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Como avançar sem recursos?

Presidente sancionou no último dia 15 a Lei Orçamentária Anual 2019. O segundo orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95) traz redução de investimentos na Saúde e Educação
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 24/01/2019 14h06 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

O presidente Jair Bolsonaro sancionou no dia 15 de janeiro a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2019, que prevê R$ 3,38 trilhões de receitas e despesas da União para o exercício financeiro deste ano. É o segundo orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95), que limita as despesas públicas à inflação do ano anterior até 2036.  Do total das despesas, R$ 1,42 trilhão será gasto com pagamento de juros, amortizações e encargos da dívida pública, o que corresponde a 42% do Orçamento. A LOA determinou ainda que R$ 758,7 bilhões fossem direcionados para o refinanciamento da dívida pública. Para a Saúde e a Educação o quadro tem, mais uma vez, agravos com cortes e redução de investimentos.

Disparidade na Saúde

O valor aprovado para o Ministério da Saúde foi de R$132,8 bilhões. Entretanto, passada uma semana da LOA 2019 sancionada, especialistas ainda tiveram dificuldades para analisar detalhadamente o orçamento. O especialista em orçamento da seguridade social, Matheus Magalhães, fez um alerta sobre a disparidade de valores em fontes oficiais do governo como o Diário Oficial e o Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi). "Nenhum desses valores bate. Na elaboração, temos um valor de PL [projeto de lei] registrado pelo governo federal no sistema oficial de R$130,3 bilhões e no momento da execução registrado em PL de 129,8 bilhões. O valor sancionado e publicado em lei como dotação para o Ministério da Saúde é de R$132,8 bilhões. Mas no próprio Siga Brasil, alimentado pelo Siafi, consta uma autorização da dotação inicial de R$124,3 bilhões”, ressalta, acrescentando que o estranhamento se dá porque essa diferença não é comum e não está relacionada a transferências para estados e municípios, nem a valores condicionados à edição créditos adicionais ou valores com e sem refinanciamento e nem de emendas parlamentares.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que “conforme consta em consulta ao Siafi, o valor de R$ 132,8 bilhões reflete o mesmo publicado em lei orçamentária, datada de 15 de janeiro de 2019”. Questionado pelo Portal EPSJV sobre a diferença de valores, o Senado Federal respondeu: “A base de dados que o Siga Brasil utiliza é a do Siafi/Tesouro Gerencial, da Secretaria de Tesouro Nacional (STN). Ocorre que essa, até a publicação da Lei Orçamentária da União de 2019, ocorrida na última quarta-feira, dia 16 de janeiro, apresentava um valor diverso de dotação inicial (LOA) em relação ao Autógrafo, e o Siga, por consequência, também o apresentava. Os dados da dotação inicial (LOA) no Siafi já foram corrigidos, porém a última carga do Siga foi em 16/01/2019, motivo pelo qual ainda há essa discrepância nos valores. Segundo o Prodasen (Informática do Senado), a expectativa é de que haja uma carga nos dados amanhã, dia 22/01, o que, então, atualizará a base”.

Até o dia 23 de janeiro, apenas o total do orçamento para a Saúde de R$132,8 bi havia sido atualizado no sistema do Siga Brasil. Os valores das subfunções, como saneamento básico, vigilância e atenção básica, ainda somavam R$124,3 bilhões.

Na mira

Na LOA 2019, o valor destinado à função Saúde foi de R$122,6 bilhões – vale lembrar que a função faz parte do orçamento total do Ministério da Saúde (R$132,8 bilhões), englobando os recursos voltados para ações executadas para atender as necessidades da população, mas excluindo os valores relacionados à previdência social.

Segundo o economista Francisco Funcia, da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS), se comparar o valor da despesa executada na função Saúde em 2017, que foi de R$117,6 bilhões, com o valor da LOA 2019, há um crescimento de 4,3%. Contudo, a variação do IPCA – índice de preços do consumidor usado para medir a inflação – foi de 6,8% no mesmo período. “Isso significa que foram realocados, em termos reais, menos recursos para a função Saúde em 2019 em comparação ao ano de 2017”, afirma Funcia, acrescentando: “Além da perda, esses valores indicam o agravamento de uma situação porque a população no geral cresceu e temos menos recursos para saúde por habitante, o número de idosos também aumentou e o custo de tratamento dessa faixa etária é mais alto. Além disso, com a redução ainda teremos menos tecnologia nos equipamentos públicos e menos remédios de ponta incorporados à rede. Ou seja, se continuar dessa forma, podemos chegar a um sucateamento completo do SUS”.

O que se vê atualmente, segundo Funcia, é um orçamento espremido devido ao congelamento dos gastos pela EC 95: “A emenda determinou para a União o piso constitucional, a partir de 2017, de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) e, a partir de então, esse piso passaria a ser corrigido pela inflação. Como a lógica a partir de 2018 voltou a ser que ‘o piso é igual ao teto’, muito provavelmente o que vamos observar é o orçamento se espremendo, porque não vão liberar para empenho mais do aquilo que seja correspondente ao mínimo”.

Magalhães corrobora destacando que houve redução de 5% no aporte de recursos à Saúde de 2013 a 2017, com uma pequena recuperação em 2018. Entretanto, o especialista afirma que um dos grandes problemas é que o valor total do orçamento não é executado. “Em 2018, por exemplo, tivemos execução de R$116,8 bilhões, que significou 89,3% do valor autorizado. Em 2017 foi exatamente a mesma porcentagem. Essa tendência nos mostra, a princípio, que teremos uma possibilidade de uma despesa com Saúde inferior”, aponta.

Segundo Magalhães, é importante ressaltar que as disposições constitucionais que exigem aplicação mínima de recursos foram desrespeitadas em 2017 com a reprovação das contas da Presidência da República pelo CNS. “Foi por isso que em 2018, o valor aumentou como indício de uma resposta a essa redução drástica que vinha sendo feita nos últimos anos em virtude das políticas de ajuste fiscal. Para 2019, a perspectiva é de estagnação, porque o novo governo muito provavelmente não vai querer passar novamente por uma reprovação das contas”, destaca.

Magalhães aponta ainda que houve corte de recursos na subfunção do orçamento que diz respeito aos medicamentos. Em 2018, foram aprovados R$ 15,2 bilhões. Já neste ano, estão previstos R$ 13,6 bilhões. "Ou seja, menos R$1,6 bilhão que pode afetar no acesso da população à medicamentos para doenças raras", exemplifica. Além disso, o programa Farmácia Popular teve redução de recursos de 20% em relação ao ano anterior. Em 2018, a autorização tinha R$3,05 bilhões, enquanto para 2019, de R$ 2,6 bilhões. Na modalidade gratuita, houve redução importante de R$ 2,5 bilhões para R$ 2 bilhões. “A área de saneamento básico irá perder 25% de seus recursos. passando de R$ 853 milhões em 2018 para R$ 634 milhões em 2019. Precisamos entender que saneamento é pauta da Saúde e o Brasil tem sérios problemas em relação a isso que impactam em doenças e agravos. Ações de prevenção e tratamento à dengue, chikungunya e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) deverão ficar comprometidas”, completa.

Outra área que preocupa é a saúde indígena, que sofreu redução de R$ 1,370 bilhão em 2018 para R$ 1,350 bilhão este ano.

Um ano sem investimentos na Educação

Na Educação, a LOA prevê o valor mínimo de R$122,9 bilhões. Segundo Luiz Araújo, professor da Universidade de Brasília (UnB), desde 2014 há uma queda progressiva nos orçamentos do Ministério da Educação. Naquele ano, o valor executado do MEC foi de R$ 117,8 bilhões. Já em 2018, o número ficou em R$ 107,7 bilhões.
“Perdemos R$10 bilhões em termos reais nesse período. Em 2016, tivemos uma queda muito abrupta e em 2017 começamos a ser comprimidos pela EC 95. O orçamento desse ano dá uma ideia de que teremos uma recuperação, mas ano após ano, esse orçamento não é executado. Criamos uma expectativa falsa de que tivemos um aumento, mas em abril é lançado um decreto de contingenciamento dos recursos e só assim saberemos o orçamento possivelmente real de 2019”, ressalta.

Por isso, reforça Araújo, não há como confiar no orçamento sancionado porque, na prática, ele sofrerá cortes. “Quando chegar em abril, saberemos o valor máximo repassado, e mesmo nos últimos anos esse valor não tem sido cumprido. A possibilidade de ser um decreto mais selvagem, com um corte significativo de recursos, é muito grande com a equipe de Paulo Guedes”, afirma, em referência ao ministro da Economia.

O professor da UnB atenta para o fato de que com a EC 95, há um congelamento dos investimentos. Ele cita o caso da própria UnB, onde o crescimento de um ano para o outro se dá somente no pagamento de pessoal, com correção da inflação: “Será um ano sem investimentos. Na UnB cortaram cerca de R$30 milhões. Na prática, instituições como ela e a Universidade Federal do Rio de Janeiro terão o mesmo valor que tinham no ano passado, corrigida a inflação que é o gasto de correção de salários, pagamento de [professores] substitutos... Isso quer dizer que não se pode fazer nada além do que foi feito no ano anterior. O grosso dos recursos do MEC que não podem ser contingenciados são justamente os gastos com pessoal e o custeio das universidades que, ano a ano, sofrem com mais cortes”.

Preocupado com o contingenciamento do orçamento, Araújo aponta consequências para o sistema de ensino brasileiro. A primeira delas deve ser sentida no ensino superior. “Não teremos praticamente nenhuma expansão no ensino superior público federal. Em algumas universidades podemos ter novas ondas de corte no custeio, com movimentos de contratos e demissão de terceirizados para tentar reequilibrar as contas internas e fechar o ano. Na UnB, por exemplo, tivemos cortes drásticos na segurança e limpeza. Podemos chegar no limite como a Uerj [Universidade do Estado do Rio de Janeiro] chegou. Nas federais ainda não tivemos casos de paralisação dos serviços, mas estamos chegando próximo do osso em termos de custeio em muitas delas”, afirma.

E a educação profissional não é exceção, completa: "A redução de recursos é cada vez maior e você mal tem recursos para terminar um ano”.

Embora a maioria dos recursos da educação básica venha de estados e municípios, esse nível de ensino também será atingido. “Isso porque se a economia continuar 'patinando' nós vamos continuar tendo as crises  os salários atrasados, funcionários sem receber décimo terceiro... Se a economia volta a crescer tem uma folga porque a EC 95 não atinge os estados e municípios. Mas nesse momento o que acontece é que não teremos nenhum aporte de recursos nos programas de criação de novas escolas. Vai depender dos estados e municípios fazerem com suas próprias pernas. Portanto, desconfiem de qualquer promessa de apoio do governo federal que tenha custo nos municípios, porque não tem recursos para isso”, alerta.

Vetos

Um dos vetos dados pelo presidente à lei orçamentária aprovada no Congresso previa um gasto de R$ 50 milhões com a alteração da estrutura de carreiras e o aumento de remuneração do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Bolsonaro justificou argumentando que a iniciativa infringe a Constituição, já que a autorização da concessão do reajuste e da reestruturação de carreira não constaria na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). O segundo dos vetos recaiu sobre a previsão de uma reserva de contingência fiscal de R$ 10 milhões para a criação de fundo especial no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investimentos e modernização tecnológica dos órgãos do Poder Judiciário. Na justificativa, Bolsonaro afirma que é impedido de viabilizar a execução de despesas de competência de outro poder por já estarem limitadas a valor alocado nos termos do novo regime fiscal.

O mínimo

O texto do Congresso havia determinado uma correção de 5,45% para o salário mínimo que era de R$ 954 e chegaria a R$ 1.006. Entretanto, em 1º de janeiro, Bolsonaro assinou um decreto que fixou o salário mínimo em R$ 998. O reajuste do salário mínimo obedece a uma fórmula que leva em consideração o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes e a variação da inflação, medida pelo INPC, do ano anterior.

Também foi prevista a correção do piso salarial dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias, que passará a ser de R$ 1.250 a partir de janeiro. Essa correção foi resultado da derrubada pelo Congresso Nacional do veto de Temer à lei 13.708/18, que previa esse aumento.