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Pela atenção integral à saúde das mulheres

A luta pelo direito à saúde mobilizou mulheres de diferentes matizes, reunidas na segunda edição da Conferência Nacional de Saúde da Mulher
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 18/08/2017 14h03 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

“Por que eu defendo a saúde das mulheres?”. A pergunta ilustra um grande banner instalado no saguão de entrada do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília (DF). É lá que, desde ontem (17), acontece a  2ª Conferência Nacional de Saúde da Mulher (CNSMu) que reúne 1,8 mil participantes  – em sua maioria mulheres – até o dia 20 de agosto. Após três décadas da primeira edição, em 1986, a proposta é formular diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres, lançada oficialmente em 2004. 

O pano de fundo da 2ª CNSMu, contudo, vai muito além da discussão de propostas. Desde o banner, que traz hastags em referência a campanhas contra o feminicídio  (#NemUmaAMenos) e contra retrocessos (#NemUmDireitoAMenos), ao ato político ‘Pela saúde e pela vida das mulheres’, o clima é de luta. Negras, indígenas, quilombolas, transexuais, profissionais do sexo, enfim, mulheres de todas as cores, etnias e classes sociais querem marcar posição – e oposição.

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, foi fortemente vaiado pela plateia durante a cerimônia de abertura. Sob gritos de “fora golpista” e “golpistas, fascistas não passarão”, Barros ainda tentou seguir o protocolo e fazer o pronunciamento. Em demonstração de contrariedade, os participantes viraram as costas para o ministro. Em seguida, saíram do auditório.

Antes, porém, Carmen Lucia Luiz, da União Brasileira de Mulheres (UBM) e integrante da Comissão Executiva da 2ª CNSMu, destacou que as mudanças necessárias na política brasileira só acontecerão se as mulheres forem reconhecidas como sujeitos de direitos e sua participação nas decisões for garantida. “Temos que estar sempre vigilantes contra o retrocesso. Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”, disse, em alusão à filósofa e ativista política, Simone de Beauvoir.

Carmen falou sobre a relevância do papel dos movimentos feministas na luta pelo direito à saúde das mulheres, a exemplo das pressões feitas nas décadas de 1970 e 1980 contra a prática de esterilização das mulheres. “No Brasil, a esterilização atingiu, especialmente, mulheres pretas e pobres, sem seu conhecimento e consentimento”, advertiu, lembrando que foram as mulheres organizadas que denunciaram essas ações, levando o Ministério da Saúde a convocar uma comissão para escrever um documento que serviria de base programática para o país. “Mais de 70 grupos de mulheres se reuniram em outubro de 1984, realizando o 1º Encontro de Saúde da Mulher, onde denunciaram a prática da esterilização como método contraconceptivo e que tal prática não mudava as condições de vida das mulheres, nem traziam benefícios”, lembrou. O documento final do encontro ressaltava conceitos como integralidade, equidade e controle social, que estariam presentes nas bases constitucionais da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988.

Mais de 90 mil mulheres estiveram envolvidas nas etapas que antecederam a 2ª CNSMu, chamando atenção para o problema da violência que atinge a população feminina. “Em nosso país, uma mulher é assassinada a cada duas horas. Esse é um desafio que precisamos enfrentar”, disse Carmem, pedindo a ampliação dos serviços de atenção às mulheres vitimas de violência e a qualificação dos profissionais de saúde para esses atendimentos.

Bases do debate

Quatro eixos norteiam os debates da 2ª CNSMu. 'O papel do Estado no desenvolvimento socioeconômico e ambiental e seus reflexos na vida e na saúde das mulheres' é o primeiro deles e tem o objetivo de discutir os impactos provocados pelos grandes empreendimentos, como barragens, e o próprio modelo de desenvolvimento sintetizado pelo agronegócio. 'O mundo do trabalho e suas consequências na vida e na saúde das mulheres', título do segundo eixo, traz para a reflexão as condição de inserção das mulheres no mercado e quais são as implicações desse cenário na condição de vida da população feminina.

O terceiro eixo – 'Vulnerabilidades nos ciclos de vida das mulheres na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde das Mulheres' –,busca responder quem são as mulheres brasileiras, como vivem e se relacionam e quais suas vulnerabilidades individuais e sociais. Já o debate em torno do quarto eixo, 'Políticas Públicas para Mulheres e Participação Social',  deve girar entorno das ações intersetoriais que podem ser desenvolvidas para garantir os direitos das mulheres à saúde, educação e seguridade social.

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No Dicionário da Educação Profissional em Saúde , editado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Roseni Pinheiro, coordenadora do Laboratório de Pesquisa de Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis /IMS/Uerj), começa o verbete ‘integralidade’ explicando que esse é um conceito com diversos significados, embora, legalmente, seja definido como “um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, em cada caso, nos níveis de complexidade do sistema”.