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Os rumos da educação pública estão em pauta

Início da Conferência Nacional de Educação é marcado por cobranças de revogação do NEM e pelo fim do uso de dinheiro público na educação privada
Paulo Schueler - EPSJV/Fiocruz | 29/01/2024 11h25 - Atualizado em 29/01/2024 13h00
Foto: Larissa Guedes/EPSJV

A abertura da Conferência Nacional de Educação, a Conae, foi intercalada entre as falas de autoridades presentes e as insistentes manifestações dos delegados presentes por duas pautas: a revogação do Novo Ensino Médio (NEM) e o fim do uso de recursos públicos na educação privada. As cobranças da ampla maioria dos delegados presentes ocorrem após o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024 ter reduzido as verbas das universidades federais e a Câmara dos Deputados ter indicado, através da escolha de Mendonça Filho como relator do Projeto de Lei para o Ensino Médio proposto pelo governo Lula, que a derrubada do NEM está em risco.

O evento, que começou no domingo (28/01) na Universidade de Brasília (UnB), reúne cerca de 2.500 delegados que debatem o tema “Plano Nacional de Educação (PNE) 2024-2034: política de Estado para garantia da educação como direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável”. O PNE será enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional ao longo deste ano.

Participaram do evento os ministros da Educação, Camilo Santana; do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil, Wellington Dias; e da Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil, Luciana Santos; o presidente do Conselho Nacional de Educação, Luís Roberto Curi; a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz; a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella Nunes; a prefeita de Juiz de Fora (MG) e vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos, Margarida Salomão; a reitora da UnB e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Marcia Moura; o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima; o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo; a presidenta da Internacional da Educação; Susan Hopgood, e o secretário-geral da Internacional da Educação, David Edwards; dentre outras autoridades, como senadores, deputados federais e secretários estaduais e municipais de educação.

Participação popular gera 8.651 emendas ao texto
O coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE) e presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (FNTE), Heleno Araújo, abriu o evento celebrando a participação da sociedade civil. Segundo ele, foram mais de 1.300 conferências realizadas em todo o país, envolvendo mais de 4.300 Municípios, todos os 26 Estados e o Distrito Federal, contando com a participação de milhares de pessoas. Ainda de acordo com Heleno, o documento aprovado por consenso no Fórum Nacional de Educação e discutido nas etapas preparatórias, recebeu 8.651 emendas que serão apreciadas nas Plenárias de Eixos e na Plenária Final desta etapa nacional. “No próximo dia 30 de janeiro, teremos cumprido nossa tarefa ao aprovarmos o documento final desta Conae. Desse consistente debate resultarão propostas sólidas e consequentes de políticas educacionais, subscritas pelos segmentos e setores que atuam na educação básica, profissional e superior, pública e privada de todo o país, que deverão fundamentar o novo PNE para os próximos dez anos. Um plano que reflita as nossas condições sociais, históricas e culturais e que ofereça meios e instrumentos viáveis para a efetivação do pleno direito à educação para todas as pessoas que vivem neste país", ressaltou Heleno.

A reitora da UnB e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Marcia Abrahão, destacou alguns pontos crucias para que o PNE seja implementado. “O Plano Nacional de Educação que se encerra neste ano não cumpriu suas metas com relação à educação superior, não houve financiamento permanente. Precisamos de um financiamento permanente da educação, comprometida com o futuro do planeta e da humanidade, com oferta de educação para crianças até idosos, da creche até a pós-graduação, que não dependa das mudanças de governos. E precisamos de democracia. Nos últimos anos, muitos reitores eleitos por suas comunidades acadêmicas não foram empossados pelo MEC. Precisamos avançar em uma lei que garanta a autonomia universitária na escolha de seus reitores”, afirmou.

Presidente da Ubes, Jade Beatriz comemorou a realização da Conae após a aprovação da bolsa permanência para o ensino médio, de acordo com ela “uma política estratégica contra a evasão escolar”. A estudante foi aplaudida ao afirmar que “precisamos ser mais ousados e estabelecer os 10% do PIB para a educação”. De acordo com Jade, o subfinanciamento da educação provocou a não implementação de muitas das metas do atual PNE. Ela cobrou ao MEC a disponibilização de alimentação gratuita em todos os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) e a revogação do Novo Ensino Médio. “Temos que pressionar o Congresso Nacional para conseguirmos um modelo de educação básica de qualidade e inclusivo. Sem educação básica de qualidade não haverá pós-graduação, não haverá ciência e tecnologia, não haverá inovação”, apontou.

A presidente da UNE, Manuella Mirella, reforçou a demanda dos 10% do PIB para a Educação e criticou a proposta orçamentária que o governo encaminhou ao parlamento. “Não combina com um projeto de fortalecimento da educação um PL de orçamento que retira recursos das universidades federais”, opinou, antes de cobrar ao MEC uma regulamentação do ensino superior privado, em especial a oferta de cursos de Educação a Distância. “Temos relatos de professores que lidam com 500, 1.000 alunos nas modalidades EaD. O aluno brasileiro não pode ser um código de barras dentro da lógica de que educação é mercadoria”, protestou.
Representando a Frente Nacional de Prefeitos, Margarida Salomão ressaltou que o próximo PNE precisa estabelecer políticas de estado nas quais os recursos de repasses constitucionais cheguem aos municípios, executores da educação nos primeiros anos de vida escolar, para que seja possível universalizar políticas, como a oferta de creches. “Já passou da hora de termos creches disponíveis para todas as crianças, condição essencial para a plena cidadania das mulheres e para o pleno desenvolvimento de nossas crianças”, ressaltou.

Deliberações da Conae, a base do novo PNE 2024-2034
O ministro da Educação, Camilo Santana, se comprometeu a usar as deliberações da Conae como texto-base do PNE que será formulado pelo MEC. “Esse é um documento base, feito por vocês, que vai orientar a construção do novo Plano Nacional da Educação do nosso País. Vocês estão representando a educação de todo o Brasil e a sociedade é a melhor fiscal de qualquer política pública, porque conhece a realidade da educação em cada estado, em cada município”, afirmou Santana.

De acordo com o ministro, é preciso ter claro que mesmo com esta decisão do MEC será necessário dialogar com o Congresso Nacional, estados e municípios, para que as metas do novo PNE possam ser implementadas. “Quem implementa a educação básica são estados e municípios. Saúdo aqui as presenças do Consed e da Undime, com as quais recentemente pactuamos novos fatores de ponderação para a EJA (educação de jovens e adultos), como exemplo de que o diálogo pode contribuir para a efetivação das políticas”, ressaltou. 

Camilo defendeu seu primeiro ano no comando da pasta, citando que o MEC passou por uma “reconstrução” em 2023, e citou a recomposição dos valores da merenda e do transporte escolar, a renegociação de dívidas do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e a retomada de obras de unidades escolares, notadamente as de creches, como conquistas da gestão. “Encontramos um MEC com mais de cinco mil obras da educação básica inacabadas”, citou Camilo, ao lembrar que a Educação faz parte dos projetos do novo PAC – Plano de Aceleração do Crescimento.
O ministro também lembrou que foi lançado o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, uma medida interventiva após a constatação de que 61% das crianças brasileiras não conseguiam ler e aprender ao final do segundo ano do ensino fundamental. “Também aprovamos a nova lei de cotas, que teve como novidade a inclusão dos quilombolas”, afirmou.

Por fim, o ministro divulgou que será lançada, em breve, uma nova política nacional da educação das relações étnico-raciais e da educação escolar quilombola. “Já aumentamos em 17% o valor de repasse voltado aos alunos indígenas e quilombolas”, adiantou.

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No dia 25 de junho de 2014, exatamente cinco anos atrás, foi promulgada a Lei nº 13.005, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE). Ela já veio com atraso: começou a tramitar em 2010 e deveria ter começado a vigorar em janeiro de 2011, quando vencia o PNE anterior. A demora na aprovação se deveu, principalmente, a uma queda de braço em torno de dois pontos relativos ao financiamento. Um deles os movimentos sociais da educação perderam: ao contrário do que defendiam, o Plano estabeleceu que o país deve aplicar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação e não exclusivamente em educação pública. O outro eles ganharam: o texto estabelece que o governo federal deve complementar o financiamento em todos os estados e municípios que não conseguirem investir o valor do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e, depois, o Custo Aluno-Qualidade, um mecanismo de cálculo inserido na lei que estabelece um mínimo a ser aplicado para garantir a qualidade da educação. Ganharam mais não levaram. Chegando na metade da vigência do PNE – que é de dez anos –, a implementação do CAQi, considerada condição para o cumprimento de boa parte das metas, não só está longe de virar realidade como sofreu um revés. Nesta entrevista, Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, mostra que não é um caso isolado: segundo ela, o PNE como um todo encontra-se em risco.