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PEC Emergencial é promulgada no Congresso

Novas regras, que incluem o congelamento de salários de servidores e a proibição de concursos públicos durante calamidades públicas e quando as despesas do governo superarem 95% das receitas, devem trazer impacto negativo para as políticas de saúde e educação, áreas que concentram a maior parte do funcionalismo brasileiro
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 19/03/2021 13h03 - Atualizado em 01/07/2022 09h42
Foto: Agência Senado

Em sessão solene presidida pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na última segunda-feira (15), o Congresso Nacional promulgou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, que permite que o governo federal pague, em 2021, uma nova rodada do auxílio emergencial que beneficiou milhões de trabalhadores informais afetados pela pandemia do novo coronavírus entre abril e dezembro de 2020.

O texto, transformado na Emenda Constitucional 109, autoriza a União  a reservar R$ 44 bilhões do Orçamento para pagamento do auxílio, valor que ficará de fora do teto de gastos e da chamada regra de ouro, que proíbe que o governo federal se endivide para pagar despesas com folha salarial e programas sociais, entre outros, além de não contar para a meta de superávit primário do ano – que é a economia feitas pelos governos dos três entes federados para o pagamento da dívida pública.


Trajetória

A PEC Emergencial foi apresentada ainda em 2019 como parte do Plano Mais Brasil, conjunto de medidas do governo federal para cortar gastos públicos.

O plano é constituído pelas propostas de emenda à Constituição 186 (PEC Emergencial), 187 (PEC de Revisão dos Fundos Públicos), e 188 (PEC do Pacto Federativo).

No início de 2021, a PEC foi convertida em um veículo para prorrogar a vigência do auxílio emergencial. Com essa justificativa, o relatório da proposta passou a prever uma série de contrapartidas fiscais, entre elas a desvinculação dos pisos da educação e da saúde – proposta originalmente prevista pela PEC do Pacto Federativo – mas também mecanismos como o congelamento dos salários de servidores públicos e a não realização de concursos públicos.

Diante da forte reação contrária à desvinculação dos pisos constitucionais da saúde e da educação, a proposta acabou retirada do relatório que foi à votação. Mas permaneceram no texto aprovado, e que agora faz parte da Constituição Federal, mecanismos de limitação das despesas que acenderam um alerta entre representantes dos servidores públicos nas três esferas de governo. Com a nova regra, o governo fica impedido de dar reajuste salarial aos servidores quando as suas despesas superarem 95% da receita, ou quando o país estiver em estado de calamidade pública.

Também ficam proibidas a realização de concursos e a contratação de novos funcionários públicos, a não ser para reposição de vagas. Para a União, a regra passa a valer automaticamente a partir do momento em que as despesas superarem 95% das receitas ou se o Congresso aprovar estado de calamidade pública. Estados e municípios não são obrigados e adotar as novas regras, mas caso não o façam ficam proibidos de receber garantias da União para a tomada de empréstimos, de contrair novas dívidas com outros entes da federação e renegociar pagamentos.


Prejuízos

“O governo se aproveitou de uma situação emergencial para fazer mudanças de caráter permanente na Constituição Federal, que afetam o funcionalismo e a execução de políticas públicas”, critica Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que lembra que o relatório inicial da PEC 186 era ainda pior, prevendo mecanismos como a possibilidade de redução de jornada com redução proporcional da remuneração de servidores públicos e o fim da vinculação constitucional de recursos para a saúde e a educação.

“Isso nós conseguimos reverter, com muita mobilização, muita luta. Mas ainda assim, a PEC traz prejuízos imensos, não só para o funcionalismo, mas para o país”, aponta Marques.

Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, o senador Paulo Paim (PT-RS) criticou o que chamou de “oportunismo” do governo de condicionar o pagamento do auxílio à aprovação de medidas que afetam diretamente os servidores.

“Em um momento de grave crise sanitária, social e econômica, o foco deveria ser ajudar as pessoas a cuidarem da saúde e sobreviverem. De forma equivocada, com o pretexto de pagar o auxílio emergencial, o governo aproveita para aprovar a PEC Emergencial. A receita é a mesma: redução de investimento na saúde, na assistência, corte de programas sociais, congelamento de salários de servidores”, critica.

E completa: “E tudo para pagar um auxílio de, no máximo, R$ 44 bilhões, que é uma ‘mixaria’ se compararmos com o valor que foi pago no ano passado, de quase R$ 300 bilhões”.

Segundo Rudinei Marques, a PEC Emergencial é apenas a mais recente de uma série de medidas de ajuste fiscal aprovadas ao longo dos últimos anos para reduzir os gastos públicos, a partir da aprovação do Teto de Gastos.

“Depois veio a reforma da Previdência, que alongou o tempo de trabalho, restringiu a concessão de benefícios e diminuiu esses benefícios. Nesse meio tempo, também tivemos a reforma trabalhista, que, inclusive prejudicou a arrecadação na medida em que estimulou a informalidade. E agora, para complementar, a PEC 186, que congela salários de servidores e precariza o serviço público”, enumera o presidente do Fonacate.

Ele lembra ainda do que está por vir, como por exemplo, com a PEC 32, a chamada Reforma Administrativa, que tramita no Congresso. 

“Ela tem basicamente dois pilares: precarização dos vínculos de emprego no serviço público e a entrega de vastas áreas do setor público, como educação e saúde, para a iniciativa privada. A maioria dos servidores públicos está nessas áreas, e é nelas que o governo quer contratar de forma temporária, por tempo determinado, ou por meio de contratação de serviços”, afirma.

E acrescenta: “Tudo isso por uma visão tacanha e distorcida de política econômica, que vem cada vez mais, contraindo investimento público, tirando dinheiro da economia num momento em que as economias desenvolvidas, e mesmo as emergentes, estão fazendo um movimento contracíclico, em que o Estado aporta recursos na economia”.


Estado inchado e caro?

Uma reportagem da edição de março e abril de 2020 da Revista Poli deu algumas mostras do quanto medidas como as que foram aprovadas agora na PEC Emergencial podem afetar duramente as políticas de saúde e educação, principalmente nos estados e municípios.

A matéria cita dados do estudo ‘O lugar do funcionalismo estadual e municipal no setor público nacional’, produzido pela Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, que aponta que as cidades empregam atualmente 57% dos servidores públicos do país, enquanto os estados são responsáveis por 32%.
Nos municípios, a média salarial dos servidores é de R$ 2,8 mil, enquanto nos estados o valor sobe para R$ 5,1 mil. No governo federal, a média alcança R$ 9 mil.

Já outro estudo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado ‘Três décadas de funcionalismo brasileiro’ mostra que 40% dos servidores municipais está empregada no que o estudo chama de “núcleo duro dos serviços de educação e saúde”, como professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.

Percentual similar ao que é encontrado nos estados, onde somados aos profissionais da segurança pública, chega-se a 60% do funcionalismo. 

“O que demonstra que grande parte da ocupação no setor público, sobretudo desde a promulgação da Constituição de 1988, está diretamente e positivamente associada à expansão das políticas de bem-estar social oferecidas pelos entes subnacionais ao conjunto da população brasileira”, afirmam os pesquisadores do Ipea no texto.

Em entrevista concedida ao Portal EPSJV em fevereiro por ocasião do início da tramitação da PEC 32, a Reforma Administrativa, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Rudinei Marques destacou ainda que, ao contrário de algumas das premissas que têm servido de justificativa para as medidas de ajuste fiscal que vêm impactando diretamente os servidores, como a própria Reforma Administrativa e a PEC Emergencial, o Estado brasileiro não é “caro”, “inchado” e “ineficiente”.

“A média salarial no Executivo, contendo os três níveis da federação, é de R$ 4,2 mil, então não dá para dizer que são valores exorbitantes. E é no Executivo que estão 95% dos servidores públicos [...]. Nós temos a empregabilidade do setor público no Brasil de em torno de 12% da população ocupada, enquanto a média dos países desenvolvidos é de 20,3%. Ou seja, nós temos espaço para dobrar o número de servidores no Brasil. Hoje temos em torno de 11,5 milhões de servidores, considerando todos os poderes e entes federados. Poderíamos chegar tranquilamente a 20 milhões para prestar serviços em quantidade suficiente para a população. Então a máquina não custa caro, não está inchada”, apontou o presidente do Fonacate.

E concluiu: “E não dá para dizer que é ineficiente, pelo contrário. Nós estamos vendo agora na pandemia o serviço público se superar, fazer o possível e o impossível, inclusive, trabalhando com um governo que dá mensagens contraditórias e atua às vezes contra a própria população, como a gente tem visto no caso das vacinas. A gestão da pandemia tem sido um caos por parte dos titulares de vários ministérios, e o serviço público vem se superando na área da saúde, da pesquisa”.

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