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Ministério do Trabalho incentiva cumprimento da Lei do Aprendiz

Programa de Aprendizagem Profissional determina que as empresas devem contratar jovens para trabalhar e estudar. Conheça as principais propostas e algumas das críticas a essa política.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 27/11/2008 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) prevê que 800 mil jovens aprendizes sejam contratados até 2010. A meta foi anunciada durante a abertura da I Conferência Nacional da Aprendizagem Profissional, que aconteceu entre os dias 24 e 26 de novembro em Brasília, e faz parte dos esforços do MTE para que a Lei nº 10.097 ‘pegue’. Em vigor desde 2000, ela obriga que empresas de grande e médio porte contratem e se responsabilizem pela formação profissional de jovens aprendizes. Atualmente, o MTE calcula que apenas 3,5% de empresas públicas e 1,5% das privadas estejam cumprindo a lei.



Durante o evento, o presidente Lula afirmou que a meta “é possível”. Para ele, o foco deve ser informar o empresariado sobre os mecanismos da lei. Com esse objetivo, o MTE lançou a 'Cartilha da Lei do Aprendiz', que explica ponto a ponto as determinações da 10.097. Além disso, foi assinada uma portaria que tem como objetivo estimular o setor. Nela é instituído um selo, o ‘Parceiros da Aprendizagem’, que segundo Ana Lucia Alencar, assessora da Secretaria Executiva do MTE, será um reconhecimento para as empresas que fizerem algo a mais, como contratar aprendizes oriundos de escolas públicas e de baixa renda. Até o fechamento desta matéria, a portaria ainda não havia sido disponibilizada. 





A Lei do Aprendiz



A Lei 10.097, regulamentada pelo Decreto nº 5.598, de 2005, estabelece que todas as empresas de médio e grande porte, privadas ou públicas, contratem jovens de 14 a 24 anos como aprendizes. Esse vínculo é formalizado através de um contrato de trabalho especial, que deve ter duração máxima de dois anos. O empregador fica responsável por matricular o aprendiz em uma instituição que ofereça formação técnico-profissional, além de acompanhar seu desempenho escolar, caso ele ainda não tenha concluído o Ensino Médio. Também é obrigatório assinar carteira de trabalho, contribuir para a Previdência Social (para os aprendizes, a cota baixa de 8% para 2%), fornecer vale-transporte, dar férias e pagar salário mínimo/hora. A jornada de trabalho não pode exceder seis horas diárias.



A quantidade de aprendizes que a empresa deve contratar pode variar de 5% a 15% do total de trabalhadores que ocupem funções que demandem formação profissional. Desse cálculo estão excluídas as funções que demandem formação técnica, superior, cargos de confiança, gerência e direção e trabalhadores que tenham vínculo temporário com a empresa, como estagiários. Ana Lúcia explica que essa conta não tem necessariamente a ver com a formação do trabalhador: ”Se o funcionário tem nível superior, mas ocupa uma função em que não é exigida essa formação, como a de recepcionista, ele entra na conta”. Para saber quais funções devem ser computadas, é necessário conferir a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).



A formação técnico-profissional deve ser ministrada, preferencialmente, pelas instituições do Sistema 'S' (SENAI, da indústria; SENAC, do comércio; SENAR, rural; SENAT, do transporte; e SESCOOP, do cooperativismo). No caso de não haver vagas ou unidades desses Serviços no município onde atue, a empresa pode recorrer a escolas técnicas e organizações sem fins lucrativos.  Segundo a Cartilha da Lei do Aprendiz, estas últimas podem cobrar da empresa os custos da formação. Já os Serviços Nacionais de Aprendizagem devem oferecer gratuitamente os cursos, porque as empresas já contribuem compulsoriamente para o seu financiamento.



A escolha do Sistema ‘S’ como lugar privilegiado de formação dos aprendizes margeia uma questão recentemente abordada pelo governo. Atendendo a reivindicações de setores ligados à educação, que apontavam o Sistema como excludente, o decreto de 5 de novembro assinado por Lula prevê que seja ampliada a quantidade de vagas gratuitas, principalmente para estudantes da rede pública e desempregados. Com o esforço renovado para que as empresas cumpram a Lei do Aprendiz, é possível que essas vagas gratuitas atendam aos contratados pelas empresas privadas. De acordo com Gaudêncio Frigotto, professor e pesquisador da área de Trabalho e Educação, se isso ocorrer “o decreto pode perder muito de seu efeito”, uma vez que a ampliação atenderá a uma demanda das próprias empresas e não a setores da população que não teriam acesso aos cursos, de outra forma.



Já para Ana Lúcia, uma maior adesão à Lei 10.097 pode fazer com que os empresários pressionem o Sistema ‘S’ para que haja mais vagas para atender à sua cota de aprendizes. “Com a nova portaria, explicitamos o perfil preferencial desses aprendizes: estudantes da rede pública, pessoas com baixa renda. Se as empresas fizerem pressão, os beneficiários serão os próprios aprendizes. O perfil dos beneficiários das duas políticas coincide”, diz.



Compostos por atividades teóricas e práticas, os cursos podem ser oferecidos tanto nas unidades de ensino quanto no ambiente de trabalho. “A quantidade de tempo gasto no desempenho da função na empresa deve ser proporcional às horas dedicadas à teoria”, pontua Ana Lúcia. Ao final do contrato, o jovem recebe um certificado de qualificação profissional, do qual consta a ocupação que desempenhou.



A escolha dos aprendizes é de responsabilidade da empresa, que tem a liberdade de executar seu próprio processo seletivo. O não-cumprimento da lei pode acarretar multa e outras penalidades.



Repercutindo a Lei



Como toda lei que vincula a educação à empresa, a 10.097 também tem pontos polêmicos. “São válidos os esforços que garantam trabalho para quem mais precisa”, diz Segundo o professor Gaudêncio, mas ressalta que se faz necessária uma reflexão maior sobre os vários aspectos desse tipo de política.



O primeiro ponto que o professor ressalta tem como base estudos desenvolvidos por Marcio Pochmann, atual presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Em vários artigos Pochmann mostra que sai mais barato para o Estado dar uma bolsa para que o estudante carente possa se dedicar somente aos estudos”, diz, explicando que seria melhor se durante o ensino fundamental e médio o jovem tivesse uma educação plena. “A educação básica deve, como o nome diz, dar base. Não pode ser vista com o imediatismo de garantir um emprego”, completa.

 

A falta de reformas estruturais também é apontada por Gaudêncio como um aspecto importante. “Esse tipo de política é compensatória, distributiva. Pode ter algum impacto? Pode. Mais é fugaz. Não mexe nas causas que fazem com que o país seja um pólo da concentração de renda, como o monopólio das terras, por exemplo”, explica. Para o professor, é preciso ter uma visão clara de que formar para o mercado não quebra o ciclo da exploração e da precarização das condições de vida.



Por último, Gaudêncio critica o fato de a Lei do Aprendiz prever que o jovem faça três coisas ao mesmo tempo. “Esse jovem que entre 14 e 18 anos teoricamente estaria cursando o ensino fundamental ou médio precisa dar conta da escola, da formação técnica voltada para a função que desempenha na empresa e do trabalho em si, que pode chegar a seis horas diárias. É esse tipo de formação que o país precisa para se tornar uma nação?”, questiona, completando: “Fazer três coisas ao mesmo tempo leva à precarização. Isso é instituir uma cidadania mutilada”.