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Governo federal envia projeto do novo Plano Nacional de Educação ao Congresso

O PNE traz 20 objetivos que devem ser cumpridos durante a próxima década. Meta para o financiamento fica aquém do esperado
Raquel Torres - EPSJV/Fiocruz | 21/12/2010 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

São dez diretrizes, 20 metas e mais de 150 estratégias específicas para concretizá-las: o projeto para o novo Plano Nacional de Educação ,enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional em 15/12, contém os objetivos a serem alcançados nessa área de 2011 a 2020. Entre as principais metas estão a universalização do atendimento escolar para a população de até 17 anos; o oferecimento de educação em tempo integral em metade das escolas públicas de educação básica; a erradicação do analfabetismo; o aumento, em 100%, do número de matrículas na educação profissional de nível médio; a implementação de planos de carreira para o magistério; a garantia de que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior; e o aumento do rendimento dos profissionais do magistério. Para dar conta de tudo isso, o projeto estabelece que o investimento público em educação deve aumentar progressivamente até atingir 7% do Produto Interno Bruto (PIB). 

Na verdade, muitos desses objetivos já estão presentes no PNE que se encontra em vigor atualmente , desde 2001: a erradicação do analfabetismo e a implementação de planos de carreira para professores são exemplos disso. Mas, então, o que deu errado para que as metas do atual PNE não tenham sido realizadas, e como garantir que o novo Plano vai dar certo? 

Cultura de planejamento

Para o professor Dermeval Saviani, uma das dificuldades vem do fato de não haver, no Brasil, uma prática instalada de operar segundo planos: “Não há uma cultura de planejamento. O que prevalece, regularmente, é a improvisação, são os objetivos imediatos. Algumas metas do Plano atual foram atingidas, mas, em geral, quando isso acontece, não é  porque os ditos sistemas municipais ou estaduais têm o PNE em mente e trabalham em sua direção, mas por conta de metas próprias, por interesses próprios. Tanto é que boa parte dos estados e municípios jamais elaboraram seus planos estaduais e municipais de educação subordinados ao PNE, como deveria ter sido feito”, diz.

O professor aponta que, para mudar isso, é preciso ter tanto medidas de maior articulação entre os entes federados quanto de maior cobrança e pressão. “Hoje se defende a lei de responsabilidade educacional – um mecanismo para induzir essa cultura de planejamento. Com ela, o não-cumprimento de determinados dispositivos (sejam dispositivos constitucionais, da Lei de Diretrizes e Bases ou do PNE) levaria à responsabilização das autoridades”, afirma.

O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, afirma que outra razão para a não-concretização das metas é a fragilidade do financiamento da educação. “É um fracasso que o Brasil reproduza, neste plano, as mesmas metas do anterior, simplesmente porque não teve capacidade de cumpri-las”, diz. Para o PNE em vigor atualmente, já se havia estabelecido que o investimento público na área deveria ser de 7% do PIB, mas, quando da aprovação do Plano, houve um veto presidencial a esse item.  

Recursos financeiros: sempre um problema

Essa preocupação esteve presente durante a Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada no primeiro semestre deste ano com o objetivo de definir as bases para a construção do novo PNE. Por isso, o documento final da Conae apontava a necessidade de que, já no início do ano que vem, o investimento público em educação passasse para 7% do PIB, e que fosse aumentado progressivamente até atingir 10% já em 2014.  

Diante disso, segundo Daniel, a meta relacionada ao financiamento no novo projeto é muito tímida. De acordo com a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC) Maria do Pilar Lacerda, a resolução da Conae era impossível de ser cumprida. “É o mesmo que fazer um documento e dizer que teremos, no ano que vem, o PIB da Inglaterra. Não se faz isso de um ano para o outro. Por isso, fizemos uma meta factível, realista e que possibilita que atinjamos as metas”, argumenta.  

Daniel, que fez parte da comissão organizadora da Conae e chegou a dialogar com o governo recentemente, durante a construção do projeto, afirma que o texto final foi uma surpresa: “De fato, o governo já havia considerado a proposta da Conae impossível de se realizar. No entanto, havíamos conseguido negociar que aumentaríamos os investimentos progressivamente para 7% já em quatro anos. Tivemos uma surpresa ao vermos o texto divulgado, que dá ao país a década inteira para alcançar esse percentual”, diz.

Para o professor Saviani, essa questão é o “calcanhar de Aquiles” de ambos os Planos – ele discorda de que o aumento gradual dos investimentos seja a melhor solução, e acredita que essa seja uma questão de assumir prioridades. “Sou contra essas doses homeopáticas. Acredito que deveríamos imediatamente duplicar os recursos – ou seja, passar agora de 5% para 10% do PIB. É preciso se assumir claramente a posição de traduzir, na prática, o que todos os discursos admitem na teoria: a prioridade efetiva da educação”, afirma.

Sistema Nacional de Educação

Essa não é a única diferença entre o projeto de Plano e as deliberações da Conae. O tema da Conferência era a construção de um Sistema Nacional de Educação (SNE), mas esse termo não aparece, em nenhum momento, no novo projeto. “Essa é uma das maiores críticas ao documento. O Sistema Nacional é uma missão constitucional do Plano e não está nem citado no projeto. O executivo e o legislativo simplificaram a missão constitucional do próprio Plano”, diz Daniel. 

Saviani também critica essa posição, mas, de acordo com ele, mesmo na Conae a definição do SNE já estava frágil. “Havia uma concordância de que a instalação do sistema era necessária, mas não havia propriamente a preocupação de elaborar e formular uma proposta, uma arquitetura, uma concepção de SNE”, diz. De acordo com ele, existe uma relação de dependência mútua entre a implementação do sistema e o funcionamento do Plano: “Se, por um lado, o sistema opera tendo como referência as metas fixadas no plano e é no âmbito de atuação do sistema que essas metas podem ou não ser atingidas, por outro lado, o Plano só se torna exequível se tiver suporte em um sistema nacional, porque as metas são fixadas em âmbito nacional. Assim, o desejável seria que, ao lado do envio do PNE, se encaminhasse também a proposta de implantação do SNE”, 
defende.

Educação profissional 

Na educação profissional de nível médio, a principal meta do novo PNE é duplicar as matrículas. Para alcançar isso, o projeto aponta uma série de estratégias e, entre elas, estão a expansão das matrículas nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets), levando em consideração a vinculação com os arranjos produtivos e sociais locais; a expansão da educação profissional na modalidade a distância; e a ampliação da oferta de matrículas gratuitas em instituições privadas de formação profissional e de educação superior que ofereçam cursos técnicos. 

Para Isabel Brasil, diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), é importante que se deseje fortalecer a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, mas é preciso tomar cuidado com os itens do projeto que levam também ao fortalecimento da rede privada. “Destinar recursos públicos exclusivamente para a escola pública é uma bandeira antiga que precisa ser reavivada”, afirma. Aliás, essa também foi uma das demandas da Conae, que aprovou, em seu documento final, que as verbas públicas deveriam ser aplicadas exclusivamente em instituições públicas.

Isabel afirma ainda que o mesmo cuidado deve ser tomado ao se observarem os arranjos produtivos locais para instituir a expansão da Rede: “É positivo pensar a relação com os territórios, mas que vozes do território serão ouvidas? Serão apenas as das demandas, as do mercado?”, pondera. 

Além disso, ela afirma que a expansão da educação profissional por meio de cursos a distância seria negativa. “Isso não significa que não devam ser utilizadas tecnologias da informação e comunicação – tecnologias que mediam a comunicação – na educação, mas que as discussões em uma 
escola e a formação cultural dos estudantes são fundamentais, e não ocorrem a distância. Acredito que, na educação profissional, sobretudo quando integrada à educação básica, o espaço da escola é importante para articular trabalho, cultura e ciência”, defende a diretora.

Tramitação no Congresso 

Antes de ser aprovado, o projeto precisa tramitar na Câmara e no Senado e, depois, receber a sanção do presidente. Segundo Daniel Cara, todo o processo ainda deve levar cerca de um ano e meio, de modo que o Plano, que teoricamente vale entre 2011 e 2020, só deve entrar em vigor a partir de 2013. De acordo com ele, as críticas ao projeto devem servir de ponto de partida para a intervenção no Congresso, durante a tramitação. “Agora, precisamos exigir, durante esse processo, que o texto seja modificado para que haja uma relação maior entre o que foi aprovado pela Conae e o que vai ser expresso no plano”, diz.

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