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Escolas públicas unidas pela formação de técnicos em saúde

Ministério da Saúde reúne, pela primeira vez, escolas federais, estaduais e municipais em busca de parcerias para ampliar o número de instituições formadoras de profissionais de nível médio para o SUS
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 29/09/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

 Estima-se que dos 2,2 milhões de profissionais atuando em estabelecimentos de saúde no país, 1,2 milhão ocupem postos de trabalho de nível médio. Segundo dados da última Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS), do IBGE, que mapeia serviços públicos e privados, são 889.630 postos ocupados por auxiliares e técnicos. No entanto, a pesquisa não considera os 245 mil agentes comunitários de saúde atuando na Estratégia de Saúde da Família, dentre outros profissionais, como os agentes de combate às endemias, o que corrobora as estimativas de que 60% da força de trabalho em saúde ocupem cargos de nível médio.

De acordo com a coordenadora-geral de Ações Técnicas do Departamento de Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (Deges/SGTES/MS), Clarice Aparecida Ferraz, a maioria desses trabalhadores não possui a devida qualificação e formação para exercer as funções que desempenha. Daí a meta do Ministério da Saúde ser ambiciosa: todos os anos, até 2014, o objetivo é formar 94,7 mil trabalhadores de nível médio.

Encarado como primeiro passo para a consolidação de uma ampla parceria entre instituições públicas capazes de responder ao desafio, o Seminário de Educação Profissional Técnica de Nível Médio para a Saúde, promovido pela SGTES entre os dias 30 e 31 de agosto, em Brasília, reuniu um público diversificado. Dentre os cerca de 400 participantes, estavam representantes de Escolas Técnicas do SUS (ETSUS), Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), escolas estaduais, municipais e filantrópicas. Mas não só: também estiveram lá representantes dos trabalhadores e dos gestores, além membros dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE) e universidades.

“Nós estamos, hoje, com uma representação de norte a sul do país. Isso é forte quando pensamos em dar capilaridade à formação para um SUS que deseja estar e, portanto, precisa formar trabalhadores em todos os municípios brasileiros. Nosso desejo é que possamos, de fato, construir um debate articulado para então projetarmos um novo cenário para a educação profissional na área, colocando em relevância a defesa do ensino público e do Sistema Único de Saúde”, resumiu Clarice Ferraz, no início do evento.

 A abertura oficial contou com a presença do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que relacionou a relevância crescente das políticas de formação técnica – como o Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio na Saúde (Profaps) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) – com um projeto de país mais democrático e menos elitista.

“Na época do debate sobre a expansão da Rede Federal, uma das questões mais importantes era romper com o preconceito incutido por parte das elites e da academia e, ás vezes, assumido pelo conjunto da população, de que ter uma profissão significava ter título de nível superior”, lembrou o ministro, acrescentando: “Esse país tinha um projeto para poucos e não apostava naquilo que há de mais importante para uma nação, que é a capacidade de gerar conhecimento e garantir oportunidades para o conjunto do povo brasileiro e, com isso, formar e mudar a atitude das pessoas, fazendo com que elas assumam cada vez mais habilidades e competências para dar conta dos problemas que o país lhes apresenta”.

Agenda de desenvolvimento

As grandes transformações pelas quais o país vem passando, que culminaram na ascensão econômica de dezenas de milhões de pessoas na última década (ver entrevista na p. 18), tem profundas implicações na saúde, de acordo com as análises de Alexandre Padilha e do gerente da Área de Sistemas e Serviços de Saúde da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/Brasil), Felix Rígoli.

Convidado para contextualizar a formação de técnicos na esfera internacional, Rígoli afirmou que o Brasil é um caso único pela celeridade com que as mudanças ocorrem. “Como se faz saúde sem pessoas? Por trás do lema do Ministério da Saúde de ampliar o acesso com qualidade está um ponto-chave que é a formação de profissionais capacitados para fazer o que têm que fazer, nos lugares onde são necessários”, avaliou, especificando: “Embora este esteja entre os desafios de todos os países da América Latina e do mundo, aqui existe uma característica peculiar que é a rapidez da incorporação de tecnologias e novas estruturas de saúde. Esses 35 milhões de pessoas que saíram da pobreza nos últimos anos querem ter saúde de qualidade, assim como querem ter televisão de LCD ou viajar de avião”.

Já Padilha, lembrou que o Brasil é o único país com mais de cem milhões de habitantes a ter um sistema universal. “Quem diria há 50 anos que o Brasil assumiria um desafio que é único? A China não fez isso e não faz até hoje; nem a Índia, o Paquistão, a Indonésia e os Estados Unidos. Quem chega mais perto é a Inglaterra, com 60 milhões. Uma das nossas grandes referências, o Canadá, tem 34 milhões – e este é o número de brasileiros que nós tiramos da miséria e colocamos na classe média durante os oito anos do governo Lula. É uma realidade que, às vezes, nós do SUS não assumimos ou não percebemos”, ponderou.

Ainda de acordo com o ministro, para enfrentar os impasses de consolidação do Sistema Único e cumprir o lema de sua gestão, o trabalhador de nível médio será fundamental, assim como afastar as ideias preconcebidas sobre essa formação. “Não cabe mais a visão preconceituosa, que por muito tempo se perpetuou, de apostar na formação do nível médio porque é mais barato, mais rápido, mais fácil”, reforçou, acrescentando: “Vamos formar porque para a realidade do hospital, das unidades de saúde, da prevenção, é fundamental o conjunto de habilidades e competências do profissional de nível médio”.

Segundo Padilha, essa realidade pode ser mais bem compreendida à luz dos recentes resultados da auditoria promovida pelo Ministério da Saúde nos mamógrafos do país. Envolvendo o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e os conselhos de secretários de saúde estaduais (Conass) e municipais (Conasems), a força-tarefa checou todos os 1.700 mamógrafos credenciados pelo SUS, quantidade que, de acordo com o ministro, daria para fazer duas vezes a necessidade de exames nas mulheres dentro da faixa etária de rastreamento (entre 50 e 69 anos). No entanto, a atual capacidade de produção é a metade da ideal.

“Quando a gente vai identificar quais são os problemas, 20% dos mamógrafos não produzem porque não há técnicos em radiologia em suficiente número para isso no país; 18% não funcionavam porque tinham problemas na manutenção e isso acontecia porque não tinha assistência técnica o suficiente para garantir isso”, enumerou, concluindo: “Poderia falar da expansão e qualificação da nossa hemorrede, poderia falar da baixa qualidade dos nossos exames de citopatologia... É uma grande dificuldade expandir garantindo qualidade para isso”, admitiu.

Se por um lado existem problemas na racionalização dos equipamentos e, por outro, na formação dos profissionais que vão operá-los, Felix Rígoli avalia que a complexidade do segundo problema é maior. Na opinião dele, é muito mais fácil para um país como o Brasil, que já desenvolveu um complexo industrial na área da saúde, incorporar novos equipamentos para qualificar o SUS – e até mesmo desenhar políticas de cuidado – do que qualificar os profissionais.

“Através da Opas estamos fazendo um projeto de desenvolvimento de um novo sistema de ultrassonografias. Fazer mais ultrassonógrafos não vai ser mais difícil do que ‘fazer’ pessoas que possam operar o equipamento. Uma rede de câncer, de detecção precoce, prevenção, é relativamente fácil de desenhar, mas quem são as pessoas que vão fazer a citologia, os exames complementares? Existe mais facilidade para fazer aparelhos do que para criar o profissional”.

Contexto internacional

 E se é verdade que há urgência em formar, também é preciso que se garanta a qualidade dos profissionais que serão formados. “Aí tem um desafio que pode ser preenchido simplesmente por uma formação do tipo ‘McDonald’s’ ou pode ser feito de uma forma organizada e ordenada”, alertou Rígoli, que durante sua exposição, chamou a atenção para a importância do papel do Estado em exercer a regulação, tanto da formação quanto do ordenamento de questões relacionadas mais diretamente ao mundo do trabalho. De acordo com ele, no mundo todo, os trabalhadores de nível médio representam de 30% a 35% da força de trabalho em saúde. “Os estudos mostram que essa é uma categoria que está caracterizada por ‘saber-fazer’ procedimentos, utilizar tecnologias e alguns formatos de cuidado e, muitas vezes, esse ‘sabe-fazer’ é o que caracteriza a profissão”, definiu.

No entanto, duas características diferem de um país para outro: o grau de autonomia do técnico, ou seja, se ele desempenha suas atividades dentro ou fora de estruturas supervisionadas, e se sua prática profissional é ou não regulada pelo Estado. “Acho que em algum momento a sociedade, não só daqui, como de outros países, vai ter que criar um marco de como se pode regular e normatizar não só a prática como também a formação do técnico, porque, no final das contas, o cuidado e a regulação de uma pessoa que lida só com informação deve ser diferente daquela que lida com cuidado”, exemplificou.

De acordo com ele, em alguns países há até 250 nomenclaturas diferentes para identificar profissionais na área da saúde e, mesmo dentro de um mesmo país, pode haver outras classificações de acordo com estados e províncias. “Também não temos aqui, como não temos em geral nas profissões de saúde, um consenso internacional de qual é a lista básica de técnicos na área de saúde, até porque o desenvolvimento tecnológico vai criando desdobramentos, mercados laborais que a formação tenta preencher de uma forma às vezes não muito adequada”, ponderou.

Ainda no terreno da formação de técnicos para a área da saúde, Rígoli refletiu sobre o domínio do setor privado sobre o público. “Um aspecto que chama muita atenção é como esses 30% ou 35% de trabalhadores constituem o grupo provavelmente mais deixado na mão da formação de escolas privadas”.

De acordo com ele, as estatísticas de diferentes países mostram que existem de oito até 20 escolas privadas para cada instituição pública. Felix defende que, mesmo as escolas particulares obedeçam à ordenação do Estado. “Não estou criticando que exista a formação privada, mas dizendo que é necessário esse esforço de fazer o papel do SUS e, portanto, do Estado de organizar e dizer para quê precisa desses profissionais e que tipos de profissionais, para atuar em quais lugares”.

Diagnóstico brasileiro

Em bora não tenha um diagnóstico preciso da demanda envolvendo todas as habilitações técnicas que guardam interface com a saúde, a SGTES, junto com estados e municípios no âmbito da Comissão Intergestores Bipartite (CIT), discute há algum tempo a necessidade de formar profissionais estratégicos para o SUS.

Foi assim que, em 2009, surgiu o Profaps, com o objetivo de fomentar cursos estratégicos, como os técnicos em Citopatologia, Radiologia, Hemoterapia, Vigilância em Saúde, Patologia Clínica, Prótese Dentária, Manutenção de Equipamentos, Enfermagem e Saúde Bucal. No programa, onde já foram investidos R$ 65 milhões, também são incentivadas a qualificação dos agentes comunitários de saúde e o aperfeiçoamento na área de Saúde do Idoso para trabalhadores de nível médio das equipes da Saúde da Família e de instituições de longa permanência. Atualmente, as Escolas Técnicas do SUS são as únicas a formar pelo Profaps.

“Nós temos um cenário político e jurídico que define o Sistema Único de Saúde, mas também define em seus princípios de organização, que cabe ao SUS ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde. Esse é o tema desse seminário: como é que, de fato, podemos encarar o desafio da ordenação da formação no país?”, provocou Clarice Ferraz, durante sua apresentação.

De acordo com ela, a busca por parcerias que ampliem para além da RET-SUS as possibilidades de formações técnicas e também de qualificações previstas pelo programa, é um marco importante para a ordenação da formação de nível médio. “Precisamos pensar no conjunto de profissões que precisam de formação. Nesse sentido, todas as escolas que foram chamadas para este seminário têm uma aproximação em formar na área da saúde. É claro que a grande maioria tem expertise para formar na área de enfermagem, pois ainda temos poucas instituições públicas que se dedicam às formações que estão incluídas no Profaps”.

Clarice explicou ainda que a meta de formação de 94,7 mil está inscrita na estratégia do plano do Ministério da Saúde para o período 2011-2014, em que cabe à SGTES “contribuir para a adequada formação, alocação, qualificação, valorização e democratização das relações dos profissionais e trabalhadores da área da saúde” e, em especial no campo dos trabalhadores de nível médio, o objetivo é ampliar a formação técnica por meio do fortalecimento político, pedagógico, físico e administrativo das ETSUS.

“Trabalhamos com a RET-SUS, 36 escolas que têm se dedicado, ao longo de dez anos, a compreender o que é formar em diferentes áreas da saúde. Mas, são as escolas públicas, juntas, que podem responder a essa meta, que é uma demanda do Ministério da Saúde, mas é, antes de tudo, uma demanda da sociedade, que pede que esses trabalhadores de fato sejam formados para que o atendimento seja de maior qualidade”.

Panorama nacional

Há hoje, no país, 1.514.794 matrículas em cursos técnicos; destas, a maioria, 541.333, é na modalidade subsequente ao ensino médio, 240.242 na modalidade concomitante e 194.727 na modalidade integrada, sendo que 538.492 registros não têm especificação. Desse conjunto de matrículas, estão registradas 19.428 turmas de cursos técnicos, sendo que 2.302 na rede federal, 17.068 na estadual e 58 na municipal. A iniciativa privada tem 8.077 turmas, contra 7.046 das escolas públicas, 3.358 do Sistema S e 47 da rede militar.

 Esses e outros dados foram apresentados pela diretora de Políticas da Educação Profissional e Tecnológica da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC), Simone Valdete dos Santos, com base no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (Sistec).

Ao fazer um recorte para a área da saúde, Simone informou que estão registradas 3.199 turmas dentro das escolas privadas, 980 em escolas públicas, 593 no Sistema S, e somente uma na rede militar, de formação de técnicos de enfermagem, no Rio de Janeiro. De acordo com cálculos da diretora de Políticas da Setec, o curso da área da saúde com maior número de matrículas é o Técnico em Enfermagem (250.576 vagas, sendo que 212.048 são pagas, 35.982 são gratuitas e 2.546 conveniadas); seguido pelo Técnico em Radiologia (43.370 matrículas, respectivamente, 41.376; 1.788; e 206).

“Vemos, no entanto, que quando a gente faz política pública focada, percebemos o resultado. É o caso do curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde, onde a oferta é majoritariamente pública. São 14.126 matrículas; sendo que 13.859 gratuitas, 233 pagas e 34 conveniadas”, destacou.

Na avaliação de Simone, o desafio número um da Setec é ampliar as matrículas públicas na área da saúde. “Hoje temos 1.514.794 de matrículas e a meta do governo Dilma é que sejam oito milhões até 2014. Nesse sentido, a meta do Ministério da Saúde de 94,7 mil matrículas ao ano é excelente para somarmos à meta do Pronatec”, afirma, completando que a adesão das escolas estaduais ao Brasil Profissionalizado, uma das ações abrigadas no Pronatec, será importante para alavancar essa oferta. “Está prevista a ampliação de recursos para o Brasil Profissionalizado, que é um convênio da União com os estados, onde cada estado pactua o número de escolas técnicas que pretende construir. Pelo programa também é possível construir salas de aula e laboratórios e investir na formação de professores”, informou.

Palestrante do seminário, Geraldo Grossi, do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCEE), também trabalhou com informações retiradas do Sistec. Trazendo dados de 2010 referentes ao estado do Mato Grosso e da região Centro-Oeste, ele propôs à plateia algumas reflexões sobre o crescimento de determinadas formações, impulsionadas por modismos de mercado e não necessariamente pelo SUS.

De acordo com o levantamento, em Mato Grosso, por exemplo, os três cursos que mais têm matrículas são o Técnico em Enfermagem (3.326) seguido pelo Técnico em Segurança do Trabalho (3.206) e pelo Técnico em Meio Ambiente (1.441) sendo que, nos dois primeiros casos, a oferta privada supera em muito a oferta pública de vagas.

“Qual é a relação do SUS com as instituições privadas para influenciar ou induzir a formação desses profissionais. Existe uma interlocução com o sindicato das escolas privadas para verificar como está sendo trabalhado o currículo nessas escolas tendo em vista que estes alunos serão potencialmente trabalhadores do SUS?”, questionou Geraldo.

Em sua opinião, o fato do técnico em segurança do trabalho ser uma profissão regulamentada, com piso salarial, incentiva a população a buscar a formação. “É um motivador muito grande para os alunos e ainda mais para as escolas privadas oferecerem, tendo a certeza da ocupação das vagas. É importante pensarmos também em relação à remuneração quando pensamos em políticas de educação em saúde”, destacou.

Em relação ao Centro-Oeste, os cinco cursos técnicos com mais matrículas são, respectivamente, Enfermagem, Segurança do Trabalho, Radiologia, Meio Ambiente e Análises Clínicas. “Radiologia, assim com Segurança do Trabalho, é um curso da moda, até porque também tem profissão regulamentada e uma carência muito grande no país como um todo. A enfermagem, também pela demanda, é uma das carreiras mais necessárias. Mas somente em Brasília, há mais de cinco mil pessoas fazendo o curso Técnico em Enfermagem. Qual é a relação entre esses formandos e os postos de trabalho do DF?”, provocou.

ETSUS e IFs

 Maria Ivanilia Timbó, representando a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), e Cláudio Ricardo Gomes de Lima, presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) apresentaram em uma mesa do seminário a realidade de cada uma das redes.

Coordenadora da Educação Profissional da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE) e representante das ETSUS do Nordeste na Comissão Geral de Coordenação da RET-SUS, Maria Ivanilia resgatou a história de constituição das escolas para demonstrar como as instituições se articulam com serviços de saúde, qualificam e atendem às demandas de formação e capacitação da força de trabalho no SUS.

“Antes de mais nada, é preciso explicar que as ETSUS são instituições públicas criadas para atender às demandas locais de formação técnica dos trabalhadores que já atuam nos serviços de saúde, acompanhando o processo de municipalização do SUS no Brasil”, informou.

Ivanilia lembrou que a origem das instituições remonta ao Programa de Formação em Larga Escala de Pessoal de Nível Médio e Elementar para os Serviços Básicos de Saúde – mais conhecido como ‘Projeto Larga Escala’ –, iniciado em 1985, e ao Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (Profae), criado em 1999.

Para atender à missão de formar os trabalhadores de nível fundamental e médio já inseridos no Sistema Único, a representante das ETSUS do Nordeste explicou que as escolas desenvolveram, ao longo de sua história, características especiais, como a descentralização da oferta de cursos mantendo os processos administrativos centralizados; a utilização das unidades de saúde como espaços de aprendizagem; o uso de profissionais do próprio serviço de saúde como docentes; a adequação do currículo ao contexto regional; e a adoção da integração ensino-serviço como princípio educativo.

Ivanilia destacou ainda a importância da criação da RET-SUS, em 2000, como estratégia de articulação, troca de experiências, debates coletivos e construção de conhecimento em educação profissional em saúde. “A RET-SUS tem uma importância fundamental, visto que tem a missão de formar trabalhadores, se constituindo uma importante ferramenta de consolidação do SUS, capaz de fortalecer a qualidade de resposta do serviço às necessidades da população”, concluiu.

 Cláudio Ricardo também recorreu à história para falar sobre o papel das instituições da Rede Federal. “Essas escolas tem origem em 1909, quando o presidente Nilo Peçanha criou escolas de aprendizes e artífices. A ideia vigente na época era de que o ensino profissionalizante deveria atender à população ‘desassistida pela fortuna’, como está escrito no decreto de criação da rede”, afirmou.

Passando por marcos como a criação dos primeiros Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), em 1978, e a formação de uma rede nacional, em 1990, o presidente do Conif destacou 2004 como o ano em as políticas federais para a educação profissional foram reorientadas, movimento que resultaria, em 2008, na promulgação da Lei 11.892 que criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs).

“Apesar de serem sucedâneos das escolas e Cefets, os Institutos representam algo novo porque têm enorme mobilidade vertical, atuando desde o ensino médio à formação stricto sensu, com o eixo de transversalidade do ensino, da pesquisa e da extensão”, explicou.

Gomes ressaltou ainda que de acordo com essa lei, os IFs destinam metade das vagas para a educação profissional técnica de nível médio. “O que contribui para reduzir uma distorção enorme, pois, mundo afora, quando se relaciona proporção entre trabalhadores de nível superior para trabalhadores de nível médio, essa relação fica, em média, em um para cinco, respectivamente. No Brasil isso se inverte, ficando de um para dois. Não que a oferta de ensino superior seja abundante; a oferta do técnico é que é exígua”, apontou.

Ainda de acordo com ele, embora tenha maior tradição em cursos da área agrícola, a Rede Federal vem avançando na oferta de cursos na área da saúde. Das 354 unidades existentes hoje, 108 ofertam 18 habilitações técnicas, sendo que, no total, são contabilizados 178 cursos.

Perspectivas

 A plenária de encerramento do seminário foi iniciada com uma compilação de informações sobre as instituições formadoras que responderam ao questionário da SGTES, onde foram apontadas perspectivas para a continuidade da parceria. Apresentada pela consultora da Coordenação de Ações Técnicas, Maria Auxiliadora Christófaro, a síntese ‘Possibilidades e estratégias de ampliação da oferta de cursos profissionais técnicos de nível médio: encaminhamentos’ informou que, dentre aqueles que responderam, havia 102 escolas estaduais, 20 ETSUS, nove IFs e cinco escolas técnicas ligadas a universidades.

O curso que apareceu com maior frequência no questionário foi o Técnico em Enfermagem. Dentre os 28 cursos do eixo ‘Segurança, Saúde e Ambiente’, também constaram nas respostas das instituições de forma significativa a formação do agente comunitário de saúde e dos técnicos em análises clínicas e controle ambiental.

lgumas escolas já oferecem cursos pós-técnicos, como as especializações em CTI Neonatal, Enfermagem do Trabalho e Centro Cirúrgico. Também houve registros de cursos realizados pela estratégia da Educação a Distância (EaD), como o Técnico em Enfermagem e o Técnico em Vigilância em Saúde.

Alguns dos cursos que constaram nas respostas das escolas não estão catalogados pelo MEC e, portanto, os diplomas expedidos pelas instituições não têm validade nacional. É o caso do Técnico em Cuidador de Crianças em Creche e do Técnico em Cuidador de Idoso. Há, por outro lado, uma grande demanda pelo curso de Reabilitação de Dependentes Químicos, previsto pelo Catálogo.

A faixa etária dos estudantes das instituições pesquisadas varia entre 14 e 40 anos. A maioria não é trabalhador da área da saúde, o que caracteriza a chamada ‘demanda aberta’. No que se refere ao corpo docente das instituições, há recorrência de bacharéis em Letras, Geografia, História, Economia, Ciências da Computação e Serviço Social dentre os cursos fora da área da saúde. Também é comum encontrar docentes formados em Enfermagem, Psicologia, Odontologia, Medicina Veterinária, Farmácia e Biologia. De acordo com o levantamento, a maior parte dos professores não tem vínculo direto com as escolas.

Falta de professores; insuficiência ou dificuldade de estabelecer parcerias junto a unidades de serviços de saúde para o desenvolvimento dos estágios; e infraestrutura deficiente da instituição, como falta de laboratórios específicos, foram apontadas como dificuldades para a ampliação da oferta de cursos técnicos na área da saúde.

De acordo com a análise, existem duas possibilidades de parcerias entre as instituições e a SGTES, dada à diferença de clientela. Se o foco for atender aos trabalhadores já inseridos no Sistema Único, como fazem as ETSUS, a escola poderá ser parceria direta da SGTES e a negociação base vai ser feita nas instâncias de pactuação do SUS, como a Comissão de Integração Ensino-Serviço (CIES) e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB). Nesse caso, a instituição poderá contar com a assessoria da Coordenação de Ações Técnicas e das Escolas Técnicas do SUS.

Caso a instituição deseje continuar a trabalhar com a demanda aberta, a segunda possibilidade de parceria é que o curso oferecido seja prioritário para o SUS, de acordo com o Profaps. “Claro que podemos vir a ter novas profissões, especialmente se olharmos para as redes de atenção desenhadas pelo Ministério da Saúde, como a linha de cuidado ao usuário de álcool, crack e outras drogas. No entanto, temos uma demanda real e imediata no SUS para as habilitações do Profaps e precisamos responder a ela, sem, é claro, negligenciar o processo de ampliação”, explicou Clarice Ferraz.

Ainda de acordo com a coordenadora-geral de Ações Técnicas, a imagem do processo também é importante para analisar o próprio seminário e as várias etapas que ainda serão necessárias para construir uma parceria ampliada entre o Ministério da Saúde e as escolas técnicas e Institutos Federais. No âmbito da articulação interministerial, Clarice destacou que um instrumento facilitador será a criação de uma subcomissão entre a Setec e a SGTES.

“Em 2007, o presidente Lula fez um decreto que criou a Comissão Interministerial de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, com a premissa básica de que ela possa identificar periodicamente a demanda quantitativa e qualitativa de profissionais de saúde no âmbito SUS. O decreto abriu a possibilidade da criação de subcomissões, como esta de educação profissional que deve entrar em vigor através de portaria brevemente”, anunciou, ela, informando que a proposta da Coordenação é que outros eventos, dessa vez centrados regional ou mesmo localmente, sejam realizados.

Homenagem

 Aos 87 anos, a história de Ruth Gouvea de Bundesen se confunde com a história do Centro de Formação de Recursos Humanos (CEFORH) de Pariquera-Açu, instituição que dirige há 40 anos. Como reconhecimento à tamanha dedicação à educação profissional dos trabalhadores do SUS, o ministro Alexandre Padilha, a diretora de Programas da SGTES, Ana Estela Haddad, e a coordenadora-geral de Ações Técnicas, Clarice Aparecida Ferraz, homenagearam ‘Dona Ruth’, como é conhecida, durante a abertura oficial e o encerramento do seminário.

“Apesar de não me considerar tão merecedora, eu acho que é um investimento do Ministério da Saúde porque isso fará com que eu redobre o meu esforço no meu trabalho, no amor pelo que eu faço”, disse a homenageada.

Padilha, durante sua fala, destacou a importância de pessoas que, como Dona Ruth, já lutavam pela educação profissional desde a época em que o assunto atraía “poucas pessoas, alguns abnegados, defensores e militantes”.

Ao receber uma placa das mãos de Clarice Ferraz, no final do evento, a diretora da ETSUS Pariquera-Açu emocionou os participantes: “Desejo que vocês, mais jovens, tenham uma trajetória parecida com a minha, pois quando terminarem seus dias poderão dizer: ‘fui feliz’. A vida não me deve nada, eu, ao contrário, devo muito a ela”.