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PNE precisa de mais investimento federal para sair do papel, diz coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Em palestra no 6º Fórum Nacional Extraordinário da Undime, Daniel Cara defende que investimento federal na educação básica precisa quadruplicar para garantir qualidade.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 04/06/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

De cada um real R$1 investido pelo poder público em educação no Brasil, R$0,42 vem dos municípios, R$0,40 vem dos estados e apenas R$ 0,18 vem da União. Por outro lado, a União fica com 57% do total da arrecadação tributária no Brasil, os estados com 25% e os municípios com 18%. Ou seja, proporcionalmente, quem menos arrecada é quem mais investe na educação no país. Esse foi um dos dados trazidos pelo coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, para defender a necessidade de ampliação de investimentos do governo federal na educação, durante o 6° Fórum Nacional Extraordinário da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), no dia 30 de maio, poucos dias antes do Congresso concluir a votação do Plano Nacional de Educação (PNE). Daniel defendeu a aplicação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), que calcula, para cada etapa de ensino, o investimento mínimo que deve ser feito pelo poder público, cabendo à União complementar o valor nos casos em que estados e municípios não consigam atingir esse valor mínimo. A votação sobre esse ponto acabou sendo adiada para essa semana.

“Quando falamos de CAQi queremos que exista justiça federativa, que a União arrecade e distribua para estados e municípios investirem em educação”, assinalou Daniel. Segundo ele, a aprovação do PNE deve gerar uma demanda pela criação de mais vagas em todas as etapas de ensino na rede pública: ele calcula a necessidade de criação de 16 milhões de matrículas na modalidade EJA, 3,4 milhões de vagas em creches, 1,5 milhão na pré-escola e 1,5 milhão no ensino médio. “Se somarmos tudo isso e continuarmos insistindo que o problema não é dinheiro, é gestão, como vamos criar tantas matriculas sem recurso novo?”, indagou. Para Daniel, a complementação da União para estados e municípios é vital para garantir também um ensino público de qualidade. “A Constituição diz que cabe ao governo federal equalizar um padrão mínimo de qualidade, distribuindo recursos de maneira supletiva e redistributiva, para estados e municípios que não têm como atingir padrão mínimo de qualidade. E a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] diz claramente o que significa esse padrão mínimo de qualidade: são insumos indispensáveis para o processo de ensino- aprendizagem; professor bem remunerado com plano de carreira e formação continuada; número definido de alunos por turma e  instrumentos infraestruturais como biblioteca, laboratório de informática, etc.”, explicou Daniel. Caso fosse implementado, diz ele, a distribuição da responsabilidade pelos investimentos em educação ficaria mais justa, cabendo à União 31% do total, aos estados 34% e aos municípios 35%. “Cada um tem que fazer o mesmo esforço”, aponta Daniel, complementando que o investimento do governo federal no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) deveria ser de R$ 37 bilhões para atingir em nível nacional um padrão mínimo de qualidade; esse investimento, no entanto, foi de R$ 10 bilhões em 2013.

Pré-sal: um sucesso privado, não estatal

Mas quais as fontes de recursos disponíveis para que isso ocorra? Uma das mais discutidas nos últimos meses foram as receitas do petróleo extraído da camada do pré-sal, dinheiro que vinha sendo reivindicado para as políticas sociais por movimentos ligados principalmente à educação e à saúde. No entanto, como explicou Paulo César Ribeiro Lima, consultor legislativo da Câmara dos Deputados também presente no evento realizado pela Undime, , as leis que foram aprovadas recentemente para regulamentar a destinação dos recursos do pré-sal para essas áreas acabaram frustrando as expectativas de quem esperava que o petróleo poderia ter um impacto significativo nas contas públicas. “Estamos entre os cinco maiores produtores de petróleo do mundo, com a possibilidade de chegarmos a 2030 com uma produção de seis milhões de barris. Mas infelizmente só uma pequena parcela desses recursos vai para o povo brasileiro, uma grande parcela vai para as empresas multinacionais. O pré-sal é um sucesso enorme, mas é um sucesso privado, não estatal”, disse Paulo César.

Pelos seus cálculos, a exploração do pré-sal deve gerar uma receita líquida de R$ 6 trilhões até 2030, cabendo à União, que detém 47% do capital social da Petrobras, um quarto desse valor, R$ 1,5 trilhão. Desse montante, ele calcula que R$ 485 bilhões serão destinados para a educação e a saúde até 2030, por força da lei 12.858, sancionada no final de 2013, e que destina 75% dos royalties do pré-sal para a educação e 25% para a saúde, além de 50% dos recursos do Fundo Social do pré-sal para as duas áreas. E segundo ele, da maneira como é feita a distribuição dos royalties do petróleo hoje, a maior parte desses recursos vai para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. “Poucos estados e poucas cidades vão poder aplicar em educação e saúde. O grande recebedor dos royalties é o estado do Rio. Só o município de Campos dos Goytacazes recebe R$ 1,4 bilhão por ano, sendo que o estado de Minas Gerais inteiro recebe R$ 800 milhões de royalties da mineração”, exemplifica.

Ele explica que esse cenário poderia ser diferente caso a lei 12.734/2012, que muda os critérios de distribuição desses recursos, estivesse em vigor. Depois de aprovada no Congresso Nacional, a lei foi vetada pelo Executivo, que em seguida teve o veto derrubado em nova apreciação no Legislativo. No entanto, os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo entraram cada um com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra essa lei junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), fazendo com que a ministra do STF Carmem Lúcia suspendesse os dispositivos referentes à distribuição dos royalties. “Enquanto essas três ADIs não forem para o plenário do STF vamos continuar com uma péssima distribuição”, lamenta Paulo César. Ainda por cima, diz ele, a lei que criou o fundo social do pré-sal – que destina 50% de seus recursos para a educação e a saúde, de acordo com a lei 12.858 – ainda não foi regulamentada, “e não notamos nenhuma preocupação em regulamentar isso”, aponta o consultor legislativo da Câmara, concluindo: “As receitas petrolíferas poderiam ser muito altas se houvesse espírito publico no país. Temos muitos recursos, mas eles ficam concentrados na mão de poucos”.

André Antunes viajou à convite da Undime para o 6° Fórum Nacional Extraordinário da entidade, realizado em Florianópolis entre os dias 27 e 30 de maio.