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Educação profissional e ensino médio integrado no Brasil - um balanço das conquistas e reivindicações

Um balanço das conquistas e reivindicações
Leila Leal - EPSJV/Fiocruz | 20/12/2010 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Nas últimas eleições à Presidência da República, você viu a educação profissional aparecer com destaque nas plataformas e programas dos principais candidatos. De que educação profissional se falou nesse momento, e por que ela apareceu com tanta força no cenário eleitoral? O que isso diz sobre o debate presente hoje na sociedade sobre educação e, mais especificamente, sobre a educação profissional? São essas questões que buscaremos apresentar aqui, nesta reportagem.

Qual o cenário da formação profissional técnica integrada ao ensino médio no Brasil? E quais as perspectivas para a área nos próximos anos? A Revista Poli tenta contribuir para esse debate ouvindo a análise de pesquisadores e representantes do poder público sobre o tema. Os sentidos da defesa da educação integrada e a luta pela sua garantia também estão nesta reportagem, que busca problematizar as concepções de educação profissional técnica de nível médio que se manifestam no debate público do país na atual conjuntura.

Novidade?

‘É preciso investir em educação profissional'; ‘educação profissional é a educação que dá emprego'; ‘o caminho é a educação profissionalizante'; ‘as escolas técnicas qualificam o trabalhador'. Frases como essas se tornaram habituais para quem acompanhou os programas, discussões e debates eleitorais em 2010. Mas a referência à educação profissional nesse período não se resumiu a frases isoladas desse tipo. Com destaque, o tema apareceu durante toda a campanha à Presidência - e chamou a atenção. A própria modalidade de educação profissional integrada ao ensino médio, que, no debate da área, costumava polarizar opiniões bastante distintas, apareceu como uma possibilidade em programas de diferentes candidatos  - como a presidenta eleita, Dilma Roussef, do Partido dos Trabalhadores (PT), e o segundo colocado na disputa, José Serra, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB).

Mas, afinal, por que o tema apareceu dessa forma no debate eleitoral? Para Cláudio Gomes, professor-pesquisador e coordenador geral do ensino técnico da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), a questão combina aspectos econômicos, ideológicos e mais diretamente eleitorais: "Há uma questão pragmática. Nos últimos anos, o governo federal ampliou a Rede de Escolas Técnicas Federais, criando 214 novas escolas. Assim, pautou uma agenda eleitoral e programática para todos os candidatos, porque o tema foi posto em evidência. Há também o fato de que a educação profissional atende a uma expectativa atual do setor produtivo no Brasil", avalia. E completa: "Há ainda um elemento relacionado ao sentido da educação para a classe trabalhadora. Quando se pensa na população pobre, aparecem como problemas as baixas escolaridade e renda daqueles indivíduos. A educação surge como algo que precisa ser feito. Como soluções a esse segmento, aparece a necessidade de ensino fundamental de qualidade e de um ensino médio também de qualidade. E qual é o ensino médio que pode oferecer a essa população um ‘futuro promissor'? O ‘ensino médio profissionalizante', conforme o termo que aparece constantemente". Mas Cláudio pondera sobre o conteúdo político e ideológico dessa perspectiva: "A cidadania que se concebe nesse contexto, assim como a educação que é proposta, aparece para recompor o exército de trabalhadores subalternizados no processo produtivo contemporâneo. É como dizer que essa população precisa se inserir da forma que ‘lhe cabe' na atual divisão técnica e social do trabalho. Não quero dizer que o ensino não deve atender às demandas produtivas. Temos que pensar que esse jovem, filho da classe trabalhadora, precisa trabalhar. A questão é que só se pensa nisso, que é tomado como fim último", diz. O professor lembra, ainda, que o debate sobre educação e, em específico, educação profissional, não é novo no país e nas agendas eleitorais.

Virgínia Fontes, historiadora e professora-pesquisadora da EPSJV e da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda: "Na história brasileira, o capital se preocupa em forjar mão-de-obra adequada, adaptada e dócil às suas necessidades pelo menos desde a década de 1940. Então, a presença desse debate na pauta não é um elemento novo". Mas Virgínia destaca que as necessidades do capitalismo no atual período, assim como as demandas do modelo de desenvolvimento brasileiro, delineiam especificidades na atual conjuntura. "Há modificações dos anos 1940 para cá. Em primeiro lugar, estão a extensão da formação técnica e a generalização dessa exigência. E há um segundo ponto importante, específico do atual período: vivemos hoje uma certa escassez de mão-de-obra que tenha uma formação técnica minimamente consistente. Isso não vinha acontecendonos últimos 15 ou 20 anos". 

Ela explica: "Houve uma certa redução do desemprego no Brasil, e há recursos para financiar obras e certos setores do capital que, por seu turno, passam a precisar de mão-de-obra mais qualificada. O ensino privado não consegue responder a essa necessidade, e isso coloca a demanda para o setor público". Virgínia conta que isso acontece por causa das contradições entre a ‘mercadoria educação' e a ‘educação como mercadoria'. Segundo ela, um estudo elaborado por José Rodrigues (doutor em educação e professor-pesquisador da UFF) mostra que aqueles que precisam comprar e vender a ‘mercadoria educação' querem fazê-lo da forma mais barata e aligeirada possível. "Mas isso gera uma educação sem a qualidade necessária para aqueles que precisam contratar a educação como mercadoria - os que precisam disso como insumo para seu processo produtivo e não encontram essa qualificação nos trabalhadores formados pelo setor privado", conclui.

Dados do Ministério da Fazenda divulgados em 2010 apontam: o crescimento médio da economia entre 1998 e 2002 foi de 1,7% e, entre 2003 e 2009, de 3,6%. Para Marise Ramos, professora-pesquisadora da EPSJV e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), nos últimos quatro anos consolidaram- se os arranjos econômicos que impõem novas demandas para a educação. Segundo ela, a partir de 2006 iniciou-se um processo de mudanças na política econômica, que passou a priorizar ações concretas de incentivo e investimento no capital produtivo. "Antes disso, havia uma hegemonia do capital financeiro e um processo de desindustrialização. Com os investimentos produtivos e o crescimento de setores como o de petróleo, por exemplo, o Estado passou a intervir mais diretamente na economia - o que foi aprofundado diante da crise econômica de 2008. O Estado precisou voltar a agir na economia e no plano social, e isso incluiu a educação. Essa soma de fatores é muito semelhante com o que aconteceu nos anos 1960 e 1970, com o desenvolvimentismo associado a uma participação do Estado. O resultado, no campo da educação profissional, foi a valorização da educação profissional pública, que teve uma de suas expressões principais na política de expansão da Rede Federal de Educação Profissional", avalia. 

Ela pondera, no entanto, que o eixo norteador da valorização da educação profissional nesse período não é político-pedagógico, e sim econômico: "A lógica com a qual se constrói essa expansão parte das necessidades do projeto desenvolvimentista", analisa. E o que se ganha e se perde nesse processo? O fato de a educação profissional ser uma demanda mais concreta do atual modelo de desenvolvimento compromete necessariamente o sentido com que é implementada? Ou o fato de estar mais presente na pauta da política educacional do país pode abrir possibilidades para conquistas em relação ao sentido e ao projeto que sustenta? Uma análise da trajetória da educação profissional no Brasil, que leve em consideração sua relação com os modelos de desenvolvimento adotados em outros períodos da história - inclusive aqueles que também a demandaram de forma mais explícita -, pode ajudar a responder essas questões.

Trajetória da educação profissional brasileira

Segundo Marise Ramos, além de nunca ter saído da pauta da política educacional brasileira, a educação profissional também nunca perdeu duas de suas marcas originais: a característica economicista, que a vincula muito fortemente à dinâmica do mercado de trabalho e a aponta como meio de preparar as pessoas para esse mercado, e a característica da dualidade, que a situa como a educação destinada à classe trabalhadora e aos filhos da classe trabalhadora. "O que se modifica ao longo da história da educação profissional é como esses aspectos vão se transformando à luz do modelo de acumulação do capital e a forma como eles se configuram nos países de capitalismo dependente, como o Brasil", avalia. 

A professora aponta três fases fundamentais nessa trajetória, que, segundo ela, podem explicar por que a educação profissional sempre esteve presente no discurso e na prática da educação - pautada pelas forças conservadoras ou progressistas da sociedade. "A primeira fase se inicia na década de 1940. As marcas fundamentais da educação profissional eram muito claras, por causa do auge do processo de industrialização no Brasil combinado a uma ideologia desenvolvimentista, que acreditava que o Brasil poderia alcançar patamares de desenvolvimento econômico iguais aos dos países avançados", conta. Marise explica que esse processo gerou a necessidade de trabalhadores com algum nível de formação e, nesse contexto, a formação técnica de nível médio foi considerada estratégica por causa das características da produção naquele momento. "Havia um operariado com profissionais de nível superior, mas se precisava de um setor de nível médio para fazer a supervisão, manutenção e a mediação hierárquica da produção. Por isso, esse foi um momento auge da educação profissional e especialmente das escolas técnicas federais", diz, lembrando que a ideologia desenvolvimentista sustentou a chamada ‘teoria do capital humano', que considerava o investimento em educação por parte do Estado como fonte de desenvolvimento. 

A análise de Marise situa nessa mesma fase o período da ditadura civil-militar, durante o qual, em 1971, foi aprovada a Lei 5.692, que tornava compulsória a profissionalização no ensino médio. "Nessa fase, há uma presença forte do Estado, associada ao capital monopolista. A educação profissional técnica é integrada ao nível de ensino hoje correspondente ao nível médio, que na época era o segundo grau. Ela era sustentada por uma ideologia de possibilidade de garantia do emprego através da educação profissional, financiada pelo Estado e voltada para a classe trabalhadora com forte marca dual: ainda existia o ensino propedêutico [a educação geral, como a formação em artes e ciência, não diretamente instrumentalizada para as demandas do mercado] para outras classes, mas a educação profissional era vista como o caminho para aqueles que não iam para o nível superior terem condições de trabalhar, terem renda, constituírem famílias e garantirem sua inserção na vida produtiva".

No livro ‘O Ensino Médio Integrado no Contexto da Mundialização do Capital', Bruno Neves destaca que a Lei 5.692/71 apontava a predominância do ensino específico sobre o geral. Dessa forma, os estudantes do ensino técnico eram prejudicados em sua formação ampla, o que gerou insatisfação na sociedade. "A Lei 7.044, de 1982, extinguiu a profissionalização obrigatória, perseverando a equivalência entre o ensino médio propedêutico e o ensino técnico. Houve uma valorização das escolas técnicas federais, que formavam trabalhadores com mais qualificação", diz o livro.

Esse é o momento que encerra a primeira fase da educação profissional no Brasil, segundo Marise. A crise de superinflação nos anos 1980, que fez com que esse período ficasse conhecido como ‘a década perdida', estagnou a economia e atingiu as bases que sustentavam a expansão da educação profissional. "Ainda assim houve um plano de expansão das escolas técnicas, embalado pelo período anterior. Mas o modelo que o sustentava ruiu. A década de 1980 foi marcada pelo processo de mudança do modelo de acumulação para uma lógica centrada no capital financeiro. Iniciou-se o período de enfraquecimento da industrialização, e a ideologia desenvolvimentista foi substituída pela ideologia da globalização e do alinhamento do Brasil ao capitalismo internacional", explica.

Nesse período, o princípio neoliberal de que o Estado estaria em uma profunda crise fiscal e precisava cortar gastos ganha força. Há, também, uma diminuição dos postos de trabalho, diante da retração dos empregos que até então eram gerados pelo Estado e do investimento em tecnologia, que elimina muitas funções do sistema produtivo. "Tudo isso indicava que a educação profissional técnica de nível médio não seria uma necessidade. 

Não havia mais a relação educação-emprego. Surge, então, a pergunta: ‘por que educação profissional técnica de nível médio?'. Aparece aí a ideia de formar para a empregabilidade, o que significa que o indivíduo deve se qualificar para tornar-se empregável. Mas isso é uma responsabilidade individual. Então por que deveria ser pública, se o princípio era o de que o Estado está com seu fundo público ruído? Ainda assim, a educação profissional tem que existir em alguma medida para aquilo que for necessário para as empresas, diante da reestruturação produtiva. É, portanto, para a requalificação, a reprofissionalização", conta Marise. 

Ela explica ainda que, como para esse tipo de demanda (formar trabalhadores de maneira rápida para atender suas necessidades imediatas), a iniciativa privada estaria mais ‘apta', o Estado assume uma função de subsidiar os planos de educação profissional, o que se aprofunda nos anos 1990. "A desvinculação da educação profissional do ensino médio aparece, também, baseada na ideologia de que o gasto com a educação integrada seria desnecessário, já que aqueles que tinham condições de cursar o ensino médio depois iriam para o nível superior. Além disso, a desvinculação era uma necessidade para poder privatizar a educação profissional, abri-la à iniciativa privada, já que o ensino médio, mesmo sendo livre à iniciativa privada, era definido como de responsabilidade do Estado".

Marise avalia que, nessa segunda fase da educação profissional brasileira, a resistência dos movimentos sociais foi importante para garantir a perspectiva da integração. "Diante do Decreto 2.208, de 1997, que determinava a separação entre ensino médio e educação profissional, conseguimos garantir o mínimo: a possibilidade de matrículas concomitantes em educação profissional e ensino médio". Ela ainda destaca que, nesse período, os intelectuais orgânicos da classe trabalhadora mantiveram a defesa da educação profissional integrada ao ensino médio como uma necessidade social - de garantir educação de qualidade para os filhos da classe trabalhadora - e como a materialização de um princípio educativo e ético-político. "Esse princípio é o de que a educação tem que estar orientada pelo princípio do trabalho, porque é ele que possibilita à classe trabalhadora a compreensão científica, tecnológica, sócio-históricacultural da produção, e é isso que instrumentaliza o trabalhador para produzir a existência a partir de seu próprio trabalho, reconhecer sua condição de ser alienado, se organizar e buscar transformações. A integração é defendida como uma lógica de organizar o conhecimento para a formação humana e profissional", opina.

A terceira fase da educação profissional no Brasil, segundo a pesquisadora, é a mais recente. Ela é marcada, num primeiro momento, pela volta do discurso economicista e por um viés compensatório, que caracteriza a educação profissional como aquela oferecida aos que não conseguiriam acessar o ensino superior. "Nesse período, buscou-se reverter o processo de privatização intenso dos anos 1990, mas não se avançou muito. O Decreto 2.208/97 foi revogado, mas não tivemos muitas conquistas. Foram implementadas políticas como o Programa Escolas de Fábrica [lançado em 2004 e baseado em parcerias do Estado com a iniciativa privada para a formação profissional de jovens de 16 a 24 anos], que eram muito pontuais", avalia Marise. A transformação desse processo veio a partir das mudanças na política econômica descritas no início desta reportagem, marcadas pela retomada de investimento no setor produtivo. Os trabalhadores de nível médio voltaram a ser mais claramente necessários ao modelo de desenvolvimento que se desenhava, e a partir daí iniciou-se um processo de mudanças orientado para a valorização da educação profissional. 

Lembra que dissemos ser necessário conhecer a história da educação profissional no Brasil para se avaliar com mais propriedade as políticas públicas que se desenvolveram nesse período? Pois é, como você viu, a educação profissional sempre foi diretamente influenciada pelas características e necessidades impostas pelos modelos de desenvolvimento adotados em nosso país. No período recente, identificado por Marise Ramos como a terceira fase da educação profissional no país, não foi diferente. Mas, afinal: as demandas geradas pelo crescimento econômico, que determinaram a expansão da educação profissional, apontam em que direção?

Políticas públicas

"O que há de bom e de ruim nisso tudo? Retomar a expansão da educação profissional, reconquistar a possibilidade de integração ao ensino médio... São conquistas? Mas e o fato de estarem associadas à lógica economicista? É um retrocesso?". As perguntas são de Marise Ramos, que sugere um caminho para a reflexão: "Precisamos pensar pela via da contradição. A década de 1990 foi marcada por uma privatização intensa de tudo o que foi construído até os anos 1970. Ainda que tenha se constituído como política compensatória, marcada pela dualidade de classe e educacional, isso constituiu dos anos 1950 aos 1970 uma estratégia de acesso da classe trabalhadora a uma educação pública com alguma qualidade. Portanto, a retomada  disso é positiva, se tivermos em comparação o que aconteceu antes. Ela não é positiva se mantida sob a lógica economicista, porque é mais uma ideologia e reforça uma lógica dual de educação profissional para o mercado de trabalho. Nesse contexto, há contradições que são acirradas em benefício da classe trabalhadora. Precisamos nos apropriar disso e defender a educação profissional no sentido de torná-la pública, de qualidade, relacionando trabalho, ciência e cultura." 

Luiz Caldas, diretor de formulação de políticas da educação profissional da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/ MEC), avalia que a revogação do Decreto 2.208/97 tenha sido uma grande conquista. "Recuperar a possibilidade de ensino médio integrado - por meio da instituição do Decreto 5.154, de 2004 - é garantir algo que tem um forte simbolismo quando se pensa na formação integral do trabalhador. Além das razões do ponto de natureza conceitual, ideológica, de pensar o trabalhador nas suas múltiplas dimensões, o ensino médio integrado também tem importância quando olhamos os indicadores da educação brasileira. Grande parte da população tem no ensino médio integrado não uma possibilidade, mas sim a única alternativa para uma parcela da população que, em função da necessidade de antecipar a sua inserção do mercado de trabalho, o faça a partir da formação profissional de nível técnico", diz.

Cláudio Gomes concorda que o conteúdo do Decreto 5.154 seja um avanço. Mas pondera sobre os limites do exercício de políticas públicas através de decretos, atos normativos que só podem ser praticados pelos chefes dos poderes executivos (presidente, governadores e prefeitos) : "Sem dúvida o Decreto 5.154 é um avanço. Mas por decreto não se pode instituir as transformações mais profundas de que necessita a educação profissional técnica de nível médio. O 5.154 tem a virtude de afastar a cisão entre educação básica e educação profissional, e garantir, nos termos possíveis, dando amparo legal, que as instituições apresentem propostas e ofereçam educação profissional técnica de nível médio na modalidade integrada. Mas precisamos ir além, e garantir mudanças mais substanciais, como, por exemplo, atender às reivindicações de aumento de financiamento público à educação, que deve ficar entre 7% e 10% do Produto Interno Bruto do país".

Além do projeto de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que criou 214 novas escolas, o representante da Setec destaca como políticas públicas importantes do período recente a implantação da Rede Certific - um programa de certificação de saberes não-formais pra trabalhadores de áreas como música, construção civil, turismo e ospitalidade, eletroeletrônica ou pesca -, o Programa Brasil Profissionalizado - que repassa recursos do governo federal para que os estados invistam em suas escolas técnicas de ensino médio integradas à educação profissional -, e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, o Proeja. Luiz Caldas defende que, nesse processo de expansão da oferta, a educação profissional aponte a perspectiva de formação integral de forma associada aos arranjos produtivos e necessidades econômicas das regiões nas quais as novas escolas estão sendo criadas: "Temos que garantir a formação que não seja aligeirada, que aponte na direção da formação integral. A Expansão da Rede Federal teve duas etapas: primeiro, buscamos observar a periferia dos grandes centros urbanos, os locais onde a oportunidade de formação para o trabalho representa uma política emancipatória. Nessa etapa, criamos 64 novas unidades da Rede. Depois, com a criação de mais 150 unidades, o que era um princípio (a defesa de que as escolas públicas tenham uma sintonia com os arranjos produtivos, sociais e culturais locais) se transformou em item fundamental para escolha das novas unidades. A perspectiva é a de que as instituições possam se colocar nesse espaço do arranjo produtivo local na perspectiva de contribuir para que as escolas realmente potencializem a geração de trabalho e renda a partir dos arranjos locais", conta.

Ele destaca ainda o avanço em relação às instituições que compõem o chamado ‘Sistema S', criadas nos anos 1940 e historicamente associadas à perspectiva de educação profissional característica da primeira fase descrita por Marise Ramos. As verbas dessas instituições vêm da contribuição compulsória das empresas e do comércio. O dinheiro é recolhido na mesma guia do INSS e vai para a Previdência, mas, diferentemente dos tributos públicos, volta para as Confederações Nacionais do Comércio e da Indústria - no caso do Senac, Sesi, Senai e Sesc. O recurso é considerado público porque as empresas tratam essa contribuição com mais uma carga tributária e, por isso, embutem essa despesa no preço do produto. Ele lembra que o governo federal assinou, em 2008, acordos para garantir o aumento progressivo de vagas gratuitas nos cursos de educação profissional oferecidos pelo Senai, Sesi, Senac e Sesc. A intenção é que em 2014, Senac e Senai estejam destinando 66,6% da receita compulsória líquida para vagas gratuitas. Já no Sesi e Sesc, este percentual deve ser de 16,67%.

Luiz Caldas avalia que essas instituições são importantes como política voltada para formação para o trabalho, técnica e tecnológica, mesmo que mais claramente pautadas por demandas econômicas: "É evidente que o recorte e a própria natureza das instituições implicam uma política dirigida aos setores da economia. Mas são extremamente importantes, pela qualidade do trabalho que fazem, das possibilidades que colocam no sentido de elevar a qualidade e qualificação do trabalhador brasileiro. O MEC assinou um acordo e convidou o Sistema S a recuperar algo que é essencial em sua história: a ampliação da oferta de vagas gratuitas a um segmento da população que precisa. Esse acordo está vigente, e a expectativa é que o Sistema S amplie ainda mais a oferta gratuita de educação e formação para o trabalho", avalia.

Integração: forma ou princípio?

Mas por que a defesa da integração assume tanta importância no campo da educação profissional? Talvez você esteja se perguntando, a essa altura, qual é o motivo de essa ‘bandeira' ser tão frisada por aqueles que atuam nessa área - a ponto de a revogação do decreto que proibia a integração ser apontada como um dos principias avanços dos últimos anos. Para entender essa questão, é preciso explicar o que se entende por integração.

Cláudio Gomes faz questão de apontar a necessidade de aprofundamento desse debate: "Precisamos avançar para um entendimento mais substancial do que é a educação integrada. Ela não é uma forma de oferecer a educação. Hoje, de acordo com o Decreto 5.154/04, a educação profissional pode ser oferecida nas modalidades integrada (uma só matrícula para educação profissional técnica e o ensino médio), concomitante (duas matrículas, que podem ser na mesma instituição de ensino ou em instituições diferentes) ou subsequente ao ensino médio. Mas quando se fala em integração curricular não se trata exclusivamente da modalidade integrada. É do princípio da integração de que se está falando", diz. Ele explica: "O princípio da integração tem que ser observado em qualquer modalidade. Quem defende integração não o faz por ser uma modalidade que deva ser priorizada em relação às outras. Defende-se a integração pelo princípio, e reconhecem-se demandas e pertinências sociais das outras modalidades". Segundo ele, o princípio da educação integrada é o trabalho - que, como tal, deve organizar a educação profissional e o ensino médio.

Quer dizer, então, que o ensino médio é necessariamente profissional? Segundo Cláudio, não. "O que aponto é o seguinte: se o trabalho é princípio educativo, não tem sentido dizer que é princípio para uns e não para outros. O que justifica o trabalho como princípio educativo é a leitura universal do homem, então não faz sentido que fique restrito a uma modalidade de ensino. Não quer dizer que o ensino médio ou fundamental devam ser necessariamente profissionalizantes. Mas sim afirmar o trabalho como princípio organizador da concepção de educação em todas os níveis", desenvolve.

Objetivamente, isso significa pensar o conhecimento à luz dos processos produtivos modernos e contemporâneos, tornado o conhecimento em algo apropriado por aquele que aprende. "Por uma circunstância social e histórica brasileira, entendemos que essa concepção atingiria fundamentalmente a classe trabalhadora se inserindo na educação profissional, que é tradicionalmente a educação da classe trabalhadora no Brasil. A integração não é uma questão didático-curricular, é antes de tudo uma questão epistemológica, assim como a politecnia. Defendemos a escola unitária, a formação integral, e parte disso é mostrar a justificativa histórica e social dos saberes, a sua fundamentação histórica e social", aprofunda Cláudio.

Diretrizes curriculares debatem concepção de educação profissional

 O debate sobre a concepção de integração na educação profissional aparece de forma enfática também na discussão sobre a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. No ano passado, um Grupo de Trabalho (GT) composto por representantes do Ministério da Educação, Saúde, Trabalho e Emprego, gestores e entidades da sociedade civil apresentou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) uma proposta alternativa à formulada pelo próprio CNE para a atualização das diretrizes.

Francisco Aparecido Cordão, presidente da Câmara de Educação Básica do CNE e relator da proposta original do Conselho, aponta que a principal demanda para a atualização das diretrizes da educação profissional técnica de nível médio são as mudanças introduzidas pelo Decreto 5154 e posteriormente regulamentadas pela Lei 11.741/08. "Agora, temos na lei uma seção sobre a educação profissional técnica de nível médio. Quando se trata de educação básica, temos a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, e a educação profissional técnica de nível médio. A educação técnica de nível médio trabalha a educação profissional sempre desenvolvida de maneira articulada com o ensino médio. Paralelamente a isso também há um capítulo específico sobre a educação profissional e tecnológica, trabalhando as três modalidades de educação profissional: a formação inicial e continuada, ou qualificação profissional, a educação profissional técnica de nível médio, e a educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. Isso precisa se refletir nas novas diretrizes", diz, lembrando que essa perspectiva está provocando que o debate da atualização das diretrizes para a educação profissional técnica de nível médio aconteça de maneira articulada com a atualização das diretrizes para o ensino médio.

Para Cláudio Gomes, que participou do GT responsável pela proposta alternativa de diretrizes representando a EPSJV, existe uma diferença fundamental entre as duas propostas que se expressa de várias formas ao longo dos documentos. "A proposta elaborada inicialmente pelo CNE continua trabalhando fortemente com as referências da pedagogia das competências como princípio de organização curricular. Parte do princípio de uma aproximação formal entre educação básica e profissional, trabalhando com o sentido da empregabilidade, de que a tônica da educação profissional devem ser as demandas do mercado. A atualização das diretrizes nesses termos é um retrocesso", avalia. Ele destaca que a intenção da proposta redigida pelo Grupo de Trabalho foi partir de outro princípio: fazer a crítica à noção de competências e à educação profissional sob a lógica da formação aligeirada e do caráter instrumental da formação. "A intenção foi propor o entendimento crítico do que é educação integrada, que não é uma forma, e sim um princípio".

Já Francisco Cordão avalia que a integração é garantida pelo vínculo formal, e por isso só ocorre na modalidade integrada. Ele avalia também que, para as outras modalidades, as diretrizes devem trabalhar com a articulação: "A palavra usada, inclusive na LDB, é articulação. A efetiva integração ocorre quando o currículo é integrado. Se não há currículo integrado, é preciso aumentar ao máximo o nível de articulação, mas ainda assim serão cursos [de educação básica e profissional] distintos, em instituições e escolas distintas ou não. Mas não existe conhecimento técnico prescindido de conhecimento tecnológico e dos valores da cultura do trabalho. Por isso, o perfil profissional de conclusão que defendemos, quando elenca competências, está pensando em conhecimentos, habilidades, valores, atitudes, emoções: tudo de maneira integrada", defende.

Cláudio Gomes discorda dessa perspectiva. Segundo ele, o documento do CNE, ao basear-se na formação por competências, parte de um princípio instrumental incompatível com a formação integrada. "A noção de competências assume a instrumentalização como princípio máximo de toda experiência vital. Os conhecimentos são esvaziados, e colocados no âmbito da experiência e da sensibilidade individual. A pedagogia das competências diz que é preciso moldar com maior precisão e capacidade de domesticação possível o comportamento do trabalhador, dos jovens de um modo de geral. Quando se fala em ‘valores da cultura do trabalho' não é do trabalho que se fala, e sim das necessidades do capital. As competências são usadas para garantir desempenho eficiente e eficaz para atividades do trabalho".

Francisco Cordão lembra, ainda, que o objetivo do documento formulado pelo CNE era pautar o debate, e que todas as contribuições recebidas estão sendo avaliadas. "Chegaremos a um novo documento incorporando as sugestões encaminhadas. E faremos uma audiência pública para discuti-lo. Esse é o sistema de trabalho do CNE", destaca. Para Luiz Caldas, o documento apresentado pelo CNE foi importante para iniciar o debate: "Do meu ponto de vista, a partir desse documento inicial a mobilização dos educadores públicos construiu uma proposta muito melhor, que coloca a educação profissional na perspectiva da educação para a sociedade, que pensa a formação humana e o trabalhador numa perspectiva integral", defende.

Ensino médio integrado para quem?

Embora seja uma ‘bandeira' da esquerda na educação, o ensino médio integrado à educação profissional nem sempre é defendido a partir de uma perspectiva da educação integral. Ialê Falleiros, professora-pesquisadora da EPSJV que estuda as formas assumidas pela ‘pedagogia da hegemonia' - a educação voltada para a produção do consenso de dominação na sociedade -, explica que as empresas vêm se apropriando da noção de integração para implementar a educação que lhes convém: "O que se chama de integração é, na verdade, uma proposta de simultaneidade curricular. A visão de currículo integrado não aponta a integração apenas na forma, mas também no conteúdo. Mas isso não acontece nesse tipo de proposta, que se pauta pela pedagogia das competências e está muito permeada pelas forças empresariais, pela ideia de empregabilidade e de reprodução e valorização do capital", analisa.

Um exemplo desse processo começa a se materializar no Rio de Janeiro. A partir deste ano, uma nova escola da rede estadual de ensino funcionará na zona oeste da capital oferecendo o ensino médio integrado à educação profissional. O que, até aí, poderia ser considerado uma conquista, assume contornos mais claros quando se conhece a origem do projeto: "O Colégio Estadual Erich Walter Heine é uma parceria da Seeduc [Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro] com a Thyssenkrupp CSA, empresa de iniciativa privada da área de siderurgia, e que oferece o curso de Técnico em Administração, em horário ampliado, com duração de três anos", diz o documento da Seeduc que convoca professores da rede estadual do Rio de Janeiro a trabalhar na nova unidade.

Pela ‘parceria', a Seeduc cadastrará e fornecerá os professores da rede, que atuarão nas disciplinas da base nacional comum e também nas disciplinas técnicas. O portal da Seeduc, ao divulgar as vagas para professores em educação profissional, define: "Trabalhar os conteúdos da Educação Básica e preparar os alunos para o mercado de trabalho. Esta é a proposta do Ensino Médio Integrado. A Secretaria de Estado de Educação está com inscrições abertas para o processo seletivo de escolas que oferecem esta modalidade de ensino", esclarecendo de que concepção de educação profissional se trata.

A ThyssenKrupp CSA Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), que entrou em funcionamento em 2010, é um consórcio entre a transnacional ThyssenKrupp, de origem alemã, e a Vale, multinacional de origem brasileira. Segundo Virgínia Fontes, a parceria entre a Seeduc e a siderúrgica é mais um exemplo de uma nova forma de privatização: "É um processo de privatização do setor público que acontece de maneira discreta. As escolas seguem sendo públicas, só que o setor privado as administra inteiramente e ele próprio as implanta. As escolas são construídas com o dinheiro público, a contratação é paga pelo dinheiro público, porém a empresa define o currículo, o perfil dos professores e, assim, o tipo de formação que será dado para os alunos. É como se a política e as formas de organização do Estado estivessem capturadas para dentro da empresa privada, que define a política com nossos recursos e através do Estado", avalia. E conclui: "A nossa perspectiva do ensino integrado é inteiramente oposta: voltada amplamente para a questão das humanidades, para a cultura, a arte, o pensamento crítico e a implantação do ser no mundo, não busca a adequação e conformação desse ser no mundo como ele é. Essa é diferença entre o horizonte emancipador e a escola que se constrói para forjar trabalhadores dóceis", finaliza.

 

Comentários

Bom dia! Tenho uma filha de 14 anos, ela vai cursar este ano ensino médio como devo obter maiores informações sobre esse projeto de ensino. Meu bairro fica em Jacarepaguá - Rio de Janeiro

entre duas escolas públicas uma Estadual e uma Federal,podem fazer à concomitância à Federal o ensino Profissionalizante e Estadual e ensino eu quero saber se precisa de convênio entre as escolas ou um acordo entre elas. Resposta podem mim enviar para meu e-mail:sterfson@yahoo.com.br