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Plano Nacional de Educação: público e privado são a mesma coisa?

Em audiência pública na Câmara, Associação de universidades particulares defendem financiamento público para educação privada. Pesquisadores e entidades contestam argumento.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 27/02/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

“Não existe educação gratuita. Todos nós pagamos, por meio de impostos, pelos serviços educacionais que o Brasil oferece”. Essa frase provavelmente seria unanimidade entre os que defendem o direito à educação e o controle social sobre as políticas dessa área. Mas foi dita pelo representante da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Raulino Tramontin, durante audiência pública sobre o Plano Nacional de Educação (PNE), realizada nesta terça, 25 de fevereiro, na Câmara dos Deputados. E o objetivo era defender que prevaleça a versão do PNE modificada pelo Senado , segundo o qual 10% do Produto Interno Bruto (PIB) devem ser aplicados na educação em geral, incluindo instituições públicas e privadas. Do outro lado da queda de braço, entidades e movimentos sociais que militam pelo direito à educação defendem o texto aprovado originalmente na Câmara dos Deputados, que destina esses recursos exclusivamente para a educação pública. Essa briga se manifesta principalmente na meta 20 do texto do PNE. Mas tem consequências em outras, como as metas 11 e 12, que tratam da expansão da educação profissional e do ensino superior.

Veja, abaixo, a análise de pesquisadores e entidades militantes pelo direito à educação sobre o argumento usado pelas instituições privadas.

Gaudêncio Frigotto – Professor e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

É um sofisma o que eles colocam. Porque se público e privado são a mesma coisa, ou não existe mercado ou não existe a esfera pública. É um argumento retórico corporativo. Se isso é válido, já que todos pagamos impostos , poderíamos também reivindicar que o Estado e as universidades públicas pudessem participar os lucros, da gestão e, principalmente, do patrimônio que as universidades privadas criam. O outro argumento, que é um velho argumento, do [Milton] Friedman, de que não deveria existir ensino público, tudo deveria ser gratuito e o Estado deveria dar apenas bolsa para os pobres. Na verdade, o contra-argumento é que o direito universal só é possível ser garantido numa esfera pública que, como diz o historiador Hobsbawn, no presente da sociedade capitalista, ainda é o Estado, mesmo que o Estado seja muito privatizado. São os direitos por proteção do Estado que permitem o acesso à universidade. Nem a igreja nem uma ONG nem muito menos uma empresa podem garantir direitos. Veja o que aconteceu agora com a Gama Filho e a Univercidade: tem improbidade de todo jeito e, na hora da crise, sobra para o trabalhador professor, o trabalhador funcionário e o estudante.

Andrea Bastos Gouveia – Vice-presidente da Associação Nacional de Pós-graduação Pesquisa em Educação (Anped)

Essa é uma disputa histórica na educação. Estamos brigando por recursos públicos para a escola pública desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1930. Ainda que a educação não seja grátis porque contribuímos com impostos, no acesso, a escola pública é gratuita. E quando o recurso do fundo público, que todos nós pagamos, vai para o ensino público, eu tenho a garantia da oferta igualitária, universal, com parâmetros de controle social pelos usuários. Ainda que estejamos em processo de construção, isso só pode se fazer em instituições diretamente públicas. Ninguém é contrário à existência de instituições privadas, porém a prerrogativa de uma instituição privada é que ela tenha capacidade de autofinanciamento. Então, a grande omissão que esse setor faz é que, ao pleitear um tratamento igualitário, eles estão querendo que parte do recurso público seja aplicado em instituições que não têm que se submeter ao controle público. Ainda que possam oferecer bolsas gratuitas, são instituições que têm algum grau de autonomia. Por exemplo, gestão democrática é uma regra que só se aplica às instituições públicas. Então não é a mesma coisa você ter uma matrícula direta pública ou uma matrícula que seja conveniada ou paga pelo aluno. O outro argumento que apareceu muito na audiência [pública da Câmara dos Deputados] era de que eles também atendem a população de baixa renda com bolsa. Porém, se eu tiver uma expansão do sistema público, esses sujeitos não precisam ficar na situação de bolsistas. Ser bolsista é sempre receber uma dádiva de alguém. A escola pública não é o lugar da dádiva, é o lugar do direito, onde se constitui cidadania, onde se constituem condições de igualdade.

Daniel Cara – Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Esse argumento não convence porque as instituições privadas não oferecem uma educação de qualidade. Pesquisas demonstram que o Prouni [Programa Universidade para Todos] e o Fies [Financiamento Estudantil] são o lastro que elas têm para estratégias de financeirização. Qual o resultado da estratégia de financeirização? Aumentar o lucro do acionista e, para isso, tem que reduzir a qualidade da educação. Não adianta ter uma matrícula gratuita que não tenha padrão de qualidade. Os bons estabelecimentos de ensino são públicos.

Paulo César de Castro Ribeiro – Diretor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Depois da venda do setor produtivo e financeiro estatal, o avanço agora vem se dando sobre o fundo público da área social. A transferência desse fundo ao setor privado é uma das formas mais utilizadas para privatização dos serviços da área social. Já  vemos isso ocorrer na saúde há algum tempo. O Estado se desobriga da gestão ou prestação direta do serviço, assume apenas o papel de formulador e/ou regulador da área, e passa ao setor privado a execução. Na saúde, é o caso da gestão da atenção primária por OS e da isenção fiscal e subsídios aos planos de saúde, por exemplo. Será a entrada definitiva da educação nessa lógica. É necessário resistir a mais esse ataque aos direitos da população.

Acesse:

PNE pra valer!

 

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