Você participou da 3ª Conae como observadora. Que balanço que pode fazer do evento?
Percebi primeiro que foi uma conferência preparada para 1,5 mil participantes, quando na anterior foram quase quatro mil. E muitos não tinham participado das conferências preparatórias, não tinham discutido o documento de referência, no qual estavam as contribuições dos estados que realizaram as suas etapas. E, até hoje, a gente não sabe quantos estados, além da Paraíba, não realizaram as etapas preparatórias, municipais e estaduais.
Foi uma conferência realizada como que para cumprir um calendário, mas o nosso entendimento foi de que o MEC desrespeitou a lei 13.005, de 2014, do Plano Nacional de Educação, que estabeleceu que o responsável pela coordenação das conferências é o Fórum Nacional da Educação e não a secretaria-executiva do MEC. Essa foi uma das alterações do decreto que mudou a composição do FNE em abril de 2017.
Além disso o Fórum Nacional de Educação foi descaracterizado pelo MEC, com a emissão de dois decretos que adiaram a Conae [revogando um decreto anterior, emitido ainda no governo Dilma Rousseff, que previa a realização da conferência no primeiro semestre de 2018] e criaram um novo Fórum Nacional de Educação com mais representação do poder público e do setor privado. Em meio a esse processo, foi formado o Fórum Nacional Popular de Educação, que convocou a Conferência Nacional Popular de Educação [a Conape, que aconteceu em Belo Horizonte entre 26 e 28 de abril desse ano]. O Fórum Estadual de Educação aqui da Paraíba, do qual sou coordenadora, a princípio pensou em realizar as duas conferências, a popular e a do MEC, só que diferentemente das conferências anteriores de 2010 e 2014, não houve por parte do Ministério da Educação apoio à realização das etapas preparatórias para a Conae.
Apoio financeiro?
Sim. Por isso a grande dificuldade. Por fim, eles repassaram um recurso mínimo para realizar as conferências estaduais, mas e as municipais, as intermunicipais? Então nós realizamos aqui na Paraíba 14 conferências municipais populares de educação, e a etapa estadual, também popular, que elegeram delegados que foram para para a Conape em Minas Gerias.
Mas em virtude de toda essa descaracterização do Fórum Nacional, das atuais políticas do governo em relação à desqualificação da educação no país, da falta de recursos para educação e do investimento nas empresas que têm negócios na educação, a deliberação do Fórum Estadual de Educação da Paraíba foi de não ir à 3ª Conae. Eu fui como observadora porque todos os coordenadores [de fóruns estaduais] foram convidados pelo MEC para participar. O MEC enviou ofícios em setembro para os secretários estaduais de educação, para indicarem os representantes para a Conae. Eu até questionei: até onde entendo os indicados são escolhidos numa conferência.
E o período para a realização das etapas estaduais ficou bastante inconveniente porque nós tivemos uma eleição bem no meio. Inclusive o MEC propôs que a gente realizasse a etapa estadual até o dia 8 de outubro. Dia 7 de outubro foi o primeiro turno da eleição. A partir de agosto se tornou impossível tirar as pessoas de seus redutos eleitorais e das suas campanhas para participarem de uma conferência. E a etapa nacional acabou acontecendo após o segundo turno, em novembro. De modo que o período eleitoral prejudicou muito essa mobilização também. Isso associado à falta de recursos esvaziou bastante a conferência.
E quanto às deliberações da conferência em si?
Foram oito os eixos discutidos, e eu ainda participei de algumas palestras sobre o regime de colaboração. Eles falavam em consolidação do Sistema Nacional de Educação, mas eu questionei: como consolidar o que não existe? Ainda defendemos e militamos pela instituição do Sistema Nacional de Educação, desde a 2a conferência, em 2014. Depois que for instituído é que a gente pode consolidar.
Eu acho que há uma certa rejeição à política do governo atual, e acho que quanto mais debate, quanto mais participação de todos os segmentos da sociedade, melhor para a proposição de políticas públicas. Mas a conferência deixou muito a desejar nesse aspecto.
Houve algum balanço em relação à implementação das metas do Plano da Nacional de Educação no contexto pós-aprovação da Emenda Constitucional 95, que para muitos críticos inviabiliza a implantação do PNE?
Mesmo antes da EC 95 de 2016, os municípios tinham muita dificuldade em implementar as metas e estratégias dos planos, e aí foi feita, sim, uma discussão dos graves riscos para o financiamento da educação. A educação não avança quando não há recursos e com a proposta de congelamento dos gastos da União por 20 anos ela não vai avançar. A gente vai ter que tentar reverter esse quadro, e isso apareceu como proposta na Conferência Nacional Popular de Educação. Na do MEC a gente discutiu esse ponto também.
E o que foi discutido na Conae?
Não se falou em revogação [da emenda], como na Conape não. A proposta seria tirar a educação do cálculo do teto de gastos.
E qual é a sua avaliação geral sobre o que acompanhou da conferência, os pontos positivos e negativos?
Eu avalio positivamente as palestras que aconteceram nos colóquios, nas mesas de interesse. Tivemos palestrantes de renome nacional. No colóquio do qual eu participei, que foi sobre a questão do regime de colaboração, havia pessoas com uma visão bastante crítica, eu gostei. E também ouvi de colegas que nas outras mesas também tivemos pessoas muito boas participando.
O negativo foi o esvaziamento mesmo. O fato de muitas pessoas que estavam lá não terem participado das etapas preparatórias para discutir o documento de referência. É muito difícil você chegar de última hora e dar a sua contribuição ou estar lá representando o seu órgão e a sua entidade sem ter participado da construção do documento. Tem que ter uma discussão prévia.
Que avaliação faz hoje, após a realização da 3ª Conae, da decisão das entidades que saíram do Fórum Nacional de Educação para compor o FNPE e convocar a 1ª Conape?
Quando o MEC descaracterizou o fórum existente houve uma divisão, então uma conferência realizada popularmente e outra conferência realizada pelo MEC. E essa divisão faz com que algumas coisas fiquem nebulosas. Por exemplo, o nosso documento final [da Conape] vai ser entregue a quem? Porque quem vai traçar as políticas públicas é quem está no poder. E aí o nosso documento final, da Conape, foi apresentado em Brasília e para os políticos que ainda eram candidatos na época. Com relação à conferência oficial, essa equipe que está hoje no MEC, que organizou a conferência, a perspectiva é de que ela não permaneça. E aí também acho que pode cair no vazio todo esse trabalho. A gente não sabe como vai ficar ainda em relação ao futuro e se, de fato, nós vamos conseguir traçar políticas a partir desses documentos.
Mas eu considero que foi importantíssima a realização da Conferência Popular em abril. Embora as pessoas não tivessem apoio financeiro, elas organizaram nos seus municípios as conferências, participaram da estadual, às vezes por conta própria, mas havia a disposição de estar lá resistindo, porque todos os avanços que a gente teve na educação vieram a partir de lutas.