Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Cenário de incertezas afeta destinação de recursos do pré-sal para educação e saúde

Aprovação no Senado de lei que revoga obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do pré-sal lança dúvidas sobre o potencial de ampliação do financiamento das áreas sociais.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 04/03/2016 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Movimentos sociais da educação e da saúde comemoraram quando a presidente Dilma Rousseff sancionou, no dia 9 de setembro de 2013, a lei 12.858. Ela estabeleceu a distribuição dos recursos oriundos da exploração da camada do pré-sal para as áreas de educação e saúde, vinculando as receitas de 75% dos royalties obtidos pela União, estados e municípios com a exploração da atividade para a educação e 25% para a saúde. Além disso, estipulou que 50% dos recursos recebidos pelo chamado Fundo Social do Pré-Sal – criado pela lei 12.351 em 2010 com o objetivo de constituir uma fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional – deveriam ser destinados para a educação e a saúde. Segundo projeção elaborada na época pelo consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Paulo César Ribeiro, o aporte adicional de recursos para as duas áreas poderia chegar a R$ 179 bilhões até 2022. Recursos importantes para duas áreas que reivindicam historicamente mais recursos do Estado brasileiro.

Dois anos e meio depois, no entanto, há poucos motivos para comemorar. Entre a crise da Petrobras, no centro das investigações da Operação Lava-Jato, e a queda dos preços do barril de petróleo no mercado internacional, a estimativa de aumento na produção de petróleo até 2020 caiu de 4,2 milhões de barris, no auge da euforia com o pré-sal, para 2,7 milhões. Desde a eclosão da Lava-Jato, a Petrobras perdeu metade de seu valor de mercado e já vendeu diversos de seus ativos para pagar uma dívida líquida que chega a R$ 400 bilhões. O Fundo Social, que ainda não foi regulamentado, recebeu até 2015 menos da metade do valor que era estimado inicialmente com a aprovação da lei 12.858/13. “Devem ter ido uns R$ 7 bilhões para o Fundo Social. É muito pouco. Metade disso foi para a educação e metade acabou servindo para o governo fazer superávit primário, já que na prática o fundo não existe”, diz Paulo César Ribeiro. Para piorar, vários estados ainda sofrem com os efeitos de uma liminar expedida pela ministra Carmen Lúcia do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2013. A partir de ação apresentada pelo então governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, a medida suspendeu a entrada em vigor de uma lei aprovada em 2013 que garantiria uma distribuição mais igualitária dos royalties do pré-sal entre os estados não produtores, que seriam beneficiados com um maior aporte de recursos para a saúde e a educação.

Em meio a esse cenário confuso, o Senado aprovou, no dia 24 de fevereiro deste ano, uma lei que pode significar uma redução no montante de recursos do pré-sal para as políticas sociais. Os senadores aprovaram, por 40 votos a 26, o texto de um substitutivo do senador Romero Jucá (PMDB-RR) a um projeto de lei de autoria de José Serra (PSDB-SP) que revogou a obrigatoriedade da participação da Petrobras nos consórcios de produção de petróleo, que vigora na exploração da camada do pré-sal. O texto foi resultado de uma articulação entre governo federal, PMDB e PSDB, e foi aprovado sob os protestos da bancada do PT no Senado, que votou em bloco contra o projeto, que agora segue para a Câmara dos Deputados.

Prejuízos para educação e saúde?

Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, acredita que, se aprovada, a lei sinaliza uma perda da soberania nacional sobre a política energética do pré-sal, que deverá trazer prejuízo para a educação e a saúde.  Segundo ele, a grande fonte de recursos petrolíferos da educação e da saúde é o Fundo Social do Pré-Sal, que leva em conta o chamado excedente em óleo, que é a diferença entre o custo da exploração do pré-sal e as receitas advindas de sua comercialização. “O excedente em óleo considera o custo da operação. Quanto menor o custo, maior o excedente em óleo. Com a Petrobras participando do consórcio, o custo é controlado pelo Estado brasileiro, que é o controlador majoritário da Petrobras e não deixa o custo ficar exorbitante. Então é importante que a Petrobras esteja na operação para o Estado brasileiro poder controlar a política de excedente em óleo. Quanto maior o excedente em óleo, mais recursos para a educação e a saúde. É nesse sentido que essa lei traz um prejuízo”, explica Daniel.

Paulo César Ribeiro concorda: “A Petrobras tem um custo de extração muito baixo no pré-sal. O tempo de perfuração, a tecnologia, o conhecimento da área, tudo isso é uma curva de aprendizado. Outra empresa pode ter um custo de extração mais alto. Então deve ter uma queda no excedente em óleo, mas é difícil estimar”, afirma. Entretanto, ele ressalta que, em sua opinião, o melhor a ser feito no momento é acelerar os investimentos na exploração do pré-sal, mesmo que essa exploração seja feita sem a participação da Petrobras. Ele afirma que, de fato, os recursos obtidos pela exploração do pré-sal destinados para a educação e a saúde devem cair bastante em relação às suas estimativas produzidas em 2013, mas acredita que isso tem mais a ver com a crise da Petrobras do que com os efeitos da lei aprovada no Senado. “O grande problema do pré-sal hoje é a Petrobras. Ela tem problemas de endividamento e está reduzindo demais os investimentos. Então de fato a Petrobras não tem condição de explorar”, defende Paulo César. “É claro que se a Petrobras produz, de fato, a renda do Estado é maior. Mas entre ficar parado sem nenhuma perspectiva de produzir e outra empresa produzir, a gente tem que reconhecer que no momento é importante talvez que outra empresa produza”, completa.

A manutenção da legislação atual, que obriga a Petrobras a ter no mínimo 30% de participação nos consórcios de exploração do pré-sal, segundo Paulo César, pode significar uma queda maior no montante de recursos que iriam para a educação e a saúde do que se a operação for conduzida por empresas privadas sem a participação da Petrobras. “Se as outras empresas entrarem e a produção for mantida eu estimo aí coisa de R$ 130 bilhões para a educação e a saúde até 2022. Agora se as outras empresas não entrarem, deve cair para cerca de R$ 60 bilhões. Por isso eu acho que é importante que essas empresas operem essas áreas que a Petrobras não tem interesse. Se a Petrobras tivesse condições, ótimo. Mas ela não tem”, diz Paulo César, reiterando que ainda não fez os cálculos atualizando a projeção de 2013.  

Para ele, o importante é garantir que o leilão de campos do pré-sal seja feito a partir do interesse público. “Você precisa na verdade é ter um bom edital, porque aí mesmo que seja uma empresa, como a Shell, você pode garantir que uma boa parte desse excedente em óleo vá para o Fundo Social e com isso uma parte boa vai pra educação e saúde. Você tem que colocar lá no edital que 40% do excedente em óleo, no mínimo, vá para o Fundo Social”, explica o consultor legislativo, ressaltando que os leilões do pré-sal privilegiaram muito o interesse das empresas até agora. “Tem que fazer um edital muito melhor do que foi feito em Libra, por exemplo. Lá colocaram que 41% do excedente em óleo vai para o Fundo Social, mas pode aumentar ou diminuir dependendo do preço do petróleo. Só que aumenta muito pouquinho, vai para 45%, mas pode cair para 15%. Então na verdade você nem sabe quanto é que o Fundo Social vai receber”, conclui.

Daniel Cara não compartilha dessa avaliação. Para ele, é imprescindível manter o controle estatal sobre o pré-sal, mesmo que isso signifique no momento menos investimentos na exploração dos recursos devido à conjuntura desfavorável. “Oposição e governo tem trabalhado de forma articulada pra poder explorar rapidamente o pré-sal, mas essa exploração aligeirada vai resultar numa perda enorme de recursos e numa dificuldade de estabelecer soberania sobre a política energética brasileira”, defende. Segundo ele, ainda é muito cedo para dizer que e a educação e a saúde perderiam menos recursos se a exploração fosse feita sem a participação da Petrobras. “Não dá pra determinar qual vai ser o custo da operação ainda. Em geral, como as empresas como fazem no regime de partilha sem a participação de uma empresa nacional? Elas simplesmente jogam o custo nas alturas pra diminuir o excedente em óleo. Elas têm várias estratégias contábeis pra dizer que o custo foi maior do que ele foi na verdade. E aí a gente perde esses recursos”, defende. Segundo ele, sem a participação da Petrobras nos consórcios deve ficar mais difícil definir os custos da operação e, consequentemente, estabelecer quanto deve ser destinado para o Fundo Social. “Ainda mais com a ANP [Agência Nacional do Petróleo], que é uma agência enfraquecida e muito orientada ao interesse das petroleiras”, critica.

A reportagem da EPSJV entrou em contato com a assessoria de imprensa da Petrobras para repercutir a avaliação de Paulo César e a aprovação da lei no Senado, mas a empresa respondeu que não está comentando esse assunto.

Na Câmara, perspectivas não são boas

Integrante da bancada do PT no Senado, Paulo Paim (PT-RS), afirma que o apoio do Palácio do Planalto ao projeto foi um “equívoco político, técnico e econômico”. “Esse projeto abre a porta para a privatização definitiva das nossas estatais. Por isso que nossa bancada não só votou contra como vai trabalhar na Câmara para reverter”, defende Paim.

Ao que tudo indica, no entanto, as perspectivas não são muito boas. Ao jornal Valor Econômico, no dia 26 de fevereiro, o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criticou o texto aprovado no Senado, indicando que dará prioridade para a votação de um projeto semelhante de autoria do deputado Mendonça Filho (DEM-PE) que tramita na Câmara. O projeto prevê o fim do regime de partilha no pré-sal e a volta do regime de concessão, que vigorou até 2010. “Do Eduardo Cunha a gente pode esperar tudo, só não pode esperar coisa boa. Eu espero que até lá o próprio Supremo o afaste ou se dê o encaminhamento da Comissão de Ética da Câmara para que ele não permaneça lá”, defende Paim.

Segundo Daniel Cara, o projeto de Mendonça Filho significaria ainda mais prejuízos para as áreas sociais, já que a lógica do regime de concessão favorece a iniciativa privada. “A gente tem uma estimativa de que, em 2024, se for mantido tudo do jeito que está, com o dólar no preço atual e com a Petrobras participando do consórcio obrigatoriamente, a educação deve ser beneficiada com R$ 28 bilhões por ano. Se entrar o projeto de concessão, isso deve cair pra cerca de R$ 3 bilhões a R$ 6 bilhões por ano. Então é uma queda muito abrupta”, alega.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as perspectivas são “péssimas”. “Existe hoje um consórcio inaudito no debate político brasileiro que é um consorcio PSDB e PMDB. A agenda do PMDB hoje é mais liberalizante do que a agenda do PSDB. Com a Agenda Brasil do Renan Calheiros, do qual inclusive faz parte esse projeto aprovado no Senado, o PMDB se colocou hoje mais favorável ao ultraliberalismo econômico do que o PSDB”, argumenta Daniel. Essa aliança, diz ele, “juntou a fome com a vontade de comer” na Câmara dos Deputados e no Senado:  “a fome do PMDB de ter um programa e a vontade do PSDB de executar seu programa sem se desgastar sozinho”, avalia.

Ele afirma não ter se surpreendido com o apoio do Palácio do Planalto ao projeto. Em 2013, quando o projeto de lei que destina recursos do pré-sal para a educação e a saúde estava sendo debatido no Congresso, o governo federal, juntamente com o Senado, apoiou uma versão do projeto que garantiria bem menos recursos do que o que acabou sendo aprovado. “O governo sempre foi contrário a critérios que determinam vinculações de uso da exploração dessa riqueza ao poder público”, critica Daniel, e completa: “PMDB e PSDB já tinham questão fechada nessa votação da lei do pré-sal no Senado, mas o governo poderia perder de pé. Só que optou por fazer um acordo que na verdade representa interesses especialmente do Ministério das Minas e Energia, que é muito vinculado às petroleiras internacionais”, avalia.