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Lógica mosquitocêntrica

A estratégia do combate químico ao Aedes aegypti adotada nacionalmente há 20 anos se mantém na emergência da zika mesmo sem resultados positivos para mostrar
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 01/03/2016 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

'Um país inteiro não pode ser derrotado por um mosquito”, Brasil, 1996. “Um mosquito não é mais forte que um país inteiro”, Brasil, 2016. Não fossem os 20 anos que as separam, se poderia supor que essas frases foram ditas no mesmo contexto, movidas por um mesmo problema. Nada mais falso. Nada mais verdadeiro. Quando a primeira delas foi empregada, o objetivo era mobilizar a população contra a crescente onda de epidemias de dengue que tomava o território nacional. Apesar de a doença, àquela altura, estar instalada por aqui há mais de dez anos, o chamado quase cívico preparava a narrativa que faria parte da vida dos brasileiros até hoje: estamos em guerra. Contra um mosquito.

O inseto em questão é o Aedes aegypti, um velho conhecido que no começo do século passado foi o vetor responsável pela propagação da febre amarela e, no início deste, porta os vírus da dengue, chikungunya e zika. O que vem sendo chamado de tríplice epidemia ligou a sirene e dirigiu os holofotes do mundo para o Brasil, a partir de um fenômeno que tem sido caracterizado como uma das maiores tragédias recentes na Saúde Pública: a multiplicação de casos de microcefalia. É nesse contexto que, mais uma vez, o mosquito se transforma em inimigo nacional e, por obra dessa narrativa, monopoliza todas as atenções, não deixando muito espaço para avaliações alternativas. “Parece óbvio que precisamos fazer a seguinte pergunta: onde erramos?”, questiona o engenheiro ambiental André Monteiro, da Fiocruz Pernambuco. Para começar a responder a pergunta, é preciso voltar ao início da matéria para perceber que, apesar de décadas de mudanças, uma coisa continua igual (e ineficaz): a estratégia.

Com o foco no mosquito

Há 20 anos consecutivos, o governo federal tem liderado o esforço para combater o Aedes aegypti no Brasil. Isso aconteceu por causa da dengue. A doença foi reintroduzida no país em 1976. Mas eram casos esparsos. A primeira grande epidemia ocorreu cinco anos depois em Boa Vista (RR), com 12 mil casos comprovados. Em 1986, o contágio se estendeu a enormes proporções no Rio de Janeiro: estima-se que 500 mil pessoas tenham sido infectadas. Desde então, a dengue ia embora, mas sempre voltava. Até que ficou de vez. A doença se tornou endêmica na década de 2000, quando todos os estados brasileiros começaram a registrar transmissão contínua. Em 2015, bateu recorde de casos notificados, chegando a 1,64 milhão. No ano passado, a dengue também matou mais do que nunca: foram 863 óbitos.

“Esse modelo centrado exclusivamente no combate ao mosquito não impediu a dispersão do Aedes no território nacional. Não impediu que a dengue se tornasse endêmica no Brasil. E não impediu que uma doença que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerava benigna alcançasse o grau de mortalidade que vemos hoje”, resume Lia Giraldo, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisadora aposentada da Fiocruz. A médica vem, desde 1998, tentando pautar uma revisão na estratégia federal. Isso porque o que se poderia chamar de ‘modelo mosquitocêntrico’ é norteado por uma lógica que delimita e embasa a ação pública em torno do controle químico do Aedes aegypti.

A discussão é atual porque ao decretar, em novembro de 2015, o Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – algo que não acontecia desde a gripe espanhola, em 1917 –, o governo colocou em marcha muitas das engrenagens presentes no enfrentamento de epidemias de dengue. Como em surtos anteriores, quando as ações precisaram ser intensificadas, os agentes de combate às endemias receberam o reforço de bombeiros e soldados. As Forças Armadas disponibilizaram 220 mil militares que estão visitando domicílios e propriedades junto com as equipes de vigilância em saúde dos estados e municípios. O método de trabalho é basicamente realizar a inspeção visual para detectar larvas e pupas do mosquito. Uma vez localizado o criadouro, entra em cena a intervenção tradicional: aplicação de larvicida químico nos reservatórios de água domésticos e públicos. O fumacê, método de fumigação de inseticida para matar mosquitos adultos, também voltou a circular com maior frequência.

“Como a microcefalia foi ligada ao zika e à transmissão do vírus imputada ao Aedes, o governo tem à mão o modelo de controle vetorial da dengue. Só que esse ‘remédio’ é a mesmice que não evitou nenhuma epidemia de dengue. Eles anunciam que o problema é o mosquito. Mas se não resolveram o problema do mosquito para a dengue, como é que agora vai dar certo para zika e chikungunya?”, questiona Lia.

Além do controle químico, o governo tem reunido esforços no apelo ao cuidado individual. Indicativo disso são os motes da atual campanha disseminada intensamente em todo o território nacional para fazer frente à zika: “sábado de faxina – não dê folga ao mosquito da dengue” e “15 minutos são o suficiente para manter o ambiente limpo”. Mas, nos alagados, onde as pessoas moram em palafitas, nas periferias dos centros urbanos, onde o esgoto corre a céu aberto, nas favelas, onde o lixo se acumula no meio da rua, e no interior do nordeste, onde milhares de famílias sofrem continua-mente a falta de água – para ficar em alguns exemplos –, é difícil pensar em uma faxina que dê conta de tais mazelas.

Diante disso, dezenas de pesquisadores articulados na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) tentam colocar o saneamento básico, a reforma urbana e o enfrentamento das desigualdades socioambientais no centro de um debate que tem se resumido a veneno e vacina. “O Brasil é um país que quer ser potência mundial, mas esquece do saneamento e da moradia saudável. Sempre opta por puxadinhos e nunca faz a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma sanitária”, pontua o epidemiologista Fernando Carneiro, pesquisador da Fiocruz Ceará. “São questões estruturantes. Um bom exemplo é a tuberculose. Trata-se de uma doença que tem vacina e antibiótico. Foi extinta? Longe disso. Continua ocorrendo e cada vez em formas mais graves. Isso acontece porque nem vacina, nem antibiótico sozinhos deram conta das péssimas condições em que vivem as pessoas”, ilustra Lia.

Além disso, especialistas de vários matizes alertam para a insustentabilidade do modelo de controle químico. Isso porque a confiança exagerada no uso de inseticidas nos mosquitos pode ter contribuído – e muito – para a manutenção dos altos níveis de infestação do Aedes país afora. Os venenos também se tornam inócuos com o passar do tempo, já que os insetos desenvolvem resistência, e fazem mal à saúde humana e ao meio ambiente. Por fim, a verticalidade da política federal tem contribuído para lançar uma cortina de fumaça em torno de alternativas eficazes, adotadas em vários países e mesmo em municípios que, partindo de outras abordagens, têm obtido sucesso no controle e monitoramento do mosquito. 

 

Marcelo Casal/ABr

Saneamento saiu da agenda

“A saúde pública perdeu a perspectiva das transformações do meio urbano para controlar grandes epidemias”, acredita André Monteiro. Mas, segundo ele, nem sempre foi assim. “Historicamente, o saneamento começa a ser feito nas cidades para dar salubridade a essas áreas”. Foi assim que, no século 19, Londres se viu livre da cólera, mesmo que os cientistas da época não conhecessem a bactéria que causa a doença. “Mas se compreendeu que a cólera estava se espalhando pela água, devido à falta de esgoto, tratamento adequado”.

O engenheiro ambiental conta que, com a descoberta dos agentes patogênicos das doenças, o foco da Saúde Pública foi se restringindo ao desenvolvimento de vacinas e antibióticos para combater vírus e bactérias e à compra de venenos para matar os insetos vetores das doenças. Foi no contexto do boom da indústria química, pós-Segunda Guerra Mundial, que esses produtos começaram a ser amplamente comercializados. Na agricultura, a matança de pragas ficou conhecida como “revolução verde”. Na saúde pública, essas formulações foram aproveitadas para controlar vetores.

Mesmo assim, até os anos 1950, o Ministério da Saúde (MS) desenvolvia ações de abastecimento de água e drenagem com o objetivo de controlar doenças. A coisa mudou de figura nas décadas seguintes, quando a estratégia foi se deslocando das ações estruturantes para o controle químico dos insetos transmissores de doenças como malária e esquistossomose “que até hoje não foram erradicadas”, sublinha André Monteiro. A partir de 1970, com a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) – órgão do MS para controle de endemias –, veio a radicalização: “Para controle da doença de Chagas, por exemplo, a Sucam dava de seis em seis meses um banho de veneno nas casas, quando passar um reboco cobrindo os buracos resolveria o problema”, conta.

Seguindo lógica parecida, em dezembro de 2015, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, disse que a aplicação de larvicida diretamente nos carros-pipa que abastecem cidades nordestinas seria “a principal ação” da pasta dali em diante. A justificativa dada foi a “necessidade” de “prevenir” que a água distribuída, acondicionada em vasilhas e outros recipientes pela população, se transformasse em foco do mosquito. “Isso é um absurdo. No Nordeste, vivemos um processo contínuo de falta de água. A população não estoca água porque quer. Se o foco não fosse o mosquito, mas as condições que possibilitam o surgimento dos criadouros, o conceito de potabilidade seria fundamental para recuperar nas pessoas a consciência da proteção da água. Permitiria o envolvimento mais proativo da população a partir de algo que é caro a todos nós”, pontua Lia Giraldo.

Em entrevista à Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares (18/02), a urbanista Ermínia Maricato apresentou dados que corroboram isso: no Nordeste, que responde pela maior parte dos casos confirmados de zika vírus, três em cada 10 domicílios não têm acesso à água tratada. Apenas 21% contam com rede de esgoto. E mesmo os que têm acesso à água enfrentam abastecimento intermitente. Já um balanço divulgado em fevereiro pelo Ministério das Cidades, revelou que 42,4% da população brasileira que reside em áreas urbanas não teve acesso à rede de esgoto em 2014. O ritmo do avanço é lento: melhorou apenas 0,5% desde 2012. A pasta admitiu ser improvável que o país cumpra a meta que estabeleceu para si mesmo: alcançar 93% da população até 2033. 

“Apesar de a Constituição ter assegurado a competência do SUS para participar da formulação e execução das políticas e ações de saneamento, isso definitivamente não faz parte da agenda do Ministério da Saúde para o enfrentamento das doenças endêmicas”, situa André Monteiro. Lia Giraldo lembra que apesar de, em 1996, o paradigma do Ministério da Saúde ter sido o improvável desaparecimento do mosquito em território nacional, o Programa de Erradicação do Aedes aegypti, criado naquele ano, tinha na sua primeira versão um “forte” componente de saneamento. “Mas o Ministério da Saúde foi deixando o tema de lado”, diz. Em 2002, o órgão reconheceu que a meta de eliminar o mosquito não era factível. Na esteira de uma grande epidemia, foi lançado o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNDC), vigente até hoje.

“Já conversei com gestores estaduais que admitem que das dez ações preconizadas pelo Programa, a única que não falha é o controle químico. Essa é a real prioridade. As outras nove, deixa rolar”, revela Fernando Carneiro. “Durante sua primeira década, o maior investimento do Programa foi em controle químico. Depois, a assistência ao paciente foi assumindo algum peso”, afirma, por sua vez, Solange Laurentino, professora da UFPE e especialista no PNDC. Ela também fala por experiência própria: foi secretária de saúde de Glória do Goitá, cidadezinha da zona da mata pernambucana. “Lá só chegavam os venenos. Quando perguntávamos pelas ações de saneamento, diziam que era de longo prazo”, lembra.

Biologicamente robusto

A pecha de inimigo público do Aedes tende a bloquear informações importantes, que não cabem em frases de efeito. Por trás das linhas inimigas, existe um organismo que alcançou notáveis conquistas evolutivas. “O mosquito é muito robusto do ponto de vista biológico”, reconhece Lia Giraldo. Nas últimas décadas, cientistas verificaram no mundo inteiro uma grande expansão das fronteiras de ocupação do Aedes aegytpti. “A espécie foi se espalhando, conquistando e se estabelecendo em novos territórios”, resume a entomologista Lêda Regis, pesquisadora aposentada da Fiocruz Pernambuco. Vários fatores determinaram a dispersão. Para os cientistas, o palpite mais certeiro é que a elevação das temperaturas no mundo tenha favorecido as populações de Aedes. Outro fenômeno contemporâneo, o aumento das viagens, se encarregou de espalhar o mosquito pelos quatro cantos do planeta. “O sucesso dessa espécie se deu graças ao desenvolvimento de ovos muito resistentes que são facilmente transportados de um lugar a outro. É assim que o Aedes conquista territórios e sobrevive em condições adversas”, pontua Lêda.

Ao contrário do pernilongo, que deposita seus ovos na água, a fêmea Aedes espalha os seus por toda parte: pneus, garrafas, telhados, cisternas. “São ovos que ficam encistados no ambiente por até um ano. Passa tempo, vem uma água e o ovo eclode”, explica Lia. “Essas características são extremamente importantes para entender a dificuldade de controle das populações do mosquito”, completa Lêda.

Ao mesmo tempo em que governos e agricultores começaram a comprar anualmente toneladas de pesticidas, a comunidade científica passou a difundir pesquisas que demonstravam que os insetos e pragas eram capazes de se adaptar, desenvolvendo resistência aos venenos. “O uso de produtos tóxicos não seletivos como inseticida continua sendo o maior equívoco da humanidade para lidar com insetos”, garante Lêda Regis.

A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde organizou em fevereiro um evento internacional em que se debateram “novas alternativas” para o controle do Aedes aegypti no Brasil. Apesar da admissão de que “os métodos atuais de controle de vetores não estão sendo suficientes para impactar tanto na população de mosquitos como na redução da incidência de agravos”, como afirmou o ex-ministro da Saúde e atual secretário-executivo do órgão, Agenor Álvares, dentre as ‘novidades’ discutidas, destacava-se o uso de inseticida. “Quando se usa um inseticida numa população de mosquitos, a maioria dos indivíduos morre. Mas não todos. Esses sobreviventes são portadores de um gene que lhes confere resistência, um mecanismo fisiológico de defesa contra o produto, que é passado através das gerações. Chega um momento em que toda a população é resistente e o produto se torna inócuo”, explica Lêda. Ela afirma ainda que, nas últimas décadas, os dois métodos mais usados pelos governos no Brasil – larvicida e fumacê – eram produtos da mesma categoria, organofosforados, e se somaram parar acelerar o desenvolvimento da resistência.

 

Arquivo ABr

A polêmica do larvicida

O primeiro uso documentado de larvicida para controle químico de vetor na Saúde Pública remonta a 1968, quando o temephós foi introduzido no nordeste. A partir de então, a aplicação de larvicida na água potável armazenada nos reservatórios domésticos e públicos se tornou corriqueira. Desde 2000, sabia-se que as populações de Aedes haviam desenvolvido resistência ao produto, conta Lêda. No Brasil, os estudos pioneiros partiram da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Departamento de Entomologia da Fiocruz Pernambuco. “Inegavelmente, indubitavelmente, comprovadamente, inquestionavelmente as populações de Aedes se tornaram resistentes ao organofosforado que se utilizou durante anos e anos e anos. E se continuou utilizando”, denuncia. Depois do temephós, o Ministério da Saúde utilizou as subtâncias diflubenzuron e novaluron. Desde 2014, o Brasil usa um produto a base de piriproxifeno, pesticida classificado como regulador do crescimento de insetos (IGR, na sigla em inglês). Comercializado como SumiLarv, o produto é patenteado pela empresa Sumitomo Chemical, com sede no Japão.

Um relatório da entidade argentina Rede Nacional de Médicos de Povos Fumigados (Reduas) pautou uma semana de intensos debates sobre o uso de venenos na água que a população consome. E alcançou um feito inédito na história brasileira: uma reação em nível estadual. O anúncio foi feito em pleno Dia D de Combate ao Mosquito, 13 de fevereiro, pelo secretário estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, João Gabbardo Reis, que decidiu suspender temporariamente a aplicação do piriproxifeno na água destinada ao consumo humano. A decisão ganhou peso porque Gabbardo atualmente preside o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), entidade que representa as pastas estaduais na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). “Decidimos suspender até que se tenha uma posição do Ministério da Saúde”, provocou o secretário.

O Ministério não tardou a se posicionar. “Isso é um boato. Isso é desprovido de qualquer lógica e sentido. Não tem nenhum fundamento. O nosso [larvicida] é aprovado pela Anvisa e usado no mundo inteiro. Pyriproxyfen [nome em inglês] é reconhecido por todas as agências de regulação do mundo inteiro”, declarou Marcelo Castro, durante a mobilização em Salvador. No epicentro da polêmica, em Porto Alegre, o secretário de Atenção à Saúde do MS, Alberto Beltrame, vaticinou: “Acredito que a Secretaria deverá rever a posição em breve porque o Ministério da Saúde está respaldado pela Organização Mundial da Saúde, que garante a segurança do produto para consumo humano”.

A Organização Mundial da Saúde, de fato, aprova o uso do produto na água potável. Mas uma leitura atenta do documento elaborado pelo organismo internacional mostra que estudos com ratos e cachorros apontam que a substância pode sobrecarregar o fígado e causar anemia leve. Em ratos que entraram em contato com o piriprofixeno por um tempo maior, os cientistas observaram aumento de amiloidose renal, uma condição que pode evoluir para insuficiência renal crônica. No mais, a própria OMS afirma que por, ser um pesticida novo, poucos dados da sua interação com o ambiente foram coletados para a análise.

Respaldada na OMS, a empresa recomenda a aplicação da substância em lagos, mares, piscinas, valas, reservatórios, vasilhas, tudo. “É extremamente importante aplicar os larvicidas de mosquitos em água potável”, reforça o folheto da Sumitomo que divulga o produto. Mas, segundo Lia Giraldo, não faz sentido aplicar o adjetivo “potável” nesse contexto: “Se a água tem larva, ela não é mais potável, certo? Pois é, se tem larvicida também não”. Alexandre Pessoa, engenheiro sanitarista e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), ressalta que também não se está atentando para os possíveis efeitos sinérgicos desse produto químico quando entra em contato com o cloro residual que, segundo os padrões técnicos, está necessariamente presente na água potável.

Soma-se a isso o fato de que no Brasil, pelo menos desde a década de 1990, a aplicação de larvicidas em locais como cisternas e caixas d’água segue uma curiosa contabilidade: a quantidade de produto a ser colocado leva em consideração o tamanho do recipiente e não o volume de água presente. Se estiver cheia, pela metade ou quase vazia de água, o total de veneno é o mesmo. “Durante a estiagem, quando esses recipientes ficam quase vazios, a água com larvicida se torna praticamente um concentrado dessa substância”, observa Alexandre.

 

 Rovena Rosa / Agência Brasil

 

O apelo do fumacê

A aplicação espacial de inseticidas, popularmente conhecida como fumacê, também vem sendo usada há décadas para controle de vetores no país. As Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle da Dengue, contudo, estabelecem que só entre em ação durante surtos e epidemias, entre outras razões, para postergar o desenvolvimento de resistência do mosquito. Não existe, no entanto, uma fiscalização que impeça as pessoas de comprar no mercado o serviço de fumigação. E isso tem ficado mais claro na atual epidemia de zika. Matéria do jornal O Globo (17/02) mostrou que condomínios no estado do Rio de Janeiro têm como prática comum a contratação de empresas particulares para que espalharm o inseticida até três vezes por semana. O fumacê privado tem circulado nessas áreas até três vezes por semana. Alertados sobre os riscos de acelerar o desenvolvimento de resistência, os síndicos ouvidos pela reportagem afirmaram que vão continuar usando o serviço. Ao mesmo tempo, admitem que se o fumacê diminui a frequência, por causa de um feriado, por exemplo, a população de mosquitos se recupera e volta a incomodar os residentes.

“Há diversos estudos que mostram que o inseticida aplicado nas ruas não tem nenhum impacto sobre a população de mosquitos. Vai matar alguns que estejam voando naquela ocasião, naquela área. E pronto”, diz Lêda. Isso porque, segundo a entomologista, não adianta atingir 10%, 20% ou mesmo 50% dos mosquitos. “A população tem uma estratégia baseada no crescimento extenso e se repõe rapidamente”, relembra.

Do ponto de vista da gestão do SUS, os impactos práticos da estratégia são inversamente proporcionais ao apelo que o produto tem para a população, que frequentemente cobra dos governos a intensificação do uso do fumacê. “A aplicação química traz para a comunidade a ilusão de que as autoridades estão fazendo alguma coisa. É um efeito perverso, pois dá a falsa sensação de que o problema está sendo resolvido, quando, na verdade, está sendo ampliado”, avalia o médico Carlos Eduardo Abrahão, que coordenou durante dez anos a Vigilância em Saúde de Campinas. “O fumacê é o grito do desespero. É a denúncia de que tudo o mais falhou, e aí tem mosquito alado, voando. E a população, mal informada, pede fumacê”, atesta Jurandi Frutuoso, secretário-executivo do Conass, ex-secretário estadual de Saúde do Ceará.

Dos cinco inseticidas aprovados pela OMS, usados pelo Ministério da Saúde, o Aedes que circula no Brasil já é imune a quatro: deltametrina, lambda-cialotrina, permetrina e transcifenotrina. O único que continua funcionando é o malathion. Por isso, desde 2014, o Ministério da Saúde voltou a usar o produto no país. Acontece que o malathion é um agrotóxico organofosforado que, em março de 2015, foi considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para seres humanos. Ele recebeu a mesma classificação do glifosato, herbicida mais usado no mundo. Além disso, o malathion – como os demais inseticidas – também é neurotóxico. Ou seja, afeta o sistema nervoso central e periférico, e pode provocar náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e fraqueza muscular. Segundo a Abrasco, tais efeitos permanecem na concentração de 30% do malathion diluído em água, fórmula atual do fumacê.

Riscos à saúde

Seja por sua baixa eficácia em diminuir a quantidade de mosquito, seja por expor a população a situações de risco que não são sequer avaliadas, cresce em parte da comunidade científica a certeza de que o modelo de controle químico é insustentável. Carlos Abrahão explica que os produtos químicos, como larvicida e adulticida, têm efeitos de longo prazo no organismo humano que costumam passar despercebidos. “A relação de causalidade se perde, já que os efeitos da exposição contínua aos produtos não são investigados pelos serviços de saúde”, diz. Tampouco as consequências mais imediatas do contato com os pesticidas entram nas rotinas dos serviços. “Essas aplicações químicas que o governo federal e os governos dos estados impõem à comunidade, fazendo com que um aplicador paramentado e protegido aplique o veneno em pessoas completamente desprotegidas, é um massacre em populações geralmente pobres e vulneráveis. E pior: a Saúde Pública não vai fazer um acompanhamento depois da aplicação química para saber o que ela desencadeou”.

Tomando como base o início da aplicação do temephós, em 1968, Lia Giraldo alerta: “Quase 50 anos depois, os danos ao meio ambiente e à saúde humana decorrentes do uso de produtos químicos no controle vetorial ainda não foram devidamente investigados. Tampouco a população é informada com transparência sobre os possíveis agravos que acompanham o larvicida e o fumacê”. E completa: “As campanhas de combate à dengue e, agora, à zika e chikungunya, dizem com todas as letras que o elo mais vulnerável na cadeia de transmissão é o mosquito. Mas o elo vulnerável somos nós. O mosquito vem demonstrando bastante resistência a essa abordagem”.

Estratégias alternativas

Em uma recente conferência a distância promovida pelo governo norte-americano, o coordenador da Vigilância em Saúde do MS, Claudio Maierovitch, afirmou que “o esforço nacional baseado na estratégia de luta contra o mosquito é a única coisa que pode ser feita para prevenir novos casos de microcefalia” e que, nesse sentido, o país “está fazendo campanhas para advertir dos riscos da multiplicação de criadouros, eliminar todos os objetos que possam acumular água limpa”. A busca dos criadouros é o eixo da metodologia adotada pelo PNDC. Eles são o termômetro usado pelo Levantamento de Índice Rápido de Aedes aegypti (LIRAa), método de monitoramento criado pelo PNCD que mede a infestação do mosquito.

De acordo com Lêda, o discurso oficial não tem dito que países como Austrália e Cingapura, frequentemente mencionados pelo próprio Ministério da Saúde como exemplos a serem seguidos, adotaram um caminho diferente. “Está cada dia mais claro para a comunidade científica que procurar os criadouros é ineficiente pela facilidade com que a fêmea espalha os ovos no ambiente, pela resistência desses ovos. Está cada dia mais claro que a forma mais eficaz de lidar com o Aedes é através do uso de armadilhas”, defende. As armadilhas, conhecidas como ovitrampas, são usadas desde a década de 1960 como alternativas para o monitoramento e controle de populações de Aedes.

“O LIRAa se baseia na visita domiciliar, na inspeção visual para detectar focos e, a partir daí, categoriza se a residência está positiva ou não. Reunindo todos os positivos, ele gera um índice de infestação. O ovitrampa é diferente. Você tem uma armadilha, que pode ser uma garrafa. Vem um agente de endemias, recolhe o recipiente, leva para o laboratório de entomologia do município, que no microscópio sabe se foi um Aedes ou outra espécie. Você tem uma análise qualitativa do tipo de mosquito que está circulando. E essa análise também provém informações quantitativas. A partir da contagem, dá para saber se foram 200 ovos ou 20, ter uma ideia exata da intensidade da infestação. Além de ser uma excelente forma de saber o que está acontecendo no território, é também uma forma de medir o impacto do trabalho da vigilância”, detalha Fernando Carneiro.

No que diz respeito ao controle, o princípio é o mesmo: atrair a fêmea, matar as larvas. “Aí, sim, se coloca larvicida. Mas larvicida biológico”, sublinha Lêda, que ensina que quando se ouve o termo “químico” aplicado a inseticidas, devemos pensar em um produto feito com moléculas tóxicas, em geral sintéticas, nocivo para todas as espécies animais. Incluindo, nós, humanos. Na avaliação da entomologista, o larvicida biológico é o que de melhor a ciência conseguiu desenvolver até hoje. O produto é baseado na bactéria Bacillus thuringiensis israelensis (BTI), que produz um conjunto de proteínas que são transformadas em toxinas no intestino da larva do mosquito. Não há registro de impacto em outras populações animais. “É um larvicida seletivo, que não tem risco de causar resistência e não é tóxico para o homem”, elogia. A OMS preconiza o biolarvicida como o mecanismo mais eficaz de ação contra o inseto. “É usado há décadas em vários países, como a Alemanha. Mas, no Brasil, por causa da cultura do inseticida de síntese e, possivelmente, da pressão da indústria desses produtos, há muita resistência”.

Experiências locais

Não faltam no Brasil amostras do impacto do uso das armadilhas e de outras estratégias que não prejudicam o meio ambiente e a saúde humana. Resultados de pesquisas ou da ousadia dos gestores locais, essas experiências são sistematicamente invisibilizadas  diante do paradigma nacional do controle químico.

Santa Cruz do Capibaribe (PE) é um desses exemplos. O município localizado no semiárido nordestino tem 80 mil habitantes. Lá, entre 2008 e 2011, foram usadas sete mil armadilhas para monitoramento e controle do mosquito. “Em um ano, conseguimos eliminar mais de 7,5 milhões de ovos, provocando uma redução de 90% na população de Aedes”, comemora Lêda Régis, que coordenou a experiência. As armadilhas de controle não poderiam ser mais simples: garrafas PET pintadas de preto, revestidas internamente por um tecido de algodão, onde a fêmea depositava os ovos. Tidos como vilões, os recipientes plásticos foram importantes para a participação da comunidade: a produção das armadilhas envolveu escolas e voluntários.

As armadilhas permaneceram instaladas em domicílios ao longo de dois anos. O morador precisava concordar com a instalação. “Para isso, os agentes precisaram se apropriar do processo, explicar para a população a lógica do controle do mosquito, o que envolveu ainda mais as pessoas. Todos aderiram”, conta Lêda. Mensalmente, os agentes de endemias visitavam as casas para checar as garrafas e a cada dois meses, substituíam o tecido e encaminhavam a amostra com os ovos para incineração. Eles também recolocavam o inseticida biológico nas armadilhas. Na medida em que os ciclos foram avançando, a contagem mostrou que a postura dos ovos foi diminuindo. Na primeira foram 2,2 milhões de ovos e na última 300 mil. Cada ovitrampa de controle custou R$ 0,97. O custo total das 5,68 mil armadilhas, foi de R$ 5,5 mil reais.

Outra tática de controle, desta vez dirigida aos mosquitos adultos, foi o uso de aspiradores. Em 47 ciclos, feitos somente nas unidades de saúde do município, 3,2 mil mosquitos foram aspirados, dos quais 62% eram fêmeas. Com a mudança de gestão, não houve continuidade. “Foi um trabalho muito bonito, assumido pela prefeitura, por toda a equipe. Utilizamos tecnologia de informação, com análise espacial e produção mensal de mapa de distribuição, os agentes de saúde discutiam. Eles se envolveram muito, começaram a ver resultados concretos do trabalho”, relembra a entomologista.

“Há dez anos, os agentes de endemias cobram uma mudança, uma estratégia diferente, algo que realmente cause resultado”, emenda Ademária Rosa, secretária municipal de Saúde de Tauá. Localizada no interior do Ceará, a cidade decidiu ser um laboratório para políticas alternativas ao controle químico. Além da motivação das equipes, a prefeitura resolveu mudar depois de comparar os impactos dos gastos da vigilância. A matemática é simples: Tauá investe R$ 130 mil por mês para manter toda a vigilância em saúde funcionando. Esses recursos pagam 46 agentes de combate a endemias, além de gastos com transporte, material, uniforme, equipamentos de proteção individual, etc. Na outra ponta, o Ministério da Saúde desembolsa mensalmente o equivalente a R$ 100 mil para custear uma única ação: controle químico. Já o repasse mais estruturante para a vigilância do município é de apenas R$ 27 mil. “O Ministério da Saúde toca o Programa Nacional independentemente das peculiaridades locais, como se fosse receita de bolo. Mas não tem eficiência nenhuma. Fazendo mais do mesmo, iríamos chegar a 100 agentes de endemias e não faria diferença. É uma teimosia. Está comprovado que o veneno é caríssimo e a eficácia dele é baixíssima”, constata Moacyr Soares, assessor da prefeita e ex-secretário de Saúde. O trabalho começa em 2016, em parceria com a Fiocruz Ceará.

“Vamos ter que mudar o paradigma dos gestores e da população acostumada com um modelo que há 30 anos não funciona. Temos a nosso favor a vontade política de alguns prefeitos. Contra nós, uma cultura de décadas”, avalia Fernando Carneiro. E conclui: “Não vai ser fácil. Estamos começando a provar que é possível fazer diferente. Mas, apesar de tudo, estou vendo uma luz no fim do túnel. Para nós que defendemos a universalização do saneamento no Brasil, que defendemos que devia melhorar a qualidade de vida do povo, a epidemia de zika pode ser oportunidade para pressionar os gorvernos nesse sentido”.

Procurado pela Poli, o Ministério da Saúde não enviou nenhuma informação relativa aos investimentos em vigilância em saúde, com o PNDC, compra dos inseticidas, estudos que embasem a adoção do controle químico, dentre outros questionamentos. O órgão também não disponibilizou nenhuma fonte para entrevista.

Muito além de matar mosquitos

Como bem poderia dizer o ditado: ‘em terra que está em guerra contra mosquito, trabalhador com um olho no território é rei’. Quem acompanha o noticiário, com certeza já se deparou com imagens que mostram profissionais completamente paramentados que parecem ter saído de algum enredo de ficção científica. Em consonância com a estratégia do Ministério da Saúde, replicada verticalmente nos estados e municípios, milhares de agentes de combate a endemias estão saindo às ruas com fumacê a tiracolo para matar o Aedes. No entanto, é preciso ter muito cuidado para não confundir essas atuações com o verdadeiro papel desses trabalhadores no SUS.

Reduzir a atuação dos profissionais de nível médio da vigilância a ‘mata-mosquitos’ – uma das diversas denominações que eles já receberam ao longo da história – é muito revelador desta concepção monocausal de vigilância em saúde que, historicamente, tentamos disputar e transformar no campo da educação profissional em saúde”, aponta André Burigo, professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz. Isso porque, continua ele, ao colocar “recursos e energia em uma estratégia que já deu sinais claros de fracasso”, os governos deixam de investir em “estratégias capazes de construir as soluções”.

Assim, como a emergência da zika tem aflorado temas sensíveis que o país precisa debater, a partir da abordagem ‘mosquitocêntrica’ fica claro que é preciso, novamente, debater a profundidade da inserção do trabalhador técnico em saúde e, consequentemente, a importância do investimento em formação profissional com vistas ao fortalecimento do SUS, garantindo capacidade de respostas de fato estratégicas a  problemas complexos e persistentes no território.

“Como aconteceu a ocupação do território?; é localizado em uma área baixa ou alta?; qual é o perfil daquela população?; é mais vulnerável?; tem migrantes, tem outros hábitos? Tudo isso vai implicando especificidades. E essa especificidade é que vai produzir mais ou menos mosquito. E outras doenças conjuntas. É esse olhar que vai dar suporte para o profissional agir. O território é pedagógico no sentido da formação, mas também no sentido da ação”, situa Maurício Monken, coordenador pedagógico do curso Técnico em Vigilância em Saúde e professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz. Por isso, explica ele, o grande diferencial do curso é a territorialização como atividade de trabalho de campo, que perpassa todo a formação e traduz os conhecimentos adquiridos em sala de aula para a concretude da realidade, conforme o modo de vida da população no território.

“Zika, chikungunya, dengue, febre amarela? Tudo isso é produzido por um vetor, cuja existência, por sua vez, é produzida conforme a dinâmica da sociedade. Por exemplo, também existem criadouros de mosquito nas classes média e alta e, aí sim, é a planta, o mau uso do quintal, da piscina. Em Maguinhos, favela do Rio de Janeiro, a questão não é a planta, mas o lixo, o abastecimento irregular de água que faz com que a população tenha que armazenar. Para diminuir a incidência das doenças e a infestação do vetor, precisa haver saneamento, melhores condições de vida e diminuição da desigualdade. O curso precisa dar essa visão contextualizada, ajudar o trabalhador a ver e entender que a coisa não é pontual, o que gera um aumento da massa crítica nessa área, e aumenta a pressão técnica e política visando a mudanças de procedimentos e ações”, explica Monken. A EPSJV/Fiocruz foi referência para o desenvolvimento do currículo nacional do Curso Técnico em Vigilância em Saúde no âmbito do Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde (Profaps).

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André Búrigo, sanitarista e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), fala sobre a Lei 13.301/2016, sancionada semana passada pelo presidente interino, que abre a possibilidade de pulverização aérea de agrotóxicos sobre cidades para controle do Aedes aegypti. “Esta proposição é absurda. Trata-se de uma ação química contra população, é um ato violento. Demonstra que setores do agronegócio não têm limites e Ricardo Barros, ao se omitir, participou da aprovação desta medida”, critica.
A epidemia de zika vírus tem colocado o Brasil em contato direto com suas dívidas sociais. O país que ocupa os primeiros postos entre as economias mundiais é o mesmo que perpetua as péssimas condições de vida que expõem grande parte da população à multiplicação de vetores, como o mosquito Aedes aegypti. Com a explosão de casos de microcefalia, o passivo brasileiro em garantir o direito à água se soma ao atraso no debate sobre os direitos reprodutivos das mulheres. Nesta entrevista, Débora Diniz, professora de Direito da Universidade de Brasília (UnB), defende que diante da dor das mulheres trabalhadoras, majoritariamente negras do Nordeste brasileiro que são atingidas em cheio pela tragédia, é chegada a hora de o Estado garantir alguns direitos: à informação, ao diagnóstico, à maternidade, à infância, mas também ao aborto. Para isso, a ONG feminista Anis – Instituto de Bioética, da qual Débora faz parte, pretende capitanear uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2012, a ONG fez parte da ação que levou o STF a estabelecer a legalidade da interrupção da gravidez em casos de anencefalia. Neste caso, no entanto, Débora garante que a Anis não vai basear sua argumentação no direito ao aborto ligado a uma condição de saúde, o que, segundo críticos, poderia ser caracterizado como eugenia. “Não há eugenia na proposta, esse é um argumento que confunde a conversa”, afirma ela, que também aborda o “desrespeito” de algumas autoridades do Brasil e de outros países da América Latina em imputar a responsabilidade às mulheres, sugerindo que elas evitem engravidar durante a epidemia, e comenta posições conservadoras do Congresso Nacional.