que ter escola, não importa onde. Eles têm que ter transporte escolar. Se pensarmos em uma escola ribeirinha que fica longe da casa dos alunos, que ela tenha um regime de funcionamento diferenciado. Não podemos aceitar esse argumento. É um município remoto? Tem que ter escola. É para atender apenas cinco alunos? Tem que haver uma escola para atender cinco alunos em uma região remota. Isso faz parte da consagração do direito à educação e não podemos abrir mão disso. Não podemos usar subterfúgios e eufemismos. Esta argumentação da excepcionalidade da região remota é mais uma desculpa para não se oferecer o ensino presencial do que para garantir o direito à educação”.

Conif se coloca à disposição para colaborar

A rede federal de ensino representada pelo Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) - 38 Institutos Federais, dois Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) e o Colégio Pedro II – cobra bases mais sólidas para a Educação Profissional e Tecnológica (EPT).

Em junho de 2023, a entidade divulgou sua Proposta do Conif para condução do processo de reforma do Ensino Médio iniciado em 2013. De acordo com o vice-presidente de Relações Parlamentares do órgão e reitor do Instituto Federal de Alagoas, Carlos Guedes, o documento consolida “os eixos centrais das limitações e dos impasses decorrentes dessa reforma”.

Guedes avalia que, no texto substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados, a carga horária não atende completamente às necessidades de crescimento da Educação Profissional e Tecnológica, mesmo reconhecendo que a proposta traz um avanço diante do que foi promulgado no governo Temer, e enfatizando que, no caso da rede federal, deverá ter pouco impacto, pois a oferta está consolidada e possui carga horária acima do previsto no texto em tramitação.

Questionado especificamente se o texto que segue para o Senado Federal torna o Ensino Técnico e Profissional oferecido pela rede estadual mais próximo, em termos de qualidade, daquele ofertado pela rede federal ou dos FIC (Formação Inicial e Continuada ou Qualificação Profissional), o vice-presidente do Conif avalia ser necessário construir bases mais sólidas sobre a EPT, sobretudo, na carga horária necessária. “É preciso garantir infraestrutura e quadro de servidores para as instituições estaduais ofertarem o ensino médio. As instituições da rede federal estão prontas para contribuir e auxiliar a rede estadual com o novo Ensino Médio, mediante a expertise que foi acumulada, sobretudo nos últimos 15 anos”, afirma.

Movimentos e representações de trabalhadores criticam

A disposição da rede federal em colaborar, entretanto, porém, não tem como garantir a oferta de Ensino Médio de qualidade nas redes estaduais, responsáveis por 83,6% dos alunos e 67,8% das escolas neste segmento.

No dia anterior à aprovação, pela Câmara dos Deputados, do texto substitutivo, o Coletivo em Defesa da Ensino Médio de Qualidade - que congrega representantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Observatório do Ensino Médio, e acadêmicos de universidades e Institutos Federais – divulgou a nota Para além das 2.400 horas. Segundo os signatários, "mesmo reconhecendo a importância de ações recentes por parte do governo federal, como o programa 'Pé-de-Meia' e a criação de 100 novos Institutos Federais, é preciso colocar as coisas nos seus devidos lugares: tais iniciativas, em meio aos limites e equívocos do Novo Ensino Médio – alguns dos quais mantidos no PL n. 5.230/2023 e aprofundados no substitutivo de Mendonça Filho –, pouco incidirão na redução das desigualdades e na garantia da oferta de um ensino médio de qualidade para os estudantes das escolas públicas no Brasil. Nesse caso, o ônus da legitimação de um modelo de ensino médio desqualificado e excludente recairá sobre o mandato do Presidente Lula”.

Após a aprovação do texto, o Coletivo voltou a se pronunciar com o posicionamento público 'Novo' Novo Ensino Médio, velha dualidade no qual afirma que a Câmara dos Deputados "recupera a velha dualidade" do período Getúlio Vargas – Gustavo Capanema entre cursos "clássicos e científicos", que deveriam ser destinados "à formação das elites condutoras do país"; e o ensino técnico e profissional, que seria oferecido "aos demais".

A crítica é corroborada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que divulgou nota intitulada Votação do Ensino Médio na Câmara dos Deputados: Formação propedêutica avança, mas ensino técnico continua sob ataque privatista. De acordo com a entidade, "questão-chave continuam sendo as parcerias público-privadas para a oferta da EPT e do itinerário técnico. O substitutivo manteve essa condição (§ 6º do art. 36), embora aponte para a oferta preferencialmente pública. Trata-se de tema também regulado pelo art. 7º, § 3º, II da Lei 14.113 (FUNDEB), que admite o cômputo de uma segunda matrícula aos estudantes de escolas públicas atendidos concomitantemente por instituições de educação profissional técnica de nível médio dos serviços sociais autônomos (Sistema S)."

Por sua vez, o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) se pronunciou através da nota Novo (Novo) Ensino Médio: a história se repete, a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Ao manifestar "posicionamento contrário ao grande acordo ocorrido para a votação do PL nº 5230/2023", a instituição avalia que a votação "foi a legitimação da Contrarreforma implementada pelo governo golpista de Michel Temer, que tinha como Ministro da Educação, o relator da farsa, que sucede a tragédia representada pelo Novo Ensino Médio para os filhos e filhas da classe trabalhadora brasileira."