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Carga horária dos médicos é flexibilizada na Saúde da Família

Nova portaria levanta discussão sobre como atrair e valorizar os profissionais da saúde pública
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 05/09/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A Emenda Constitucional 51 determinou que os agentes comunitários de saúde devem ser selecionados por um processo seletivo diferente do concurso público porque permite exigir que esses profissionais residam nas áreas onde as equipes de saúde da família das quais farão parte atuam. A assessora da Confederação  Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (Conacs), Elane Alves, comenta que de 2006 para cá avançou muito o cumprimento da legislação. Entre as regiões do país, ela destaca o Nordeste como a mais avançada. Já as regiões norte e sul ainda estão, segundo a Conacs, bem atrasadas. A Confederação denuncia também que muitos agentes ainda são contratados de forma precarizada, com terceirizações, contratos passando por Oscips e ONGs, em um claro descumprimento da emenda 51, que determina também a contratação direta pelo ente empregador - município, estado ou governo federal. De acordo com a Confederação, o estado de Goiás é um exemplo positivo nesse sentido, onde em 100% dos municípios os agentes são contratados na forma como exige a legislação. Outros estados com bons indicadores são também a Bahia, Ceará e Pernambuco. No topo dos piores estão Rio de Janeiro e São Paulo.

A Conacs acredita que o Ministério da Saúde (MS) deveria atuar para que os municípios cumpram o que determina a emenda constitucional 51, o que teria consequências diretas na boa qualidade do atendimento da ESF. Segundo Elane, ainda neste mês e por sugestão do próprio ministro da saúde, Alexandre Padilha, será reinstalado o Comitê de desprecarização do SUS, uma iniciativa para discutir como resolver esses e outros problemas de categorias que atuam no Sistema Único de Saúde.  "A Conacs vai fazer parte, e uma das pautas é justamente encontrar mecanismos via Ministério da Saúde para cobrar dos estados e municípios que ainda não cumpriram a Emenda 51", destaca.

Essa não é a única cobrança que a Conacs faz ao Ministério da Saúde. Outra é o envio urgente de um projeto de lei ao congresso que estabeleça o piso nacional e o plano de carreira dos agentes de saúde. A Câmara dos Deputados formou uma comissão especial para discutir a questão. Elane explica que há 18 projetos de lei sobre o assunto tramitando no Congresso, entretanto, como as propostas geram gastos para o governo federal, para que a decisão não seja questionada posteriormente como inconstitucional é necessário que um projeto de lei parta do Executivo. A Conacs planeja para os primeiros dias de outubro uma vigília em Brasília para pressionar o governo federal a enviar a proposta. "A ideia dessa vigília nacional é amadurecer essa proposta com pressão, com reivindicação, com o que for necessário. Queremos trabalhar para que o governo, depois de mais dois anos de diálogo, realmente encaminhe o projeto e consigamos concluir os trabalhos", diz Elane.

A diretora do Dgerts, Denise Motta, afirma que o Ministério da Saúde está debatendo a proposta da Conacs de que o piso salarial da categoria atinja até 2015 dois salários mínimos, por meio do comitê de desprecarização, que está ligado à Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS.  "Este grupo está elaborando estudos sobre o impacto da proposta de piso salarial reivindicado pela categoria. Além disso, foi pactuada a realização de uma pesquisa detalhada sobre o perfil profissional dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, que está sendo elaborada pelo MS. Este estudo deverá identificar, em nível nacional, as condições de trabalho dos agentes", diz.

 

Demandas dos técnicos de enfermagem

O Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de Pernambuco (Satenpe) afirma que a portaria 2.027, que cria carga horária diferenciada para os médicos na Estratégia de Saúde da Família, é discriminatória, por desconsiderar demandas dos outros profissionais. O secretário geral do sindicato, Ademir Luiz, critica o Ministério da Saúde por não dar um parecer favorável à reivindicação da categoria da enfermagem de uma redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, como defende o PL 2.295/2000. "O MS diz que isso representa prejuízo para a saúde da família e para o serviço móvel de urgência. Mas a redução da jornada de trabalho não teria impacto nesses serviços. Poderia inclusive ser mantida a carga horária de 40 horas especialmente na Saúde da Família, até porque existe um incentivo chamado gratificação de PSF que poderia complementar o salário de acordo com a carga horária. Ou então, poderia-se também contratar mais técnicos de enfermagem ao invés de manter apenas um em cada equipe de Saúde da Família", diz.

De acordo com Denise Motta Dau, o MS está discutindo a possibilidade da carga horária de 30 horas para os profissionais da enfermagem. Ela afirma que foi constituído um grupo de trabalho pela SGTES com representantes do setor privado, do Ministério da Saúde e dos trabalhadores, por meio de suas entidades representativas, para estudo dos impactos da redução da jornada para os serviços.

Para Ademir, há um mau dimensionamento de profissionais dentro da ESF. "O ideal, de acordo com os conselhos de enfermagem, seria a existência de dois auxiliares para cada equipe de saúde da família", propõe. Ele acredita que houve uma queda de dedicação dos profissionais ao programa pelas dificuldades de remuneração e pelo excesso de trabalho sem uma compensação. "Há também um excesso de famílias por equipe: em todas as regiões a grande maioria das equipes está com números superiores ao ideal. Há equipes trabalhando com sete mil pessoas. Isso também afasta o profissional e faz com que a qualidade do atendimento que ele irá prestar caia", acrescenta.

De acordo com o Ministério da Saúde, uma equipe de saúde da família deve atender a no máximo quatro mil habitantes, sendo que a média recomendada é de três mil habitantes por equipe. O MS não respondeu, entretanto, se essas diretrizes são cumpridas hoje e qual é nacionalmente a população que em média uma equipe de Saúde da Família atende.

Segundo o Sindicato, outro grande problema dos técnicos e auxiliares de enfermagem são os baixos salários. O Satenpe afirma que no interior de Pernambuco, por exemplo, há profissionais recebendo menos de um salário mínimo. E que em apenas uma cidade do estado, Águas Claras, os trabalhadores conquistaram um bom piso salarial, no valor de mil reais. Ademir afirma que a realidade nacional salarial dos técnicos e auxiliares de enfermagem varia entre ganhar menos de um salário mínimo e um salário mínimo. Ele conta que também há um projeto de lei que estabelece o piso salarial da enfermagem tramitando no congresso. "Acreditamos que dificilmente esse PL será aprovado por causa do lobby e força desses hospitais junto aos parlamentares. São esses hospitais que muitas vezes patrocinam os cidadãos que fazem essas leis", lamenta.

A assessora da Conacs também alerta sobre as dificuldades enfrentadas pelos agentes de saúde que têm contribuído para o desgaste desses profissionais e de seu trabalho junto às comunidades onde atuam. "Os agentes nasceram praticamente junto com o SUS, em 1991, mas nunca tiveram a oportunidade de crescer. O salário deles não evoluiu, evoluíram as necessidades, as obrigações, a relevância para o sistema, mas a compensação não. Por causa disso, muitas pessoas deixaram de ser agentes e aqueles que se mantêm estão tendo que dividir o seu tempo para complementar financeiramente a sua renda", relata.  Para Elane, a implantação de um piso salarial que garanta isonomia aos profissionais é uma questão também de valorização da saúde preventiva.  "O mínimo necessário para garantir dignidade para os agentes seriam os dois salários mínimos, que reivindicamos. Isso daria um novo gás, retomaria aquele comprometimento que os agentes não deixaram de ter, mas que passaram a ter com menos intensidade pelas condições que estão sendo impostas a eles. A valorização desses profissionais é importante para que a saúde preventiva volte ao seu trilho de resgatar no Sistema Único de Saúde o investimento na saúde e não na doença", sustenta.

A diretora do Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Degerts/SGTES) do Ministério da Saúde, Denise Motta Dau, aposta na regulamentação da convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo presidente Lula na gestão anterior, como um instrumento na melhoria do diálogo entre os trabalhadores e a gestão do SUS.  "O Ministério do Planejamento está, hoje, coordenando o processo de elaboração da proposta de regulamentação da convenção, que representa um grande avanço nas relações de trabalho para o setor público e para o SUS. Acreditamos na negociação coletiva como uma metodologia de gestão não só para a melhoria das condições de trabalho, mas porque o trabalhador conhece a realidade do serviço e pode contribuir para a melhoria da gestão. Os espaços de diálogo são fundamentais para estabelecer propostas que atendam às necessidades dos gestores, dos trabalhadores e dos usuários", acredita.