Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Emendas propostas pela Câmara melhoram ou pioram o Pronatec?

Propostas de parlamentares incluem Oscips no projeto e pagamento de bolsas para funcionários de empresas que realizem pesquisas em instituições públicas. PL deve ser votado ainda em agosto
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 04/08/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

O Projeto de lei 1209/2011 que cria o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) está prestes a ser votado. A proposta está trancando a pauta da Câmara dos Deputados, onde tramita em regime de urgência desde maio deste ano. De acordo com o relator da proposta na comissão de educação, deputado Antônio Carlos Biffi (PT-MS), o PL deve ser votado na terceira semana de agosto (entre os dias 15 e 18). O deputado afirmou que a maior parte das 18 emendas apresentadas ao projeto podem ser incorporadas, inclusive com o aval do Ministério da Educação. Segundo ele, entretanto, o MEC discorda  de algumas delas, como a que acrescenta os cursos de curta-duração, com 40 horas-aula, entre os que podem ser oferecidos no âmbito do Pronatec. Algumas das emendas propostas  ao Pronatec, caso incorporadas, podem reforçar uma das principais críticas ao projeto: o favorecimento da iniciativa privada em detrimento do fortalecimento das escolas públicas, e entre as consequências disso, a falta de controle sobre a qualidade da educação ofertada. Uma das emendas autoriza o MEC a transferir recursos no âmbito do Pronatec a entidades de direito privado sem fins lucrativos, como as Oscips; e outra, uma das mais polêmicas, acrescenta a possibilidade de pagamento de bolsas a profissionais vinculados a empresas que colaborem em pesquisas desenvolvidas nas instituições públicas.

Proposta pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a emenda que inclui as entidades de direito privado sem fins lucrativos no Pronatec ainda não foi, segundo Carlos Biffi, apreciada. No texto da proposta, o autor justifica que foi inspirado por outro projeto governamental - o Projovem - ao propor a emenda. Ele afirma que, como a lei de criação do Projovem autoriza a transferência de recursos para as Oscips, o Pronatec deve fazer o mesmo, já que se destina a um público ainda maior. "Tendo em vista que o Pronatec tem por objetivo um conjunto de beneficiários muito mais amplo que o Projovem, acreditamos que as Oscips podem contribuir na execução, desde que devidamente credenciadas no Ministério da Educação, observada a Legislação e o decreto regulamentador da Lei do Pronatec", argumenta. "Não apreciamos essa emenda, mas não dá para abrir muito o leque", afirmou Carlos Biffi.

Para a professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Marise Ramos, a emenda pode prejudicar a formação dos estudantes nos cursos oferecidos nessas instituições, já que é difícil para o poder público controlar a qualidade do ensino e a aplicação dos recursos. "Há vários estudos acadêmicos e trabalhos de avaliação de políticas públicas a respeito de programas de formação que admitem essas instituições como executoras, a exemplo do Planfor e do Projovem, que demonstram que esses recursos se perdem e as metas objetivas não são cumpridas. Isso sem dizer das metas qualitativas, relativas aos conteúdos de formação. Já temos provas de sobra que essas entidades são ineficientes e muitas vezes versam mal os
recursos públicos. E o Estado não consegue controlar a qualidade do que é  oferecido nessas instituições. Até mesmo com os sistemas estaduais de educação já é difícil exercer um controle, imagine com essas instituições", alerta a professora.

Risco de formação com prazo de validade

Apesar do pouco tempo para se concluírem as discussões sobre o Pronatec devido ao prazo para votação acordado entre as comissões e o Ministério da Educação, segundo Carlos Biffi, a proposta que destina bolsas a profissionais de empresas também não foi apreciada ainda. A proposição acrescenta que "o Ministério da Educação concederá bolsas de intercâmbio a profissionais, vinculados a empresas de setores considerados estratégicos pelo governo brasileiro, que colaborem em pesquisas desenvolvidas no âmbito de instituições públicas de educação profissional e tecnológica, na forma do regulamento". Na justificativa, o autor da emenda, deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), explica por que considera importante esse intercâmbio. "Ao atrair esses profissionais para colaborarem em pesquisas e estudos realizados pelas instituições de ensino, certamente contribuiremos para oferecer um maior contato dos professores com seu campo de atuação. Também nos beneficiaremos da expertise que o setor produtivo pode agregar ao mundo da educação profissional e tecnológica", escreve.

Marise classifica essa emenda como muito grave. "Dessa forma, subordinamos a formação ainda mais a interesses setoriais empresariais, de forma a delimitar a própria abrangência dessa formação. Assim, podemos ter pessoas formadas para trabalharem em uma determinada empresa, mas se esta empresa sai da localidade ou demite o trabalhador, quanto essas pessoas podem levar dessa formação com elas?", questiona. A situação, segundo Marise, é agravada pela condição do país na área de ciência e tecnologia. "Como o Brasil não tem genuinamente uma geração de ciência e tecnologia, e com o processo de globalização, no qual praticamente inexiste uma empresa que dê conta de todas as partes de um determinado produto, essa questão fica ainda mais delicada. Nesse contexto, uma formação  vinculada aos interesses das empresas sequer será uma formação científica e tecnológica efetivamente, em termos de um aprendizado de novas tecnologias. Como as empresas que estão aqui já trazem com elas as tecnologias, o que elas precisam é simplesmente de trabalhadores para operarem, executarem e, no máximo, supervisionarem. Portanto, a formação que estiver atrelada aos interesses e aos processos da empresa terá prazo de validade e de abrangência determinados", reforça. A professora sustenta que uma política de  formação técnica poderia envolver, por exemplo, o desenvolvimento de novas tecnologias nas instituições de ensino, no âmbito de outra opção de desenvolvimento científico e tecnológico no país.

Ensino a distância e pedagogia da alternância

O fomento à expansão da oferta de educação profissional técnica de nível médio na modalidade de educação a distância já estava presente no PL de criação do Pronatec. Entretanto, outra das emendas propostas acrescenta o ensino a distância entre os objetivos do Programa. Para Antônio Carlos Biffi, a emenda é desnecessária porque o tema já está contemplado no programa, apesar de considerar importante o ensino a distância para atingir a população do interior. "Como iremos chegar às pequenas cidades do interior se não for a distância? Já há uma rede do MEC de cursos a distância", destaca. Marise também discorda que a educação a distância figure como um objetivo no Projeto. Mas a professora vai além na crítica. Para ela, esse tipo de ensino não deve sequer ser fomentado como está no Pronatec originalmente, apenas deve ser admitido como uma das estratégias para a formação. "A natureza da formação técnica é essencialmente presencial, no uso do aparato tecnológico. Pode até haver possibilidades interessantes dentro da educação a distância, como a  interação, mas de maneira nenhuma esse tipo de ensino pode ser prioridade, no máximo  uma das estratégias, com o compromisso da qualidade. Sabemos que a expansão da educação a distância advém de uma proposta de massificação do ensino com menor custo", opina.

A professora lembra que para resolver problemas de populações com dinâmicas de vida diferenciadas, que estão sujeitas, por exemplo, a regimes climáticos, como a cheia de um rio, ou processos de trabalho, como o trabalho no campo, há outras formas de fazer com que elas sejam atendidas pelas políticas de formação. De acordo com ela, uma das maneiras é admitir estratégias como a da pedagogia da alternância. Nesta modalidade, os estudantes dividem o tempo de aprendizado entre a escola e as residências, de forma que desenvolvam atividades práticas também em seus territórios. Uma das emendas ao Pronatec sugere o fomento à educação do campo em regime de pedagogia da alternância entre os objetivos da proposta.  A essa emenda seguem outras que acrescentam as populações rurais como beneficiárias do programa, bem comoacrescentam as escolas de campo que praticam a pedagogia da alternância entre as beneficiárias de recursos. "A pedagogia da alternância tem respondido a um preceito que é tanto legal, porque consta na LDB, quanto legítimo, porque é uma necessidade dos grupos sociais de terem a educação oferecida nos moldes adequados a sua cultura e a sua dinâmica. Há experiências que avançam significativamente em termos teórico-metodológicos, a exemplo do que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza na diversificação dos tempos curriculares e dos espaços. Acrescentar a pedagogia da alternância no Pronatec é positivo", sintetiza Marise.

Segundo a professora, outro aspecto positivo entre as emendas ao programa é uma proposta que garante o pagamento de bolsa aos professores para que realizem cursos de aperfeiçoamento no exterior. Entretanto, Marise ressalta que o tema não deveria ser tratado em um programa, mas sim como parte da política do Ministério para os professores de um modo geral, de forma a constar, inclusive, no Plano Nacional de Educação (PNE).

Aprovação

Outras emendas apresentadas ao Pronatec tratam de temas como a inclusão dos direitos das pessoas com deficiência de participarem do programa. Segundo o relator, estas são consensuais. "A maioria das emendas será atendida. O relatório das comissões possivelmente será um relatório único e que irá permitir, inclusive, que no plenário da Câmara não levantemos divergências entre os relatores para aprovar o Pronatec com mais tranquilidade", assegura Carlos Biffi.

Apesar de reconhecer pontos positivos nas emendas, como as que tratam da pedagogia da alternância e a que reconhece os direitos da população com deficiência, Marise considera que no geral as propostas pioram o projeto. "As emendas acirram e aprofundam alguns problemas do Pronatec de forma a torná-lo ainda mais vinculado à iniciativa privada", conclui Marise.

O MEC ainda não se pronunciou oficialmente sobre quais emendas serão aceitas. Entretanto, Carlos Biffi adiantou que o Ministério não concorda com duas delas. "Tivemos uma reunião com o MEC e definimos que os cursos terão carga horária mínima de 160 horas. O próprio MEC ponderou a importância de considerarmos isso e não aceitarmos a possibilidade de cursos com 40 horas [proposta por uma das emendas]. Outra divergência do MEC é sobre a emenda que quer autonomia para as instituições definirem os cursos. A educação  tem que ter uma lista, um portfólio dos cursos, para que não fique em aberto, se não, cada um pode fazer curso e depois apresentar a conta. Isso não pode ser assim. O MEC não abre mão disso e nós também não, queremos ter o controle dos cursos e de sua qualidade", afirma, referindo-se à emenda proposta pelo deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), que autoriza as instituições de educação profissional e tecnológica a oferecerem cursos de educação profissional técnica de nível médio em caráter experimental.

De acordo com a assessoria de imprensa do MEC, há consenso em relação as emendas relativas aos direitos das pessoas com deficiência. O MEC, entretanto, não quis se pronunciar sobre as outras propostas.

De acordo com reportagem da Agência Câmara, o ministro da Educação, Fernando Haddad, em audiência pública na Casa, afirmou que serão investidos R$ 2 bilhões no Programa até 2012. A notícia afirma também que no primeiro ano podem ser gastos R$ 700 milhões em bolsas-formação estudante e trabalhador, pagas ao sistema S e à rede pública, e R$ 300 milhões no Fundo de financiamento estudantil (Fies), destinado a estudantes e empresas para pagarem cursos no Sistema S ou em instituições privadas. Segundo Carlos Biffi, esse primeiro R$ 1 bilhão pode ser aplicado ainda em 2011.

Leia mais:

Especial Pronatec

Educação profissional e ensino médio integrado no Brasil - um balanço das conquistas e reivindicações