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Maior parte do PNE não será cumprida, aponta relatório

Documento da Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostra que 86% dos objetivos previstos no Plano Nacional de Educação, com vigência até 2024, ainda estão descumpridas
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 24/06/2022 14h13 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

Há três anos do final da vigência do PNE, o Plano Nacional de Educação, 86% dos objetivos previstos estão descumpridos até agora. É o que aponta um balanço divulgado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação na segunda-feira (20). O relatório, o oitavo publicado pela entidade com o acompanhamento do PNE – aprovado em 2014 pela lei 13.005, com vigência até 2024 –, apresenta dados coletados até 2021, e mostra um quadro de retrocessos em nove das 20 metas previstas no plano. De acordo com a Campanha, apenas cinco metas foram parcialmente cumpridas no período e têm chances de serem atingidas até o fim do prazo legal. As outras 15 dificilmente serão cumpridas, segundo o balanço.

Retrocessos

Entre as metas em retrocesso, está a de número 10, que preconiza a ampliação da Educação de Jovens e Adultos Integrada à Educação Profissional. Ela prevê que 25% das matrículas da EJA no ensino fundamental e médio sejam ofertadas dessa forma até 2024. Os dados, no entanto, apontam que esse percentual caiu de 2,8% em 2014 para 2,2% em 2021, cenário que segundo a Campanha denuncia “o abandono da educação de jovens e adultos por parte dos governos”.

A meta 11, que propõe triplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM), com pelo menos 50% da expansão no segmento público, é tratada pelo relatório como parcialmente cumprida, mas com um alerta de retrocesso. Isso porque houve um ligeiro aumento das matrículas em termos quantitativos no período, de 20,4% em 2014 para 21,3% em 2021, embora o percentual tenha caído em relação a 2020 (23,6%) e 2019 (22,1%). E esse crescimento se deu exclusivamente no setor público, que hoje concentra 100% das matrículas na Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Em 2014 esse percentual era de 10,3%. Segundo a Campanha, o ritmo de expansão da EPTNM de 2014 para cá foi de 40 mil matrículas por ano, “muito aquém das 296 mil anuais necessárias para cumprir o previsto no Plano Nacional de Educação até 2024”, de acordo com o relatório. O texto ainda pondera que mudanças que ocorreram nesse período, como a Reforma do Ensino Médio, geram desconfiança sobre o aspecto qualitativo dessa oferta. “Essa expansão vem acompanhada de sérias dúvidas em relação à manutenção da qualidade prevista na mesma meta, uma vez que a reforma trouxe, além do formato questionável dos itinerários, novidades como a possibilidade de profissionais sem formação docente lecionarem disciplinas do itinerário profissionalizante e a possibilidade de oferecimento de até 30% do ensino médio no formato de educação a distância (EaD)”, diz o texto.

A meta 20, que segundo a Campanha é fundamental para viabilizar o cumprimento de todas as outras do PNE, também se encontra em retrocesso. Essa meta é a que previa a ampliação progressiva do investimento público na educação pública de modo a atingir o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. Esse patamar dificilmente será atingido, segundo o relatório, uma vez que esse percentual não passava de 5% em 2017, primeiro ano após a aprovação da Emenda Constitucional 95, que limitou, por 20 anos, o crescimento anual dos gastos federais à inflação medida no ano anterior. 

Também em retrocesso estão as metas 2 e 3, que dizem respeito à universalização do acesso à educação básica. O PNE estipulou que até 2016 toda a população entre 15 e 17 anos deveria estar cursando o ensino médio ou já ter concluído a educação básica. Em 2021 esse percentual era de 95,3%, o que significa, segundo o balanço, que 433 mil jovens nessa faixa etária se encontram fora da escola, cinco anos após o prazo ter se esgotado. A meta 3 aponta ainda para uma elevação, até 2024, da taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, o que significa que essa parcela dos jovens entre 15 e 17 anos deveria estar não só matriculada na escola, mas cursando o ensino médio ao final da vigência do PNE. Em 2021, no entanto, a taxa apresentou queda em relação a 2020, interrompendo uma trajetória de altas que vinha desde 2014, quando esse índice era de 66,7%. Em 2020, ela chegou a 76,6%, enquanto, no ano passado, foi de 74,5%. Aqui novamente o relatório  faz referência à reforma do ensino médio, aprovada em 2017, e que segundo a Campanha “precariza a formação das juventudes brasileiras e desresponsabiliza o Estado de sua obrigação constitucional de ofertar educação básica”. A tendência, continua o documento, é de “aprofundamento das desigualdades educacionais e sociais, ameaçando a democratização do ensino público e distanciando a juventude da educação de qualidade, aquela que proporciona desenvolvimento integral dos estudantes”.

Já no ensino fundamental, objeto da meta 2, o cenário também é preocupante. Os dados mostram que entre 2020 e 2021, o número de crianças de seis a 14 anos que não frequentaram e nem concluíram essa etapa quase dobrou, passando de 540 mil para pouco mais de um milhão. A meta fala na universalização do ensino fundamental de nove anos para toda a população dessa faixa etária. Em 2021, no entanto, esse percentual era de 95,9%, uma queda em relação ao patamar de 98% identificado entre 2018 e 2020. O total de jovens concluindo o ensino fundamental na idade adequada, por sua vez, vem crescendo lentamente desde 2014, quando era de 73,1%, chegando a 81,1% em 2021. Segundo a Campanha, no entanto, o ritmo de crescimento é menos da metade do necessário para garantir o cumprimento da meta, fixada em 95% até 2024. 

Ainda segundo a Campanha, a falta de dados oficiais é um problema hoje para o devido acompanhamento de oito das 20 metas do PNE,  entre elas a que fala da universalização da educação infantil na pré-escola, do acesso à educação básica para crianças e jovens com deficiência, da alfabetização de todas as crianças, no máximo, até o 3º ano do ensino fundamental e da oferta de Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica.

“O PNE não está sendo cumprido. No lugar dele, são colocadas uma série de políticas públicas que vão na contramão do que ele preconiza: políticas discriminatórias, excludentes, de censura, e de esvaziamento da escola como lugar vivo, democrático, transformador e livre. Assim, o descumprimento do Plano Nacional de Educação está no centro da barbárie que toma a educação nacional”, resume o documento.

Leia mais

No dia 25 de junho de 2014, exatamente cinco anos atrás, foi promulgada a Lei nº 13.005, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE). Ela já veio com atraso: começou a tramitar em 2010 e deveria ter começado a vigorar em janeiro de 2011, quando vencia o PNE anterior. A demora na aprovação se deveu, principalmente, a uma queda de braço em torno de dois pontos relativos ao financiamento. Um deles os movimentos sociais da educação perderam: ao contrário do que defendiam, o Plano estabeleceu que o país deve aplicar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação e não exclusivamente em educação pública. O outro eles ganharam: o texto estabelece que o governo federal deve complementar o financiamento em todos os estados e municípios que não conseguirem investir o valor do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e, depois, o Custo Aluno-Qualidade, um mecanismo de cálculo inserido na lei que estabelece um mínimo a ser aplicado para garantir a qualidade da educação. Ganharam mais não levaram. Chegando na metade da vigência do PNE – que é de dez anos –, a implementação do CAQi, considerada condição para o cumprimento de boa parte das metas, não só está longe de virar realidade como sofreu um revés. Nesta entrevista, Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, mostra que não é um caso isolado: segundo ela, o PNE como um todo encontra-se em risco.
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