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Objetivo voltado para Educação Profissional é uma das maiores preocupações no projeto do PNE

Concepções privatistas se destacam no Plano, que deverá ser votado na Câmara Federal na próxima semana
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 27/11/2025 18h50 - Atualizado em 27/11/2025 19h25
Comissão Especial na Câmara dos Deputados encerrou discussão sobre o PNE: votação do relatório será na próxima terça, 2 de dezembro Foto: Vinícius Loures - Câmara dos Deputados

A expectativa era de que a tramitação do novo Plano Nacional de Educação (PNE) na Câmara dos Deputados se encerrasse nesta semana, seguindo para o Senado. Mas a falta de consenso sobre alguns destaques ao texto fez com que a votação final da Comissão Especial que discute o tema fosse adiada para a próxima terça-feira, 2 de dezembro. Foi um certo balde de água fria para quem aguarda ansiosamente por um novo Plano que já deveria estar em vigor. “Nós gostaríamos muito que o relatório tivesse sido aprovado na sessão de terça-feira[25/11]”, lamenta Fátima Silva, Secretária Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE). Mas essa nem foi a frustração principal. “Nossa avaliação é de que permanecem retrocessos graves”, alerta Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, referindo-se à última versão do texto. E o problema maior, diz, está na parte do projeto que trata da Educação Profissional e Tecnológica. “Talvez seja o objetivo mais retrógrado de todo o texto, e o que menos teve porosidade a emendas”, opina.

O texto discutido na Comissão Especial da Câmara é um substitutivo do Projeto de Lei 2614/24, apresentado originalmente pelo governo federal e modificado pelo relator, o deputado Moses Rodrigues (União-CE).

Educação Profissional no PNE

A verdade é que as críticas à concepção de Educação Profissional do novo PNE existem desde o projeto original, apresentado pelo governo. A professora Monica Ribeiro, do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra, por exemplo, que a Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em janeiro de 2024 com o objetivo específico de ouvir a sociedade civil sobre o novo Plano, reafirmou que a prioridade de oferta da Educação Profissional, tanto na rede federal como nas estaduais, deveria ser a modalidade integrada ao Ensino Médio. “Qual não foi nossa surpresa quando o PL 2.614, elaborado pelo Poder Executivo, é enviado ao Legislativo e aparece ali exatamente o oposto disso”, diz. E ilustra. “A expressão ‘ensino médio integrado’ sequer aparecia”. Ela conta que, diante da pressão de entidades da área, o relatório até incorporou essa nomenclatura, mas “de forma vaga e sem metas específicas”.

No texto que foi discutido na Comissão Especial na última terça-feira, 25 de novembro – e que ainda deve sofrer modificações até a votação final, na próxima semana –, a Educação Profissional está presente de forma mais explícita nos itens 12 e 13, que tratam, respectivamente, de “acesso, permanência e conclusão” e da “qualidade” da EPT. Para se ter um exemplo concreto das concepções contrárias à deliberação da Conae que Ribeiro comenta, a meta 12.b, que trata da expansão da Educação Profissional e Tecnológica, propõe aumentar em pelo menos 60% as matrículas dos cursos subsequentes – aqueles que são realizados já depois de concluído o Ensino Médio – e, na meta 12.c, usa-se a expressão “articulada”, que se tornou um artifício para quando não se quer afirmar a integração com a formação geral básica, para definir a forma como deve se dar o crescimento da EPT na Educação de Jovens e Adultos. A modalidade de Educação Profissional integrada ao Ensino Médio aparece apenas na meta 12.a, como uma entre outras opções – integrada ou concomitante – para a ampliação das matrículas de Educação Profissional entre os estudantes do Ensino Médio. A meta de crescimento, nesse caso, é de no mínimo 50%.

A análise dessa meta 12.a mostra como, de fato, a denúncia de ausência da expressão ‘ensino médio integrado’ não é apenas uma questão linguística. De acordo com o texto, pelo menos 50% dessa expansão da Educação Profissional entre os estudantes do Ensino Médio deve se dar no “segmento público”, o que, em outras palavras, significa o incentivo para que metade do crescimento dessa oferta se dê na rede privada – em uma carta aberta à sociedade brasileira sobre o tema, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação defendeu um mínimo de 80% de crescimento no sistema público. O que as pesquisadoras e militantes ouvidas pelo Portal EPSJV defendem é que essa opção do texto legal tem consequências também para a qualidade do que será ofertado. “A tendência do setor privado é associar a Educação Profissional muito mais a um itinerário formativo”, analisa Ribeiro, reafirmando a relação da concepção de EPT presente no novo PNE com a Reforma do Ensino Médio.

Também em coerência com o que prevaleceu depois das mudanças no Ensino Médio, a estratégia 12.6 do texto que foi debatido esta semana na Câmara fala de incentivar parcerias com instituições de Educação Profissional “preferencialmente” – e não exclusivamente – públicas, visando ampliar a oferta em áreas específicas. E, para que não reste dúvida sobre o papel que a oferta privada desempenha na concepção do novo PNE em debate, a estratégia 12.14 propõe um Financiamento Estudantil para a EPT, nos moldes do Fies que já existe para cursos de nível superior. “O objetivo da EPT está quase todo voltado ao setor privado e segue muito a lógica da Reforma do Ensino Médio, com uma ampliação massiva de Educação Profissional e Tecnológica, mas sem determinações profundas sobre qualidade da oferta e, muito menos, sobre uma ampliação nas redes de Institutos Federais ou Escolas Técnicas. Não há previsão de Formação Geral Básica plena para os estudantes desse modelo e se repete ‘formação para o empreendedorismo’ extensivamente”, resume Andressa Pellanda, ressaltando que várias emendas propostas ao texto sobre esse segmento não foram aceitas.

“Mais privatista”

Se fossemos comparar o Plano 2014-2024 com o texto de hoje, este está bem mais privatista

E essa não é uma particularidade da Educação Profissional. Entre os “retrocessos graves” que identifica no texto discutido nesta semana, a coordenadora da Campanha destaca, principalmente, a “ampla abertura para o setor privado”, inclusive com estratégias de repasse de recursos públicos. Além da EPT, ela analisa que isso está presente na educação infantil – que teve “parte da estratégia que determinava que o investimento deveria ser priorizado na rede pública cortado da redação da versão do parecer que foi a voto esta semana” – e no ensino superior, cujas propostas estão marcadas pela ampliação dos programas de bolsas em instituições privadas custeadas com recursos públicos. “Se fossemos comparar o Plano 2014-2024 com o texto de hoje, este está bem mais privatista”, resume Pellanda, ressaltando ainda que o projeto atualmente em discussão não avança na regulação do setor privado em nenhum dos segmentos educacionais. “Nenhuma das emendas propostas no sentido de regulação da atuação do setor privado foi aceita em nenhuma versão de pareceres do relator”, lamenta. Em nota publicizada após o debate desta semana, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação alerta sobre a importância de um “forte acompanhamento social” do PNE e dos planos estaduais e municipais, depois de aprovados, “para impedir a privatização e a meritocracia nos sistemas de ensino”, identificadas como “duas tendências em franca expansão”.

O principal avanço conquistado ao longo de todas as versões do parecer do relator ao PL 2.614/24, de acordo com os entrevistados, foi a retomada da meta de investimento de 10% do PIB, o Produto Interno Bruto, na Educação. No texto atual, a proposta é chegar aos 7,5% até o sétimo ano de vigência do PNE, ampliando para 10% até o final. Mas a queda de braço sobre a maior ou menor abertura ao setor privado permanece também nesta meta – e vale lembrar que, já na versão anterior do Plano Nacional de Educação, os setores não privatistas foram derrotados. A pergunta é: uma vez garantidos, esses recursos devem financiar apenas a educação pública ou podem ser usados também para estratégias como a ‘compra’ de vagas em instituições particulares de ensino, via bolsas ou outras formas de financiamento? Pellanda responde: “É ainda necessário um debate sobre a fonte de recursos e a destinação: defendemos 10% do PIB de recursos públicos para a educação pública, mas isso ainda não está determinado”.

E há ainda quem identifique obstáculos ainda mais estruturais no cumprimento dessa meta, mesmo que ela fosse aprovada na forma como têm defendido os movimentos sociais da educação. Em texto publicado no site ‘A Terra é redonda’, em outubro, que comenta uma versão anterior do parecer ao PL do PNE, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Leher alerta, por exemplo, que “alcançar 10% do PIB exclusivamente na educação pública não é possível com a permanência do Regime Fiscal Sustentável (RFS)”. E critica que, “frente ao dilema”, o texto do relator escolhe o caminho da “austeridade neoliberal” e do “fortalecimento do setor mercantil”.

O risco das ‘jabuticabas’

Na sessão desta semana da Comissão Especial da Câmara, que foi a última antes da votação final, foram apresentados 16 destaques ao texto, sobre os quais não houve consenso. Na avaliação de Andressa Pellanda, apenas um deles, que falava sobre a “melhoria da situação de estabilidade dos profissionais da educação”, pode ser considerado um avanço. Por outro lado, surgiram propostas que ela classifica como graves “ameaças”, que até então não tinham aparecido no texto. A principal foi a proposta de incluir no PNE a educação domiciliar (o homeschooling) – modalidade que, apesar de esforços recentes de alguns parlamentares, sequer é reconhecida pela legislação brasileira. A outra ‘jabuticaba’ destacada pela coordenadora da Campanha foi a tentativa de permitir o repasse de recursos do Fundeb, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação, para financiar vouchers que paguem matrículas na rede privada. “Depois das negociações com o relator, na noite de ontem [26/11], pensamos que esses pontos devem ser interditados, em troca de incorporação de outras demandas, ainda que de forma parcial, da bancada dos partidos mais à direita, como questões relacionadas a avaliações em larga escala. Ainda não temos uma nova versão do parecer para uma análise desses pontos”, conclui.

O ‘possível’, mais uma vez

O Plano não é aquele que todos nós que defendemos a educação pública merecemos

A reunião a que Andressa Pellanda se refere, realizada no dia seguinte à última sessão de debate da Comissão Especial na Câmara, é parte de um esforço de construção de consenso em relação ao texto que será votado na próxima terça-feira, 2 de dezembro. Se a negociação for exitosa, a votação acontece na própria Comissão e segue para o Senado. Caso não haja consenso sobre os destaques incorporados, o texto vai a votação no plenário da Câmara. Mas para o que se deve torcer? “O Plano não é aquele que todos nós que defendemos a educação pública, a valorização profissional – tanto dos professores quanto dos funcionários não docentes – e os estudantes merecemos. [Não é um Plano] que atenda a todas as peculiaridades [dos estudantes], independentemente do rincão deste país em que eles estejam, com uma educação inclusiva em todos os sentidos, que seja formativa para uma cidadania e não para resultados”, lamenta Fátima Silva, que completa: “No entanto, é o que foi possível”.

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Foi em 1963 que um decreto do então presidente Joao Goulart estabeleceu o 15 de outubro como momento de homenagem e reconhecimento ao trabalhado dos professores no Brasil. A data, no entanto, remete a um outro decreto, de 1827, pelo qual o imperador D. Pedro I determinava que todas as cidades do país deveriam ter ‘Escolas de Primeiras Letras’, que equivaliam, mais ou menos, ao que hoje conhecemos como Ensino Fundamental. Passados 198 anos desse primeiro marco, há muito o que se comemorar em relação à situação dos professores brasileiros, mas também há muito ainda a se conquistar – e os desafios vão desde o cumprimento da lei do piso salarial até a garantia de banheiro e água potável em todas as escolas. A avaliação é de Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) desde 2017, professor concursado da rede estadual de Pernambuco e da rede municipal de Paulista (PE) desde 1993. Nesta entrevista, ele denuncia a ação dos gestores que descumprem a legislação e ajudam a tornar a carreira docente menos atrativa, critica o tipo de formação, predominantemente privada e à distância, que os professores da Educação Básica têm recebido e analisa o impacto de programas e políticas recentes sobre a categoria. É com preocupação, inclusive, que Heleno Araújo comenta o parecer do Projeto de Lei (PL) do novo Plano Nacional de Educação (PNE) apresentado no último dia 14 de outubro na Câmara pelo relator, deputado Moses Rodrigues (União-CE). “Essas contas não batem”, diz.
Complementando as manifestações que tomaram as ruas do país no último fim de semana, representantes de entidades das três áreas elencam propostas legislativas que devem ser priorizadas pelos parlamentares
O número de estudantes do Ensino Médio que cursam também Educação Profissional no Brasil quase dobrou entre 2013 e 2023 mas, ainda assim, é muito inferior à média dos países da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico: 14% contra 44%. Os números, que se referem a 2024, são do mais recente relatório ‘Education at a Glance’, produzido anualmente pela OCDE, que teve sua mais nova versão divulgada nesta terça-feira (9/09). Os dados são atualizados, mas a comparação é antiga, quase um “senso comum” do debate sobre esse segmento educacional, como caracteriza Luzia Mota, reitora do Instituto Federal da Bahia (IFBA) e coordenadora da Câmara de Ensino do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). A questão, diz ela, é que a demanda por expansão da Educação Profissional no país não pode perder de vista o debate sobre a qualidade dessa oferta, o que requer investimento e um modelo de formação integral que, por exemplo, vá além do foco no mercado de trabalho. Esse foi o olhar que, segundo Mota, o conselho que reúne reitores da mais reconhecida rede de Educação Profissional no país tentou pautar também na Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), instituída por decreto presidencial (nº 12.603) no último dia 28 de agosto. Construído com a contribuição de um Grupo de Trabalho (GT) do qual ela participou, o texto, de fato, inclui, entre os seus objetivos, o fomento à “expansão e à ampliação das instituições e da oferta da educação profissional e tecnológica”, ao mesmo tempo em que afirma que a Política “tem como finalidade a formação integral e cidadã da população”. Embora apresente também contradições – como o fato de praticamente indiferenciar as redes públicas e privadas como estratégia de expansão da EPT –, a Política tem, na avaliação de Mota, a importância de “institucionalizar” diretrizes para esse segmento nas diferentes instituições e redes de ensino. Nesta entrevista, ela explica ainda sobre a atuação dos Institutos Federais para o fortalecimento da Educação Profissional nas redes estaduais, critica a falta de investimento federal na última década e fala sobre a grande novidade trazida pela Política recém-lançada: a criação do Sistema Nacional de Avaliação da EPT, que será elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep.
Está chegando ao fim o período de vigência do atual Plano Nacional de Educação (PNE). Estabelecido em 2014 pela lei 13.005 e com prazo até o final de 2025, o Plano fixou 20 metas a serem cumpridas até lá. Poucas delas foram cumpridas. É o que alerta o relatório ‘11 anos do Plano Nacional de Educação: análise da execução das metas da lei 13.005/2014’, divulgado hoje (16) pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O documento inédito aponta que apenas quatro das 20 metas foram cumpridas até aqui, e as demais dificilmente serão cumpridas no prazo. Um passivo que deve ficar para o próximo PNE, segundo a coordenadora geral da Campanha, Andressa Pellanda, para quem o descumprimento do Plano reflete as políticas que foram adotadas em meio à sua vigência, a exemplo do Novo Arcabouço Fiscal – que diminuiu alguns dos efeitos da Emenda Constitucional 95, o Teto de Gastos, mas manteve sua lógica de austeridade fiscal, inviabilizando o aumento gradual de recursos para a educação pública defendido pelo PNE – além do Novo Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Em vez de avançar, o próximo PNE pode ficar refém da necessidade de remediar falhas estruturais”, alerta Pellanda.
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