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PNAB em xeque

Agentes de saúde articulam na Câmara e no Senado decretos legislativos que sustam os efeitos da nova Política Nacional de Atenção Básica e pressionam gestores a negociar
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 11/10/2017 14h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h45
Reunião na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara reunião defensores e críticas da nova PNAB. Não se chegou a consenso Foto: Assessoria do deputado federal Mandetta (DEM/MS)

A nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) está em xeque. O lance que pode colocar fim à versão do texto aprovada pelos gestores em agosto está sendo jogado no Congresso Nacional. Isso porque parlamentares alinhados às lutas dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias lançaram mão de um instrumento capaz de revogar atos do Executivo. No dia 3 de outubro, o deputado Mandetta (DEM/MS) homologou o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 786/17 com o objetivo de sustar a portaria 2.436 editada em 21 de setembro pelo Ministério da Saúde. Outros 26 parlamentares coassinam o PDC, totalizando um apoio de 13 legendas à iniciativa: PMDB, PP, PCdoB, PSDB, PPS, PR, PDT, PV, PT, PTB, PSB e PSOL, além do DEM.

"Tivemos hoje [10/09] uma reunião com o senador Cássio Cunha Lima [PSDB/PB] e ele também irá protocolar na próxima terça [17] um decreto legislativo no Senado para sustar a nova PNAB", informou Ilda Angélica Correia, presidente da Confederação Nacional dos Agentes de Saúde (Conacs). E completou: "Nós temos uma esperança muito forte de que a portaria que regulamenta a nova PNAB seja revogada ou ao menos suspensa. Estamos em uma luta ferrenha dentro do Congresso para chegar a esse objetivo. Estamos usando as estratégias corretas: além da parceria muito forte com diversos deputados, de várias legendas, estamos pressionando o governo na Casa dele [Senado] e acreditamos que isso vai se resolver num curto espaço de tempo".

De volta à negociação

Ao que parece, a estratégia de barrar a PNAB por meio do Legislativo está dando frutos. O cenário começou a mudar logo depois que o PDC 786 foi protocolado na Câmara em meio a uma grande mobilização da categoria. No dia 4 de setembro, dois mil agentes saíram em caminhada do anexo do Congresso até o prédio do Ministério da Saúde. O objetivo era pressionar o ministro Ricardo Barros a recebê-los. Conseguiram.

Segundo Ilda, nessa reunião foram apresentados cinco pontos considerados críticos na nova Política não só pelos agentes mas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que participaram tanto da mobilização quanto do debate com Barros. São eles: o financiamento federal a equipes de atenção básica sem a exigência de que nelas seja obrigatória a contratação de ao menos um agente comunitário de saúde; a retirada do parâmetro de cobertura populacional presente na última versão da PNAB, de 2011, que previa que em cada equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) existisse, no mínimo, quatro ACS; mudanças nas atribuições dos agentes comunitários e dos agentes de combate às endemias de modo a confundir a atuação desses profissionais; o receio de que a implantação dos padrões "essencial" e "ampliado" de ações e serviços de saúde em todas as unidades implique em uma redução do que é oferecido à população; e a falta de debate das propostas pelo controle social do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ainda de acordo com a presidente da Conacs, o ministro sinalizou que iria articular junto ao Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e ao Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) a reabertura do debate sobre a PNAB já que não haveria disposição por parte do governo federal em decidir pela revogação ou suspensão de forma unilateral. As entidades compõem a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), responsável pelas alterações que resultaram na nova Política.

Compasso de espera

O saldo concreto da reunião foi a marcação de uma nova agenda em que representantes do Ministério, do Conasems e do Conass iriam ao Congresso dialogar com as entidades que querem barrar a implementação do texto em vigor. O encontro aconteceu nesta quarta-feira (11/10) na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Por ser véspera de feriado, a reunião ficou esvaziada, sem a presença de dirigentes da Tripartite. Ministério, Conass e Conasems enviaram técnicos que afirmaram que não podiam se comprometer com a revogação ou a suspensão da portaria e que a discussão seria feita pela CIT no dia 26 de outubro.

Procurado pelo Portal EPSJV, o Conass enviou nota em que afirma que "não está disposto a retroceder no que diz respeito à reformulação da PNAB", que na avaliação do órgão, é "produto do coletivo". Conasems e Ministério da Saúde não responderam a tempo do fechamento desta matéria se estariam dispostos a debater a revogação diante do PDC.

Segundo a assessoria do deputado Mandetta, o PDC 786 está na Mesa da Câmara, de onde pode ser encaminhado para duas comissões com votação conclusiva. Daí, pode seguir para o Senado, onde seria votado em duas comissões e, só aí, aprovado. "A experiência de tramitação de PDC, contudo, mostra que só a entrada do mesmo já faz com que o Ministério da Saúde analise e suspenda o ato", informou a assessoria do parlamentar. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Em 2016, a mesma estratégia foi usada pela Conacs para sustar as portarias 958 e 959, editadas pelo ministro substituto José Agenor Álvares. Deu certo: diante da pressão, Ricardo Barros suspendeu as medidas pactuadas na CIT.

Ilda Angélica conta que a categoria conta com o apoio dos líderes de todos os partidos, o que é suficiente para fazer com que o Projeto tramite em regime de urgência e seja aprovado diretamente no plenário. "Se o diálogo não avançar, iremos votar o PDC – e é com a maioria absoluta dos deputados. E será igual no Senado, com a assinatura de vários senadores de diversas siglas", disse Ilda na reunião de hoje. Aguardemos o próximo capítulo.

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O governo entreguista de política liberal está destruindo os direitos adquiridos dos trabalhadores brasileiros e todos nós estamos omissos sem esboçar nenhuma reação. Li o livro 4a Revolução Industrial que é uma mistura de TI, avanços tecnológicos, 3D e liberalismo econômico em que o autor Klaus, fundador do Fórum Mundial Econômico ou Fórum de Davos afirma que o direito ao trabalho era um modelo de ascensão social da classe trabalho. A partir do século XXI este modelo de "trabalho" não mais permitirá esta ascensão tão sonhada.Indica que até 2030 nos EUA aproximadamente 700 profissões (não é trabalho) serão extintas. Cita que os itens de "direitos sociais" como educação, trabalho, casa própria, saúde e aposentadoria tomaram-se itens de "bens de consumo" e com valor "caros" para obtê-los.