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Uma década de reconfiguração da Rede Federal

O que é preciso? Minimizar, expandir, dividir ou fundir?
Ana Paula Evangelista - EPSJV/Fiocruz | 26/10/2018 13h05 - Atualizado em 01/07/2022 09h44
Alunos do IF Baiano da unidade de Valença protestam em frente ao Instituto Foto: Arquivo IFBA

Há exatos dez anos se iniciava a articulação para a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), concretizada pela Lei nº 11.892/2008. A proposta inovadora complementaria o trabalho da centenária Rede Federal, espalhando unidades de educação profissional por todos os estados do Brasil, chegando às mais diversas realidades do país. Foi uma expansão que trouxe também uma nova configuração: em 29 de dezembro de 2008, os antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), as escolas agrotécnicas federais e as escolas técnicas vinculadas a universidades foram transformadas em IFs. Hoje, a Rede é composta por 659 unidades, com 41 reitorias, está presente em 541 municípios, conta com uma força de trabalho de 80 mil servidores e tem mais de um milhão de estudantes de nível médio e superior.

No entanto, uma década após esse processo de expansão, pairam sobre a Rede duas ameaças. A primeira, mais estrutural, diz respeito ao desfinanciamento, já que, assim como as universidades federais, desde 2017 os IFs tiveram drásticos cortes em seu orçamento. Além da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por 20 anos, uma determinação do Ministério do Planejamento fez com que os IFs perdessem 10% do orçamento de custeio e 30% do investimento usado para obras, equipamentos e mobiliário. Em números, de 2014 para 2017, o orçamento da Rede por aluno caiu 24,4%, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). E como o número de matrículas não para de crescer, a preocupação é não ter como suprir as necessidades dos institutos, que só aumentam.

Mas há quem veja como uma segunda ameaça um projeto de reordenamento das unidades da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT) que foi proposto pelo Ministério da Educação (MEC) no primeiro semestre deste ano. O MEC explica que, como a proposta foi rejeitada na reunião em que foi apresentada – inicialmente apenas para os estados que receberiam novas reitorias –, o projeto encontra-se “parado” no Ministério. As principais críticas feitas ao projeto foram que o momento – de instabilidade política - era inoportuno; que o estudo leva em consideração apenas conceitos geográficos para reorganização dos IFs, desconsiderando as especificidades locais; que a comunidade não foi incluída nas discussões; e que o projeto representa um passo descolado do que eles consideram a atual necessidade da Rede: investimento e consolidação das unidades já existentes.

O problema é que, em junho, apenas dois meses depois da reunião que teria levado ao ‘engavetamento’ do projeto, teve início, na Bahia, um rearranjo que envolvia mudanças como a integração e unificação de diferentes campi dos IFs locais, além do deslocamento de uma reitoria para outro município. Esse processo – que foi interrompido temporariamente devido à mobilização de trabalhadores, estudantes e sindicatos – acendeu um alerta sobre o futuro da Rede.

Jefferson Manhães, reitor do IF Fluminense, é um dos que estão alarmados. Ele considera que, apesar de frágil, a proposta de reorganização em nível nacional está apenas silenciada e deve voltar ao cenário da Rede em 2019. Ele também lembrou que o Instituto Federal de São Paulo (IFSP) oficiou em 2015 a necessidade de um redimensionamento, porque o estado tem apenas um IF dividido em 36 unidades. “Houve esse pedido, mas isso não significa que a proposta do Ministério para São Paulo está em consonância com os anseios do estado. É muito importante dizer isso”, explica o reitor, e completa: “Mesmo como Rede, temos nossas particularidades. Então, por exemplo, se o Instituto Federal da Bahia e o Baiano acham que têm que fazer uma reorganização porque lá existem características específicas, é legítimo. Mas isso precisa ser feito com diálogo”. E alerta: “A conversa tem uma necessidade importante, principalmente porque a Rede sempre foi alimentada pela participação da comunidade”.


Balão de ensaio

Mas o diálogo e a participação popular não fizeram parte do movimento de reordenamento iniciado na Bahia. Tudo começou quando o MEC propôs a criação de uma nova reitoria em Juazeiro, que atenderia às regiões do Vale de São Francisco e o Extremo Oeste Baiano. Com isso, seria necessário um rearranjo que integraria os campi Paulo Afonso (IFBA), Juazeiro (IFBA) e Xique-Xique (IF Baiano), ao Instituto Federal da Bahia (IFBA). Já os campi Barreiras (IFBA) e Bom Jesus da Lapa (IF Baiano) passariam a fazer parte do IF Baiano. Além disso, a reitoria do IF Baiano seria deslocada para outro município, Vitória da Conquista. No entanto, a mudança que gerou mais impasses foi a proposta de unificar as duas unidades de Valença, que, hoje, são cada uma ligada a um dos institutos.

Aécio Duarte, reitor do IF Baiano, conta que ainda estava aguardando sua posse – já que o cargo estava ocupado pelo ex-reitor pró-tempore, Geovane Barbosa do Nascimento – quando participou, em Brasília, de uma reunião em que foi apresentado o estudo de reordenamento dos institutos do estado. No dia em que ele tomou posse, 8 de maio, aconteceu outra reunião, também com a presença da secretária de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC) na época, Eline Neves Braga Nascimento, que mencionou a necessidade de unificar os campi de Valença e agendou outro encontro, que ocorreu no dia 21 de maio em Brasília, onde ficou definida a visita de dois técnicos aos locais. Aécio conta que ofereceu suporte à equipe, mas segundo o MEC, os detalhes da visita já estavam acertados com o outro instituto, o IF Bahia.

Coincidência ou não, a proposta engavetada meses antes pelo MEC apontava, para o conjunto da Rede, problemas e desafios muito semelhantes aos que foram tratados no caso da Bahia. Não por acaso, a Bahia também é um dos nove estados citados na apresentação do MEC, intitulada ‘Simulações para Reordenamento das Unidades da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica’, a que a Poli teve acesso. “As grandes distâncias entre alguns campi e suas respectivas sedes dificultam os seus apropriados desenvolvimentos, ao mesmo tempo em que oneram toda a estrutura administrativa, demandando maiores tempos de deslocamento e recursos financeiros”, dizia o estudo, que propunha, entre outros elementos, a criação de novas reitorias e, em casos específicos, a junção de campi que atendam a mesma região. Ainda segundo o estudo apresentado, seria necessária a realocação de servidores (em razão da criação de novas reitorias fora da capital do estado); Como há mudanças nas tipologias dos Institutos Federais, haveria necessidade também de criação de cargos e funções com impacto anual de mais de R$ 86 milhões, e as novas reitorias no interior poderiam buscar sedes provisórias para posterior implementação ou sedes que viessem a ser cedidas pelos órgãos municipais ou estaduais.

Assim como se tentou na Bahia, a apresentação do MEC também trazia a simulação da organização a partir da criação de novas reitorias em outros oito estados: Ceará, Paraná, Pernambuco, São Paulo, Maranhão, Piauí, Paraíba e Pará. Também propunha o reordenamento de unidades – quando uma unidade que pertence a determinada reitoria passa a fazer parte da estrutura de outra – no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais.

Os ânimos ficaram ainda mais acirrados quando a apresentação com as propostas de reordenamento foi compartilhada com o restante da Rede. Após a divulgação do documento, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) pediu, através de um ofício, informações acerca de discussões sobre o eventual reordenamento e aproveitou para solicitar esforços do MEC para a consolidação da Rede Federal, especialmente no que tange à gestão orçamentária, de infraestrutura e do quadro de pessoal. Em nota enviada à Poli, o Conif garante que não participou de qualquer movimento que propusesse o reordenamento e explica que só foi comunicado sobre tal iniciativa extraoficialmente a partir de reitores contatados pela Setec/MEC para apresentação do projeto. Afirma, ainda, que não pactua com qualquer iniciativa que ameace a estabilidade dos campi. Essa posição, segundo o Conif, foi expressa em nota pública, em ofício e diretamente ao MEC, durante a 83ª reunião ordinária do Conselho, que contou com a presença do ministro da Educação, Rossieli Soares.

Em resposta à Poli, o MEC lamentou em nota a divulgação do documento apresentado na reunião de abril que, segundo o órgão, está superado. A assessoria de imprensa afirmou ainda que a divulgação foi extraoficial e que a apresentação continha apenas um esboço preliminar do estudo.
Reações

Em resposta ao Conif, a Setec/MEC enviou em 20 de abril de 2018 um ofício afirmando que as análises prospectivas e estudos técnicos relativos à expansão e consolidação da Rede, que incluem a criação de novos Institutos, unidades de ensino e possíveis reordenamentos, acontecem desde 2008, quando a nova configuração foi criada. Explica também, que realizou reuniões com alguns dirigentes da Rede Federal, no intuito de discutir o tema e colher contribuições, visando a um possível atendimento das solicitações trazidas à apreciação do Ministério.

Porém, o ex-presidente do Conif e professor do Instituto Federal Fluminense, Luiz Caldas, que foi diretor de Políticas da Setec durante o processo de expansão da Rede, considera uma “injustiça histórica” afirmar que esse estudo acontece desde 2008. “A construção dos institutos, o próprio projeto de expansão da Rede Federal, durante todo o tempo, respeitou essa relação, esse diálogo entre as representações da instituição, do Ministério e dos trabalhadores”, enfatiza.

Para o Conif, a fase de instabilidade política e econômica atual, por si, já seria um motivo para a negativa da proposta. Além disso, em nota, o Conselho reforça que todas as instituições e unidades anteriormente implantadas foram concebidas a partir de um processo participativo para garantir a oferta qualificada de educação profissional e tecnológica pública nas diferentes regiões brasileiras. Portanto, “considera imprescindível que essa metodologia de trabalho seja preservada, de modo que todos os entes envolvidos possam contribuir para o fortalecimento da Rede Federal como uma política de Estado”.

O projeto do MEC também não teve boa receptividade no Rio Grande do Sul. Flavio Luis Barbosa Nunes, reitor do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), participou de uma reunião na Setec em abril e contou que, quando a proposta foi apresentada aos reitores da Região Sul, já havia um entendimento de que as medidas propostas não atendiam às reais necessidades das unidades. Não havia previsão de criação de novas reitorias, apenas um reordenamento de campi entre os três institutos existente do estado. Ele exemplifica os problemas encontrados. “O IFSul perderia um campus que fica a 500 quilômetros da reitoria, mas ganharia outro que fica a 600. Já existiam alguns erros na questão geográfica. Além disso, seriam desconsideradas as características de cada instituição. Cada campus tem sua forma de administrar a parte pedagógica e a própria gestão de recursos, de pessoal. Até chegar a um momento de adaptação, levaria muito tempo e  isso seria extremamente prejudicial”, argumenta Flavio e ainda reforça:  “Dos 14 campi do IFsul, por exemplo, 11 estão em processo de implantação ainda, não têm a infraestrutura mínima prevista. Com isso, a prioridade deveria ser concluir essas infraestruturas para posteriormente pensar numa expansão mais efetiva”.

Já Jefferson Manhães, reitor do IF Fluminense, reconhece que havia uma demanda antiga de reestruturação por parte de alguns estados, como São Paulo, Maranhão e Bahia, mas isso não significa que a proposta apresentada pelo MEC estava em conformidade com esses anseios. “Houve resistência porque a forma como foi colocada não foi boa, aquilo que poderia ser uma conversa inicial pareceu uma imposição”, afirma. Para o reitor, não há motivos, por exemplo, para que haja uma “mexida” no Rio de Janeiro. A proposta seria fazer uma troca entre as reitorias da unidade de Maricá, que pertence ao IF Fluminense, e o campus de Arraial do Cabo, que está ligado ao Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). “O estado é muito pequeno, as distâncias são muito pequenas. Considerando a distância entre as reitorias, poderia ser algo bom, mas do ponto de vista da comunidade de Maricá, do atendimento, da relação, que foi o princípio também de criação dessas unidades, não há motivo para esse reordenamento”, avalia.

Mesmo na Bahia, o plano não caminhou. A visita técnica que o MEC programou não ocorreu. Isso porque, no dia 19 de junho, alunos das unidades de Valença se organizaram em plantão em frente aos portões, para impedir a entrada dos técnicos. Posteriormente, foram organizadas duas audiências públicas. Uma foi realizada no dia 27, no auditório do Centro de Cultura Olívia Barradas, em Valença, sob o tema ‘Diga não à extinção de um dos Institutos Federais de Valença’, convocada pela Comissão de Educação da Câmara de Vereadores da cidade, com a presença de mais de 350 pessoas, entre alunos, professores e comunidade. A segunda aconteceu no dia 3 de julho, na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). A mobilização dos estudantes e trabalhadores que lotaram a audiência resultou na aprovação, pela Alba, da Carta de Salvador, que contém uma moção de repúdio contra a “atitude autocrática do MEC ao estabelecer a fusão dos dois institutos na cidade de Valença-BA”. Ainda como desdobramento da audiência, foi solicitada a formação de uma Frente Parlamentar na assembleia em defesa dos Institutos Federais.


Tentativa frustrada

No mesmo dia em que os técnicos foram impedidos de entrar nos campi, o Conselho Superior do IF Baiano publicou uma nota sobre a ameaça de extinção de um campus em Valença. Contra a mudança, o texto argumentava sobre o perfil da população e das duas unidades – uma do IFBA oriunda do antigo Cefet, e outra do IF Baiano, oriunda da antiga Escola Média de Agropecuária da Região Cacaueira (Emarc). “O que antes era apenas conjectura, nesse momento se materializa em uma ação drástica direcionada ao fechamento de um campus. O município, que detém um dos mais baixos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do estado, tem uma paisagem econômica e cultural marcada pela pesca, agricultura familiar, e por comunidades tradicionais (quilombolas, marisqueiras, ribeirinhos). Apesar de também atuar no setor do turismo, Valença é uma das mais violentas cidades do país”, dizia a nota, que também denunciava que o reordenamento iniciado em Valença seria o primeiro passo para a extinção de outras unidades da Rede.

Aécio Duarte, reitor do IF Baiano, afirma que as áreas de atuação dos campi são distintas e unificar as demandas é desconsiderar todo o histórico. Isso porque o processo de expansão da Rede fez com que muitas escolas do interior, com perfil agrícola, fossem agregadas aos IFs. Com isso, explica, essas unidades têm uma identidade e atendem a um público específico, completamente distinto das escolas que ficam na região metropolitana. “A unidade de Valença do IF Baiano tem uma feição como poucos institutos têm no Brasil. Ela é agrícola, apesar de termos cursos na área industrial, na área de serviços, as licenciaturas, os cursos de bacharelado. A gente tem seguindo a expansão da Rede garantida pela Lei 11.892”, explica e reforça: “Discordo veementemente da forma como está sendo buscada essa possibilidade de unificação. Nosso orçamento é para essencialidade. Se você já tem dois [campi] menores funcionando dentro dessa essencialidade, como é que junta dois para funcionar com o básico só? Nós deveríamos estar pensando em consolidar o papel dos institutos no país”, defende.

Renato da Anunciação Filho, reitor do IFBA, discorda. Para ele, usar a vocação do campus como argumento que inviabiliza o reordenamento é desconhecer o potencial das unidades. “O campus de Uruçuca é tipicamente agrícola e pertence ao IF Baiano, mas a cidade não tem necessidade, por exemplo, de um técnico em eletrotécnica? Ou não tem necessidade de um técnico em tecnologia da informação? Só vamos formar agrícola? Na própria agricultura, há máquinas de última geração para as quais é fundamental ter um curso de mecatrônica. A identidade da unidade e o perfil devem depender das atividades produtivas locais e das necessidades da sociedade. Os Institutos não foram criados vocacionados, mas para fazer educação técnica e tecnológica, fazer pesquisa em todas as áreas”, defende.

Ainda segundo Renato, as unidades de Valença, de fato, concorrem entre si. “Na seleção, temos que fazer dois ou três processos simplificados porque no vestibular sobram vagas. Temos cursos com mais vagas do que alunos inscritos. Além disso, houve um mau entendimento com relação ao estudo apresentado pelo MEC. Os diretores participaram da reunião em Brasília e saíram desesperados dizendo que iam fechar os dois campi, que haveria demissões, diminuição do número de alunos. O que não é verdade. Para que pudesse haver uma gestão mais enxuta e também de maior eficiência, não seria necessária a redução de servidores e de cursos, muito pelo contrário, tenderia a aumentar”.

Ele ainda explica que, juntamente com o ex-reitor do IF Baiano, sugeriu ao MEC a criação de três IFs na Bahia. “No Oeste e na Região Noroeste há um grande vazio, não tem universidade estadual, não tem universidade federal, não tem institutos, não tem nada. O único campus que temos é Barreiras, muito mais perto de Brasília do que de Salvador. Com a possibilidade de reordenamento, consideramos que com cinco IFs teríamos uma regionalização adequada e melhor distribuída entre os municípios”, argumenta.


Interesses ocultos?

Carlos Magno, coordenador nacional do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), no entanto, discorda que a nova configuração proposta ao estado otimizaria os processos de trabalho e gestão. “Esse processo tem um viés da reestruturação produtiva de enxugamento da Rede, de minimização do Estado, que vai combinar com redução de servidores, com exclusão de estudantes e fechamento de campus”, opina, analisando que as intenções do projeto proposto pelo MEC ultrapassam as questões geográficas e de interiorização das reitorias.


Reordenar ou não?

Para Luiz Caldas, que participou na origem do processo de expansão, “uma década é pouco tempo para considerar esse projeto concluído e pensar em reorganização”. Ele argumenta: “Existem campi que ainda estão em fase de implantação. Os institutos precisam dialogar com a política de geração de trabalho e renda, com as políticas de desenvolvimento regional. Precisam dialogar, por exemplo, com a questão da formação de professores, precisam aprofundar o diálogo com as redes públicas de ensino onde quer que estejam. Isso é o papel e o trabalho dos institutos, e na medida em que esse processo sinalizar para um ou outro ajuste, é importante que isso se faça da forma mais democrática possível. Isso guarda sintonia com a função social dessas instituições, com a finalidade para a qual essas instituições foram criadas. E isso não se mede por distância, em quilômetros, em metros ou qualquer unidade que possa trazer apenas a questão dimensional física para esse debate”.

Para o reitor do Instituto Federal Sul-rio-grandense    (IFSul), a expansão da Rede democratizou o acesso à educação profissional, mesmo que ainda não tenha atingido sua capacidade máxima. “A oferta da educação profissional e tecnológica abriu novos horizontes, novas possibilidades. No Rio Grade do Sul, por exemplo, nós temos uma experiência de uma escola binacional em região de fronteira entre Brasil e Uruguai que é uma experiência bárbara, que consegue fazer a interação dos dois países através da educação com alunos uruguaios e brasileiros na mesma sala. Tudo isso surge a partir dessa possibilidade de expansão da extensão profissional e tecnológica, mas o grande mote é essa possibilidade de a gente estar mais próximo das realidades que as pessoas vivem e no interior desse país. Ou seja, precisamos melhorar as estruturas que temos, ainda não é o momento de pensar em reordenamento e criação de mais reitorias”, opina Flavio.

Para Carlos Magno, no entanto, é justamente no perfil social da Rede que mora o “grande perigo”. “[A Rede é composta por] institutos fortes, que têm dado resultados, têm alcançado uma qualidade e uma excelência em todos os índices de educação do Brasil. É por causa desse sucesso que a Rede tem sofrido esse atentado. Não é por estar apresentando problemas”, opina o sindicalista, explicando que, na sua avaliação, trata-se de um esforço do governo de adequar a Rede Federal e a educação pública como um todo à Emenda Constitucional 95, que congela os gastos federais por 20 anos.

Os bons resultados da Rede foram destaque, por exemplo, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2017, principal parâmetro de qualidade da educação nacional. O estudo é feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com base em dados sobre aprovação nas escolas e desempenho dos estudantes no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), com exames de língua portuguesa e matemática. De acordo com o estudo, 81% dos estudantes que concluem o ensino médio na Rede Federal têm desempenho considerado adequado em português. No exame de matemática, este percentual é de 60%. Esses números são melhores do que os registrados no setor privado, de 68% em português e 40% em matemática, e muito superiores aos das redes públicas estaduais, de 22% e 4%, respectivamente. O êxito dos IFs também ficou evidente no resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2015, promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em que o Brasil ficou em 63º lugar entre 72 países. Se a Rede Federal representasse todo o país em ciências – a matéria escolhida como foco da análise desta edição, além de leitura e matemática – o Brasil ficaria em 11º lugar no ranking internacional, um ponto acima da tida como exemplar Coreia do Sul.

Carlos Magno ainda salienta que a expansão da Rede proporcionou que a população pobre tivesse acesso à educação. “Nossos alunos são filhos de agricultores, homens do campo pobres e estão na universidade, fazendo curso de Medicina, fazendo curso de Engenharia, fazendo curso de Direito, ou seja, uma Rede que possibilita uma ascensão social. Tudo isso está sendo desconsiderado por esse projeto, é a aprovação da exclusão”.

Marise Ramos, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), concorda. “Os Institutos Federais são instituições que representam o patamar a que um país sério deveria ter chegado em termos de qualidade da educação pública, científica e tecnológica, quase politécnica. Reúnem hoje condições de proporcionar uma educação científica tecnológica aos cidadãos brasileiros, aos jovens brasileiros e, que seria coerente com o projeto de um país que buscasse a sua autonomia, a sua soberania na divisão internacional do trabalho”. E completa: “O momento é de consolidação dos saltos que a Rede alcançou nesses últimos anos”. Em nota à Poli, o Conif afirma que vivenciou a concepção e expansão da Rede Federal, tendo participado da construção da Lei nº 11.892/2008, que criou os institutos federais, bem como atuado nos estudos das três primeiras fases da expansão – em 2003, 2011 e, por último, em 2015. A partir de então, diz o texto, o colegiado adotou como prioridade a consolidação das unidades em funcionamento. O Conselho explica também que, como promovem a inclusão, os IFs são multicampi, alcançam áreas distantes dos grandes centros e por isso, inevitavelmente, algumas unidades são de difícil acesso. O colegiado, porém, acredita que a criação de novas estruturas administrativas não trará tantos impactos positivos quanto a consolidação do atual cenário da Rede Federal. O Conif ainda diz considerar contraditório criar novas instituições quando as já existentes enfrentam significativa redução do orçamento “O Conselho não percebe o reordenamento como uma ação essencial, embora não descarte a criação de outras unidades futuramente, após a plena estruturação das já existentes e desde que ocorra dentro de um processo participativo, observando que a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica é uma política de Estado estratégica e fundamental para o desenvolvimento do país”, resume a nota.