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Entrevista: 
Giselda Freire Diniz

‘A conferência deixou muito a desejar’

Foi sem alarde, e muita gente nem ficou sabendo, mas entre os dias 21 e 23 de novembro aconteceu em Brasília a 3ª Conferência Nacional de Educação (Conae). E mesmo após a realização do evento, são poucas as informações disponíveis no site da Conae 2018, e o próprio documento final ainda não se encontra disponível. Essa foi a segunda conferência sobre educação realizada em 2018. Em abril, aconteceu a 1ª Conferência Nacional Popular de Educação, convocada por entidades que foram retiradas da composição do Fórum Nacional de Educação por meio de um decreto editado pelo Ministério da Educação em abril, ou que saíram do FNE em protesto contra o que denunciaram como uma tentativa de esvaziar o debate sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) e o processo de construção da 3ª Conae. Entre as que fizeram essa opção estão organizações como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Segundo a coordenadora do Fórum Estadual de Educação da Paraíba, Giselda Freire Diniz, que participou da 3ª Conae como observadora, o receio de esvaziamento não foi infundado. Segundo ela, participaram da conferência cerca de 1,5 mil pessoas, entre delegados e observadores. Número bem menor do que a segunda edição do evento, realizada em 2014, que teve a participação de quase quatro mil pessoas. Giselda conta ainda que muitos dos presentes não tinham participado das etapas preparatórias para a Conae nos municípios e estados. Alguns, como a Paraíba, sequer fizeram conferências estaduais. O motivo? Segundo ela, a falta de incentivo do MEC e o calendário eleitoral.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 29/11/2018 13h54 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Você participou da 3ª Conae como observadora. Que balanço que pode fazer do evento?

Percebi primeiro que foi uma conferência preparada para 1,5 mil participantes, quando na anterior foram quase quatro mil. E muitos não tinham participado das conferências preparatórias, não tinham discutido o documento de referência, no qual estavam as contribuições dos estados que realizaram as suas etapas. E, até hoje, a gente não sabe quantos estados, além da Paraíba, não realizaram as etapas preparatórias, municipais e estaduais.

Foi uma conferência realizada como que para cumprir um calendário, mas o nosso entendimento foi de que o MEC desrespeitou a lei 13.005, de 2014, do Plano Nacional de Educação, que estabeleceu que o responsável pela coordenação das conferências é o Fórum Nacional da Educação e não a secretaria-executiva do MEC. Essa foi uma das alterações do decreto que mudou a composição do FNE em abril de 2017.

Além disso o Fórum Nacional de Educação foi descaracterizado pelo MEC, com a emissão de dois decretos  que adiaram a Conae [revogando um decreto anterior, emitido ainda no governo Dilma Rousseff, que previa a realização da conferência no primeiro semestre de 2018] e criaram um novo Fórum Nacional de Educação com mais representação do poder público e do setor privado. Em meio a esse processo, foi formado o Fórum Nacional Popular de Educação, que convocou a Conferência Nacional Popular de Educação [a Conape, que aconteceu em Belo Horizonte entre 26 e 28 de abril desse ano]. O Fórum Estadual de Educação aqui da Paraíba, do qual sou coordenadora, a princípio pensou em realizar as duas conferências, a popular e a do MEC, só que diferentemente das conferências anteriores de 2010 e 2014, não houve por parte do Ministério da Educação apoio à realização das etapas preparatórias para a Conae.


Apoio financeiro?

Sim. Por isso a grande dificuldade. Por fim, eles repassaram um recurso mínimo para realizar as conferências estaduais, mas e as municipais, as intermunicipais? Então nós realizamos aqui na Paraíba 14 conferências municipais populares de educação, e a etapa estadual, também popular, que elegeram delegados que foram para para a Conape em Minas Gerias.

Mas em virtude de toda essa descaracterização do Fórum Nacional, das atuais políticas do governo em relação à desqualificação da educação no país, da falta de recursos para educação e do investimento nas empresas que têm negócios na educação, a deliberação do Fórum Estadual de Educação da Paraíba foi de não ir à 3ª Conae. Eu fui como observadora porque todos os coordenadores [de fóruns estaduais] foram convidados pelo MEC para participar. O MEC enviou ofícios em setembro para os secretários estaduais de educação, para indicarem os representantes para a Conae. Eu até questionei: até onde entendo os indicados são escolhidos numa conferência.

E o período para a realização das etapas estaduais ficou bastante inconveniente porque nós tivemos uma eleição bem no meio. Inclusive o MEC propôs que a gente realizasse a etapa estadual até o dia 8 de outubro. Dia 7 de outubro foi o primeiro turno da eleição. A partir de agosto se tornou impossível tirar as pessoas de seus redutos eleitorais e das suas campanhas para participarem de uma conferência. E a etapa nacional acabou acontecendo após o segundo turno, em novembro. De modo que o período eleitoral prejudicou muito essa mobilização também. Isso associado à falta de recursos esvaziou bastante a conferência.


E quanto às deliberações da conferência em si?

Foram oito os eixos discutidos, e eu ainda participei de algumas palestras sobre o regime de colaboração. Eles falavam em consolidação do Sistema Nacional de Educação, mas eu questionei: como consolidar o que não existe? Ainda defendemos e militamos pela instituição do Sistema Nacional de Educação, desde a 2a conferência, em 2014. Depois que for instituído é que a gente pode consolidar.

Eu acho que há uma certa rejeição à política do governo atual, e acho que quanto mais debate, quanto mais participação de todos os segmentos da sociedade, melhor para a proposição de políticas públicas. Mas a conferência deixou muito a desejar nesse aspecto.


Houve algum balanço em relação à implementação das metas do Plano da Nacional de Educação no contexto pós-aprovação da Emenda Constitucional 95, que para muitos críticos inviabiliza a implantação do PNE?

Mesmo antes da EC 95 de 2016, os municípios tinham muita dificuldade em implementar as metas e estratégias dos planos, e aí foi feita, sim, uma discussão dos graves riscos para o financiamento da educação. A educação não avança quando não há recursos e com a proposta de congelamento dos gastos da União por 20 anos ela não vai avançar. A gente vai ter que tentar reverter esse quadro, e isso apareceu como proposta na Conferência Nacional Popular de Educação. Na do MEC a gente discutiu esse ponto também.


E o que foi discutido na Conae?

Não se falou em revogação [da emenda], como na Conape não. A proposta seria tirar a educação do cálculo do teto de gastos.


E qual é a sua avaliação geral sobre o que acompanhou da conferência, os pontos positivos e negativos?

Eu avalio positivamente as palestras que aconteceram nos colóquios, nas mesas de interesse. Tivemos palestrantes de renome nacional. No colóquio do qual eu participei, que foi sobre a questão do regime de colaboração, havia pessoas com uma visão bastante crítica, eu gostei. E também ouvi de colegas que nas outras mesas também tivemos pessoas muito boas participando.

O negativo foi o esvaziamento mesmo. O fato de muitas pessoas que estavam lá não terem participado das etapas preparatórias para discutir o documento de referência. É muito difícil você chegar de última hora e dar a sua contribuição ou estar lá representando o seu órgão e a sua entidade sem ter participado da construção do documento. Tem que ter uma discussão prévia.


Que avaliação faz hoje, após a realização da 3ª Conae, da decisão das entidades que saíram do Fórum Nacional de Educação para compor o FNPE e convocar a 1ª Conape?  

Quando o MEC descaracterizou o fórum existente houve uma divisão, então uma conferência realizada popularmente e outra conferência realizada pelo MEC. E essa divisão faz com que algumas coisas fiquem nebulosas. Por exemplo, o nosso documento final [da Conape] vai ser entregue a quem? Porque quem vai traçar as políticas públicas é quem está no poder. E aí o nosso documento final, da Conape, foi apresentado em Brasília e para os políticos que ainda eram candidatos na época. Com relação à conferência oficial, essa equipe que está hoje no MEC, que organizou a conferência, a perspectiva é de que ela não permaneça. E aí também acho que pode cair no vazio todo esse trabalho. A gente não sabe como vai ficar ainda em relação ao futuro e se, de fato, nós vamos conseguir traçar políticas a partir desses documentos.

Mas eu considero que foi importantíssima a realização da Conferência Popular em abril. Embora as pessoas não tivessem apoio financeiro, elas organizaram nos seus municípios as conferências, participaram da estadual, às vezes por conta própria, mas havia a disposição de estar lá resistindo, porque todos os avanços que a gente teve na educação vieram a partir de lutas.

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Acontece entre os dias 26 e 28 de abril de 2018 a 1ª Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), em Belo Horizonte. O evento foi convocado em junho pelo recém-criado Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), formado por 33 entidades ligadas à área, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), entre outras. A proposta é servir de contraponto ao Fórum Nacional de Educação (FNE) e à Conferência Nacional de Educação (Conae), marcada para acontecer no segundo semestre de 2018, ainda sem data definida. Em abril o Ministério da Educação (MEC) alterou a composição do FNE e o calendário da 3ª Conae. A justificativa foi a necessidade de “corrigir distorções do FNE com relação a medidas adotadas pela gestão anterior”, trazendo para dentro do fórum outros setores da sociedade civil, “não apenas aqueles diretamente ligados à área”. Com relação à data de realização da Conae, o MEC alterou um decreto de 9 de maio de 2016 que determinava que ela fosse realizada no primeiro semestre de 2018, adiando-a para o segundo semestre, argumentando que o calendário anterior criava dificuldades para que estados e municípios realizassem suas conferências locais antes da nacional. “Com isso, será possível que municípios e estados façam suas conferências a tempo e, também, que a Conae 2018 seja realizada com maior planejamento e sem interferência político-partidária”, disse o MEC em reportagem publicada no site da pasta no dia 24 de agosto, após a primeira reunião do novo FNE. As mudanças, no entanto, motivaram a saída de várias entidades que compunham o FNE em repúdio às decisões do MEC, e em seguida a criação do Fórum Nacional Popular de Educação. O coordenador do FNPE, Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), faz, nesta entrevista, um balanço da adesão ao processo de construção da Conape nos níveis municipal e estadual e fala sobre as motivações por trás da formação de um espaço paralelo de discussão e elaboração de propostas para o campo das políticas educacionais em meio a uma conjuntura de retrocessos nas políticas sociais.