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Em discussão, as diretrizes curriculares para o Ensino Médio

Proposta em análise no CNE aponta educação, trabalho, ciência, tecnologia e cultura como bases do desenvolvimento curricular.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 07/10/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

O Ministério da Educação (MEC) acaba de apresentar ao Conselho Nacional de Educação (CNE) uma proposta de resolução sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Ensino Médio - um conjunto de orientações que devem guiar a concepção e a prática desse nível de ensino. O tema começa a ser debatido ao mesmo tempo em que outra proposta também está em análise - a das diretrizes para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio . E a ‘coincidência' dos tempos favorece o debate sobre a relação entre ensino médio e educação profissional.

O diretor de concepções e orientações curriculares para a Educação Básica do MEC, Carlos Artexes, avalia que as diretrizes curriculares que até o momento regem o ensino médio são muito pouco apropriadas para os avanços que foram sendo conquistados nesse nível de ensino. Ele menciona, por exemplo, que a proposta anterior era muito baseada na pedagogia das competências. Já a nova proposta elaborada pelo MEC apresenta, como pressupostos do ensino médio, a integração entre educação, trabalho, ciência, tecnologia e cultura como base do currículo; o trabalho e a pesquisa como princípios educativos; a indissociabilidade entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem, entre outros.

A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que também coordena o GT Trabalho e Educação da Associação Nacional Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Marise Ramos, também acredita que a pertinência da elaboração das diretrizes neste momento está relacionada aos avanços na concepção de ensino médio. "As diretrizes do ensino médio vigentes, assim como as da educação profissional, correspondem a uma visão que já deixamos para trás. Temos superado a lógica conservadora e mercadológica da vinculação muito estreita da educação com os interesses e a dinâmica do mercado de trabalho que presidiu a elaboração do decreto 2.208/1997 e se desdobrou para as diretrizes do ensino médio e da educação profissional formuladas sob égide desse mesmo decreto", observa. Marise explica ainda que a mudança é necessária juridicamente, já que o decreto 2.208/1997 já foi revogado.

Integração

Para Artexes, as diretrizes para a educação profissional técnica de nível médio, também em discussão no CNE a partir de uma proposta alternativa elaborada por um grupo de trabalho organizado pelo MEC, devem estar articuladas diretamente com as diretrizes gerais do ensino médio. Ele acredita que estas precisam citar a educação profissional, mas que seria papel de uma outra resolução trazer as diretrizes específicas para a educação profissional técnica de nível médio. "As diretrizes do ensino médio são um guarda-chuva do qual deriva a especificidade da educação profissional, porque a educação profissional de nível médio foi incluída no capítulo da educação básica pela lei 11.741 , e ela só pode estar referenciada ao ensino médio", diz.

Marise considera que o ideal seria que um único documento contemplasse todas as modalidades de ensino médio, inclusive a educação profissional. "Quando defendemos a educação profissional técnica integrada ao ensino médio, estamos fundamentando também uma concepção do próprio ensino médio - o ensino médio integrado, que quer dizer integração entre trabalho, ciência e cultura", aposta.

Marise explica que a defesa do ensino médio integrado à educação profissional não significa que todo o ensino médio deve ser dessa forma. "Não defendemos a obrigatoriedade da educação profissional no ensino médio. Mas as concepções, no nosso entender, devem ser as mesmas. O melhor formato seria um parecer que apresentasse as concepções do ensino médio baseadas na integração trabalho, ciência e cultura, na perspectiva da educação politécnica, e que contemplasse a integração com a educação profissional como uma das dimensões possíveis, tendo, nesse caso, uma regulamentação específica", detalha.

A pesquisadora reforça que os cursos de educação profissional não integrados à formação geral, nas formas subseqüente e concomitante , também poderiam ser contemplados nas próprias diretrizes do ensino médio. "Esses cursos também são de nível médio, para alunos que ou estão cursando o ensino médio ou que já cursaram", argumenta.

Politecnia

Artexes destaca que a proposta de diretrizes para o ensino médio apresentada pelo MEC é coerente com o conceito de Politecnia. "As diretrizes apontam para um caminho na direção da escola unitária, que não significa formas iguais de ensino médio. Mas sim representa a garantia de uma formação integral para todas as pessoas, para que não haja diferenciação de uma formação ampla para uns e uma formação restrita, instrumental para outros. O ensino médio integrado já supera essa divisão quando defende a articulação com a formação geral, mas o ensino médio é que precisa se aproximar de outras questões e é isso justamente que está por trás da defesa do documento das diretrizes", reforça.

Marise concorda que a proposta de diretrizes apresentada pelo MEC incorpora várias idéias da concepção do ensino médio integrado politécnico. E insiste: "Uma vez que a proposta de resolução incorpora pressupostos do ensino médio integrado na perspectiva da politecnia e integrada à educação profissional, seria possível como política pública se conceber um único documento que regulamentasse o ensino médio no Brasil". A pesquisadora destaca, entretanto, que isso implicaria uma política pública unitária para o ensino médio, o que, na opinião dela, ainda não acontece. De acordo com Marise, um aspecto que demonstra a falta dessa unidade completa de ação é a existência de duas secretarias distintas no MEC para o ensino médio: a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), responsável pela Educação Técnica de nível médio, e a Secretaria de Educação Básica (SEB), que tem entre suas atribuições a coordenação do ensino médio não profissional. "Nós somos um pouco atrevidos: acreditamos que deveria haver uma única secretaria. Mas, independentemente de termos uma única secretaria, o importante é haver uma única política", diz.

A professora alerta para o fato de as duas propostas de diretrizes - tanto a da educação profissional quanto a do ensino médio - se complementarem. "A proposta para a educação profissional técnica de nível médio contempla aspectos importantes não incorporados nesse documento das diretrizes para o ensino médio, e o contrário também é verdadeiro. Por isso, uma possibilidade muito forte seria integrar as duas propostas em uma só", complementa.

Segundo Artexes, a expectativa do MEC é de que o documento seja aprovado pelo Conselho ainda neste ano. Para o professor, as diretrizes podem cumprir um importante papel nesse período de renovação do poder executivo. "Elas podem trazer para a agenda das escolas de ensino médio questões conceituais importantes", afirma. Ele ressalta, entretanto, que há muitas referências e um marco legal já construídos que precisam ser considerados na proposta. "O ensino médio é visto por muitos como uma etapa extremamente difícil e complexa e é mesmo, porque é decisiva para o indivíduo e para a sociedade, então ela é polêmica, seu conteúdo é disputado mais do que outras etapas", comenta.

Projeto político-pedagógico

Outro ponto que o documento produzido pelo MEC enfatiza é o papel do projeto político-pedagógico da escola. "Cabe a cada escola a elaboração do seu projeto político-pedagógico, definido a partir de um amplo e aprofundado processo de diagnóstico, análise e proposição de alternativas para a formação integral e acesso aos conhecimentos e saberes necessários ao desenvolvimento individual, exercício da cidadania, vida pessoal, solidariedade, convivência e preparação para o mundo do trabalho", diz o parágrafo 1º do artigo 4° da proposta. Artexes destaca que, apesar de se falar muito na importância do projeto político-pedagógico nas escolas, na prática, há muita dificuldade para formulá-lo coletivamente. "É difícil que uma comunidade escolar de fato faça uma formulação participativa e que isso seja monitorado pela comunidade. Estamos revalorizando o projeto político-pedagógico das escolas, que continua sendo uma referência fundamental", destaca.

Além das diretrizes para o Ensino Médio, o CNE também está atualizando as diretrizes para a educação infantil e para o ensino fundamental.