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Direitos humanos e direito à saúde

Mesa mostra a importância de estes dois direitos caminharem lado a lado e aponta que está na hora de mudarmos a realidade no Brasil no cuidado com usuários de drogas e mulheres no momento do parto.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 17/11/2013 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Os direitos humanos sempre devem estar atrelados ao direito à saúde. A conclusão, tirada da mesa 'Direitos  Humanos,  estigma  e  enfretamento  de  vulnerabilidade  no  contexto  da  saúde  pública brasileira:  dilemas  atuais',  mostrou  que  este  problema  não  é  de  agora.  Momentos  históricos  e marcantes na saúde tiveram mais destaque, como o cuidado com pacientes com tuberculose e com HIV. De acordo com a mesa, hoje,  dois fenômenos  têm  aparecido  como  pontos  centrais  que merecem  destaque  na relação  entre  direitos  humanos  e  a saúde:  o  cuidado  com  os  usuários  de  drogas  a  as  mulheres grávidas, principalmente, durante o parto.

O doutor em Psicologia Social e professor do campus de Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos  (UFSCar),  Marcos  Vieira  Garcia,  informou  que  um  dos  principais  problemas  neste tratamento com usuários de drogas é o desrespeito à alteridade. Para ele, o cenário que deve ser discutido para tratamento  é  a  aceitação  do  uso  da  droga,  das  estratégias  que  assumem  isso  como  pressuposto, como  o  caso  da redução  de  danos,  entre  outras  iniciativas.  “Uma  das  coisas mais simples  e  de extrema importância que não vemos durante o tratamento é dar acesso aos usuários à informação e aos tratamentos consentidos”, relatou ele.

De  acordo  com  Marco  Garcia,  a  relação  com  o  usuário  de  álcool  e  outras  drogas  deve transcender a técnica, além disso ele criticou os espaços de tratamento mais tradicionais da saúde pública. “Os Centros de Assistência (CAPs AD) sempre ficam no mesmo lugar e os usuários são móveis.  Não  estamos  acompanhando  os  fenômenos  que  estão  mudando.  Temos  que  pensar  as pessoas em situação de rua de maneira mais efetiva. Em Socoroca, temos um consultorio de rua que funciona muito bem no atendimento à população, mas não atende a população de rua”, contou.

Para  ele,  é  preciso  ainda  debater  esses  assuntos  com  a  população,  que  defende  estes  tipos  de tratamentos mais tradicionais. “Um resultado de uma pesquisa mostrou que 90% dos brasileiros são a favor da internação compulsória. Isso é muito sério. A academia ainda não conseguiu pautar esta problemática para acabar com o senso comum”, refletiu.

A  professora  do  Departamento  de  Psicologia  Social  da  Universidade  de  São Paulo (USP) Vera Paiva disse que a relação entre a estigmatização e os direitos humanos estão diretamente  correlacionadas  no  âmbito  da  saúde,  principalmente.  “Atualmente  a  mulher  vem sofrendo violências imensas, por conta da estigmatização. Podemos citar duas cenas clássicas: uma é a mulher em trabalho de parto, com a perna aberta, amarrada, anestesiada e coberta por um pano cheio  de  sangue  que  acorda  quando  ouve  seu  fiho  chorar  e  não  pode  fazer  nada  porque  está amarrada e ninguém tem o cuidado de explicar o que está acontecendo. Isto é uma cena de tortura que vivenciamentos cotidianamente. A outra cena eu vivenciei porque fui chamada para intervir. Uma  mulher  estava  há  três  dias  tentando  fazer  curetagem  porque  havia  sofrido  um  aborto espontâneo  e  ninguém  fazia.  Ela  estava  cheia  de  febre,  passando  mal,  e  as  enfermeiras  que atendiam  naquele  local  despistavam,  passavam  o  caso  para  o  próximo  plantão.  Só  depois  fui descobrir a razão. Aquelas enfermeiras eram formadas na mesma universidade e haviam ganhado bolsa de uma igreja  evangélica  à qual pertenciam. Então,  o aborto  era um pecado  condenável”, lembrou Vera que concluiu: “A mulher está estigmatizada a ser mãe, ser virgem e sofrer por natureza, por isso naturalizamos esses cenários”.

Ela  informou  ainda  que  a  política  tem  influenciado  diretamente  para  reforçar  esses  estigmas  e apontou  fenômenos recentes:  “O  aumento da bancada fundamentalista tem  agravado discussões das  políticas  públicas  para  a  mulher.  É  importante  deixar  claro  que  nem  todo  evangélico  é fundamentalista,  mas  o  peso  que  esta  bancada  tem  deve  ser  considerado.  E  há  uma  atuação proposital e articulada em todo o país”, disse, informando que no estado de São Paulo 70% das prefeituras têm presença da bancada evangélica.

A professora da USP lembrou ainda das ações do governo que mostram a perda de direitos na área da saúde da mulher.  Um  dos  pontos  críticos, segundo  ela, é  o  Rede Cegonha,  uma programa  de  assistências  a mulheres, recém­-nascidos  e  crianças.  “Na  década  de  1980.  brigávamos pela saúde da mulher, porque naquela época tínhamos apenas a saúde materno­-infantil, a mulher não existia para a saúde pública se não fosse no momento de ser mãe. Agora, quase duas décadas depois, regredimos novamente e até o nome do programa é de mau gosto: Cegonha não faz sentido para a nossa cultura, para a nossa realidade, e a  mulher, a sua sexualidade, está ainda mais distante”, opinou.

Aids

Vera Paiva apontou ainda um dado alarmente: o índice de contaminação da AIDS vem crescento entre a população jovem homossexual.  De  acordo  com  ela,  sete em  cada  100  jovens  homossexuais  que  frequentam espaços de sociabilidade em Sâo Paulo têm AIDS. A professora disse que isso também se deve ao estigma  à  doença,  e,  em  consequência,  à  falta  de  diálogo  e  informação  nos  espaços  públicos. “Tenho feito uma grande briga para implantar discussões sobre sexualidade nas escolas, mas isso é uma batalha seríssima. Os pais acham que com esse diálogo vamos estimular a prática do sexo, as diretoras das escolas têm medo de se confrontar com pais que são religiosos, e com isso os jovens vão fcando sem o direito de saber. É impressionante que se você ligar a televisão existem novelas em diversos horários que mostram tudo isso”, relatou e acrescentou: “Em certas situações, tenho que fazer um trabalho quase que pedagógico com essas pessoas e pergunto: qual é a religião que você mais abomina? Imagina se líderes dessa religião te impedissem ou impusessem suas crenças nos seus espaços de convivência? O que a gente quer, ao trabalhar a sexualidade, é respeitar os valores dos outros, não é impor valores, e também não é ser promíscuo”.

Além da saúde

Filha do desaparecido política, Rubens Paiva, a professora da USP Vera Paiva, ainda fez um apelo: Meu  pai  era  um  Amarildo,  tinha  cinco filhos,  trabalhava  com  construção civil, foi  condenado vomo bandido quando desapareceu e hoje sabemos que ele foi vítima de uma repressão do Estado. Repressão esta que existe. Vamos acabar com essa história de que direitos humanos é direito para bandido, vamos  acabar  com  essa  noção forjada”, pediu  e lembrou:  “A AIDs voltou  a  crescer,  a mulher  está sofrendo na sala de parto, outros Amarildos virão. Vamos  aproveitar  esse momento eleitoral e cobrar isso”.