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Entrevista: 
Heleno Araújo

'O ataque sobre o FNE tem coerência com medidas absurdas que o governo está encaminhando, como a reforma do ensino médio'

Acontece entre os dias 26 e 28 de abril de 2018 a 1ª Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), em Belo Horizonte. O evento foi convocado em junho pelo recém-criado Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), formado por 33 entidades ligadas à área, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), entre outras. A proposta é servir de contraponto ao Fórum Nacional de Educação (FNE) e à Conferência Nacional de Educação (Conae), marcada para acontecer no segundo semestre de 2018, ainda sem data definida. Em abril o Ministério da Educação (MEC) alterou a composição do FNE e o calendário da 3ª Conae. A justificativa foi a necessidade de “corrigir distorções do FNE com relação a medidas adotadas pela gestão anterior”, trazendo para dentro do fórum outros setores da sociedade civil, “não apenas aqueles diretamente ligados à área”. Com relação à data de realização da Conae, o MEC alterou um decreto de 9 de maio de 2016 que determinava que ela fosse realizada no primeiro semestre de 2018, adiando-a para o segundo semestre, argumentando que o calendário anterior criava dificuldades para que estados e municípios realizassem suas conferências locais antes da nacional. “Com isso, será possível que municípios e estados façam suas conferências a tempo e, também, que a Conae 2018 seja realizada com maior planejamento e sem interferência político-partidária”, disse o MEC em reportagem publicada no site da pasta no dia 24 de agosto, após a primeira reunião do novo FNE. As mudanças, no entanto, motivaram a saída de várias entidades que compunham o FNE em repúdio às decisões do MEC, e em seguida a criação do Fórum Nacional Popular de Educação. O coordenador do FNPE, Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), faz, nesta entrevista, um balanço da adesão ao processo de construção da Conape nos níveis municipal e estadual e fala sobre as motivações por trás da formação de um espaço paralelo de discussão e elaboração de propostas para o campo das políticas educacionais em meio a uma conjuntura de retrocessos nas políticas sociais.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 31/08/2017 12h54 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Qual é o balanço da adesão dos municípios e estados ao processo de construção da Conferência Nacional Popular de Educação?

É muito positivo. Já temos a confirmação de 19 estados e mais o Distrito Federal. Então, são 20 unidades federativas que já assumiram a realização da Conape, e que estão contribuindo e fortalecendo a realização das etapas municipais ou intermunicipais, e já construindo a etapa estadual. As conferências municipais e intermunicipais estão acontecendo até o final de outubro deste ano, e no período de novembro deste ano até março do ano que vem acontecem as etapas estaduais e distrital.


E você sabe dizer quais municípios já estão realizando ou já estão com data prevista para a realização de conferências populares de educação?

A cidade de São Paulo já realizou sua etapa municipal, alguns municípios do estado também. Eu não sei precisar quantos exatamente. Mas o Fórum Estadual de São Paulo já marcou para os dias 24 e 25 de novembro a etapa estadual da Conape. Tem outras marcadas para novembro e dezembro também, mas acredito que a maior parte fica para o ano que vem. Nós liberamos agora, na semana passada, o documento de referência e o regimento, então os fóruns estaduais estão se reunindo para montar o calendário. Rondônia já tem data marcada para 11 conferências intermunicipais, Pernambuco já tem o calendário também de vários municípios com datas de realização municipal e intermunicipais. Agora nós temos dia 12 e 13 de setembro a municipal de Caruaru, lá em Pernambuco. Em setembro teremos, no dia 4, o lançamento da Conape em Mato Grosso do Sul, no dia 18 vamos lançar o Fórum Municipal Popular de Educação em Recife, e nos dias 22 e 23 vamos fazer o lançamento das etapas estaduais da Conape no Pará e no Espírito Santo, respectivamente. Essas são as datas que tenho de cabeça. Mas estamos colocando esse calendário no nosso site. Vamos alimentando para que as pessoas possam acompanhar as datas.


Como está organizado o documento de referência da Conape que foi divulgado na semana passada?

O documento de referência foi construído por um grupo de oito professores universitários coordenado pelo professor Luiz Dourado, da Universidade Federal de Goiás. Eles escreveram a primeira minuta sobre os oito eixos da conferência, sobre a qual foram feitas observações por uma comissão de sistematização do Fórum Nacional Popular de Educação. O documento foi reorganizado e depois discutido e aprovado pelo pleno do Fórum, que já conta com a adesão de 33 entidades. Agora estamos encaminhando o documento para debate nas esferas municipal e estadual. Ele começa com uma convocatória de adesão à Conape e faz uma apresentação, contextualizando o motivo da nossa saída do Fórum Nacional da Educação. O documento destaca a importância da implantação do Plano Nacional de Educação como forma de garantir o direito à educação. Em cima disso, trabalhamos com oito eixos: Sistema Nacional de Educação, direito à educação, passando pela questão da diversidade, da gestão democrática, da valorização dos profissionais da educação, do financiamento da educação, da relação da educação com o mundo do trabalho, com o meio ambiente, com as políticas de saúde.


Quais foram os efeitos das medidas administrativas adotadas pelo MEC com relação ao FNE e à Conferência Nacional de Educação (Conae) que levaram à saída das entidades do fórum e a formação do FNPE?

Houve um esforço muito grande de todas as entidades para ver como seria a atuação do Fórum Nacional de Educação no contexto de um golpe à democracia e à classe trabalhadora. Chegamos à conclusão de que era necessário manter a atuação do Fórum Nacional de Educação como um dos órgãos responsáveis pelo acompanhamento da execução das metas do Plano Nacional de Educação, segundo a lei 13.005 de 2014, que é a lei do PNE. Então, fizemos todo um movimento, uma pressão por dentro do Ministério da Educação para manter o Fórum atuante, discutindo as políticas educacionais e organizando a Conferência Nacional de Educação em 2018. No entanto, o MEC editou um decreto executivo no dia 26 de abril de 2017, que alterou todos os encaminhamentos dados pelo pleno do FNE e, na sequência, a portaria 577 de 27 de abril de 2017, que fez o enxugamento da presença das entidades da sociedade civil dentro do Fórum. Nós tínhamos 42 entidades da sociedade civil dentro do Fórum e após essa portaria, baixou para 24. Entre as entidades que foram sumariamente retiradas da composição do FNE estão a Fasubra [Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil], o Proifes [Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico], a Anped [Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação], o Cedes [Centro de estudos Educação e Sociedade], a Contee [Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino], entre muitas outras. Então, 18 entidades foram tiradas do Fórum com essa portaria. Das que ficaram, algumas como a CNTE [Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação], Ubes [União Brasileira dos Estudantes Secundaristas], UNE [União Nacional dos Estudantes], entre outras, decidiram se somar às que foram retiradas, contabilizando 20 entidades que tinham assento no FNE e que agora compõem o Fórum Nacional Popular de Educação.


E vocês argumentam que houve também uma ampliação da participação empresarial e do próprio Ministério dentro do FNE. Como isso se deu?

Exatamente. Das oito secretarias e órgãos do Ministério que tinham assento no FNE, passou para dez. Eles abriram uma vaga para o Sistema S dentro desse processo.  Então, isso fez com que a gente saísse porque todas essas indicações ficariam a mercê da escolha do ministro da educação, que transformou um fórum que era um espaço da sociedade civil organizada brasileira em indicações individuais, como ocorre com o Conselho Nacional de Educação. Além disso, ele pede novas indicações de todas as entidades. Então, por exemplo, a representante do Senado era a senadora Fátima Bezerra (PT-RN). Agora não é mais, é um senador mais ligado ao governo; na Câmara era o deputado Pedro Uczai (PT-SC), agora é o Izalci [Lucas], que é do PSDB do Distrito Federal, ligado ao governo. Com essas indicações, o governo passou a ter posição de maioria dentro do Fórum. Ele instrumentalizou o FNE para poder ter um controle maior sobre a sua atuação.


E a composição do FNE anteriormente era definida de que forma?

O regimento apontava alguns critérios. Tinham que ser entidades nacionais com atuação, no mínimo, em três das cinco regiões do país. O pedido de ingresso era deliberado pela comissão permanente do Fórum, que decidia se a entidade alcançou os critérios estabelecidos pelo regimento ou não. Alcançando, o pleno do Fórum decidia se aquela entidade poderia ingressar no Fórum. Agora é o Ministério da Educação quem decide quem entra. E veja que o Fórum não tem critérios para expulsar entidades. Depois que ingressa, só sai se ela quiser.


E do ponto de vista das atribuições do FNE, qual foi o impacto das medidas administrativas do MEC?

A portaria 577 revogou os artigos 1º e 2º da portaria anterior, que definia a finalidade do Fórum, sua competência, seu caráter permanente. No artigo 4º da portaria 577, o MEC transferiu para a secretaria-executiva do MEC atribuições que eram do FNE, desrespeitando o artigo 6º da lei do PNE. Por exemplo, o trabalho de coordenar a Conferência Nacional de Educação. A lei diz que isso é papel do Fórum, passou para secretaria-executiva do MEC; definir a composição do Fórum, que é papel do pleno do Fórum, passou para a secretaria-executiva do MEC. Inclusive atribuições como discutir as políticas educacionais e apresentar propostas, eles também cortaram.


E como é que vinha se dando a relação com o MEC antes disso? 

Um descaso completo. Nós tínhamos uma sala dentro do prédio principal do ministério, no 6º andar, dedicada ao FNE, onde havia 13 pessoas trabalhando na secretaria operativa do Fórum. Essa sala foi desativada, fomos transferidos para uma sala pequena com apenas cinco pessoas para ajudar. Nós tínhamos sete técnicos que ajudavam a fazer a organização em todo o país e passamos a ter apenas um. Então, já estavamos sem estrutura para trabalhar. Além disso, os documentos necessários para a realização da Conae 2018 não foram encaminhados, não houve contratação de consultores para construir o documento referência para a Conferência. O MEC até hoje não apresentou o orçamento para a realização das etapas municipais, estaduais e nacional e nem temos o regimento definido, porque o que foi colocado em votação o MEC votou contra. Então o ministério não deu estrutura nenhuma para se garantirem as condições de realização etapas municipais, estaduais e nacional da CONAE 2018.


O adiamento da CONAE veio por meio desse decreto de 26 de abril?

Isso. O MEC tentou na reunião do pleno do FNE de 29 de março adiar de abril para novembro a conferência, mas isso não foi aprovado. E aí o decreto de 26 de abril de 2017, que revogou o decreto de 9 de maio de 2016 que fez a convocação para a 3ª Conae, terminou por não apontar data para realização da etapa nacional. No decreto o MEC coloca que as etapas estaduais podem acontecer até dezembro de 2018. Se a etapa estadual vai até dezembro de 2018, quando será a nacional? Porque do último prazo que você tem para a realização da etapa estadual você tem que ter 60 dias para fazer a etapa nacional, precisa de um tempo para sistematizar as emendas apresentadas em todos os estados e no Distrito Federal. Isso o decreto não define. Ao mesmo tempo, não apresentaram o orçamento - o MEC sempre contribui com pelo menos com 50% dos recursos com a estrutura para que as etapas estaduais aconteçam. Esse orçamento até hoje também não foi apresentado. Então, é como se deixasse por conta de cada um fazer as atividades sem nenhuma orientação. Não tem documento de referência por parte do Fórum Nacional de Educação, não tem o regimento, não tem o documento de orientações nem tem orçamento para realizar as etapas. Está uma coisa abandonada. É claramente uma tentativa de protelar, para não deixar a conferência nacional acontecer de forma alguma. Por isso que nós criamos o Fórum Nacional Popular de Educação.  Temos documento de referência, temos regimento, temos orientação. Só não temos orçamento definido porque agora vai ser uma conferência autofinanciada. Mas temos esses instrumentos para fazer enfrentamento e mostrar que vamos continuar debatendo a educação em nosso país.


Estamos em uma conjuntura complicada com relação às políticas de educação, com a reforma do ensino médio, o avanço da discussão sobre a Base Nacional Curricular Comum, e o veto do presidente Michel Temer à prioridade dada ao cumprimento do PNE no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias que saiu do Congresso, etc. Diante desse cenário, qual deve ser a atuação do Fórum Nacional Popular de Educação e da Conferência Nacional Popular de Educação?

Primeiro é importante dizer que, pela lei do PNE, é tarefa do Fórum fazer a discussão sobre todas essas políticas, todos esses temas e apresentar propostas. Então, quando o MEC dá um golpe no Fórum é para destruir essa possibilidade de construção coletiva. Por isso se reformou o ensino médio com Medida Provisória e o documento da Base Nacional Comum Curricular foi fechado em um grupo interno dentro do MEC, sem participação efetiva das entidades. Então, as políticas são definidas em gabinetes, o que não estava acontecendo anteriormente. O próprio Plano Nacional de Educação foi submetido ao Fórum Nacional de Educação para um debate interno antes que o projeto de lei fosse apresentado ao Congresso Nacional. É justamente o que não quer fazer esse governo. Ele não quer participação social, não quer o debate, não quer ouvir sugestões. Todas as políticas são centralizadas dentro do MEC. Convidam-se especialistas que definem as políticas sem conhecer a realidade brasileira para colocar essa política em prática. Então, o ataque sobre o FNE tem coerência com medidas absurdas que o governo está encaminhando, como a reforma do ensino médio.