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Programas e políticas públicas em Educação Profissional pós-Constituição

Panorama dos principais programas e políticas públicas voltadas para a Educação Profissional ao longo dos 35 anos que marcam também o aniversário da Constituição brasileira
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 19/10/2023 14h49 - Atualizado em 20/10/2023 11h52
Foto: Júlia Neves/EPSJV

Os primeiros programas de fomento à Educação Profissional após a promulgação da Constituição foram influenciados por duas medidas legislativas importantes: em 1994, a Lei 8.948 impediu a possibilidade da Rede Federal de expandir vagas e em 1997 o Decreto 2.208/1997 determinou a separação entre Educação Profissional e a Educação Básica. Já o começo dos anos 2000 trouxe uma perspectiva oposta: o Decreto 5.154/2004 revogou o anterior, e com a aprovação da Lei nº 11.195/2005, começou a expansão da Rede Federal.

Nesta edição comemorativa dos seus 15 anos, a Revista Poli traz um panorama dos principais programas e políticas públicas voltadas para a Educação Profissional ao longo dos 35 anos que marcam também o aniversário da Constituição brasileira.

Siga a linha do tempo!

1996
PLANO NACIONAL DE QUALIFICAÇÃO DO TRABALHADOR – PLANFOR

Criado em 1995 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e gerenciado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o programa, iniciado em 1996, financiava cursos de cerca de 60 horas de duração oferecidos por instituições públicas e privadas, organizações da sociedade civil e sindicatos. De acordo com a Resolução de criação do Plano (nº 126/1996), seu objetivo era fomentar ações integradas a uma política de geração de emprego e renda para qualificar e requalificar profissionalmente a população economicamente ativa da cidade e do campo com prioridade para beneficiários do seguro-desemprego, trabalhadores autônomos e grupos mais vulneráveis, em especial idosos, mulheres e adolescentes.

Antônio Almerico Biondi, professor na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), avalia que os cursos ofertados pelo programa tinham “baixa efetividade social” e justifica: “Ao invés de articulação e complementaridade, observava-se fragmentação e oposição entre a escolarização (mesmo limitada ao Ensino Médio, proporcionada pelos cursos técnicos) e a qualificação profissional aligeirada”, escreveu em texto de balanço sobre programas educacionais produzido pelo Núcleo de Educação e Cultura do Partido dos Trabalhadores (PT) de 2020. No artigo ‘O que há de novo’, a professora da Universidade de São Paulo (USP) Carmen Moraes complementa a avaliação de Biondi, com ênfase no papel do Sistema S, um dos principais destinatários dos recursos do Planfor.

“O Senai dirige-se ao mercado formal de trabalho e atende fundamentalmente às grandes empresas. Isso significa que grande parcela da população empregada nas pequenas e médias empresas, assim como os trabalhadores autônomos, estão excluídos dos cursos oferecidos pela instituição”.
Ainda assim, os pesquisadores lembram que o Planfor possibilitou a ampliação de iniciativas já realizadas por sindicatos e movimentos sociais. Em entrevista à Poli nº 72, a professora aposentada da Universidade de Campinas (Unicamp) Silvia Manfredi citou dois exemplos, o Projeto Integrar e o Proalfa. O Integrar foi desenvolvido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), em parceria com Centros Federais de Educação Tecnológica, os antigos Cefets, universidades, secretarias de trabalho, educação e desenvolvimento estaduais e municipais. Entre 1996 e 2005, de acordo com dados da própria CUT, 350 mil trabalhadores – desempregados, empregados e dirigentes sindicais – passaram pela formação. Desse total, cerca de 10 mil foram certificados com nível fundamental e mil com Ensino Médio. Já o Proalfa foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com o objetivo de alfabetizar jovens e adultos do campo.  

1997
PROGRAMA DE EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL – PROEP

O Proep foi criado em 1997 com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo federal para a construção de escolas técnicas, laboratórios, execução de reformas e capacitação de professores. O orçamento de 500 milhões de dólares foi dividido em três fontes, sendo 25% vindos do Ministério da Educação (MEC), 25% do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e os outros 50% vindos do BID.

A criação do programa ocorreu logo após a publicação do Decreto 2.208/1997, que separou a Educação Profissional da Educação Básica, interrompendo a oferta de matrículas de Ensino Médio integrado. No mesmo ano, a Portaria nº 646 também tinha limitado as vagas do Ensino Médio regular a metade do total ofertado pelas escolas federais. “A função do Proep para a Rede Federal era reestruturá-la desde o ponto de vista de suas ofertas educacionais, da gestão e das relações empresariais e comunitárias na perspectiva de torná-la competitiva no mercado educacional. Mediante projeto, essas instituições receberam aporte de recursos, via Proep, com o objetivo de reestruturarem-se a fim de assumir a nova função, ou seja, a de buscar arrecadação a partir da prestação de serviços à comunidade na perspectiva de aumentar sua capacidade de autofinanciamento e, dessa forma, o Estado gradativamente se eximiria do custo com sua manutenção”, escreveram Marise Ramos, Dante Moura e Sandra Garcia em documento da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do MEC de 2007.

Mesmo com a mudança de governo em 2003, o Proep foi mantido até 2006, quando encerrou o contrato do programa com o BID, segundo informações disponíveis na página antiga do Ministério da Educação. Também de acordo com o MEC, em 2005 existiam 234 escolas financiadas pelo Proep e o número de matrículas era de 176.282 em 2004. Embora as escolas federais fossem responsáveis por mais da metade das matrículas de Educação Profissional à época, elas representaram apenas 23,5% das instituições participantes do programa: 38% eram estaduais e a maioria, 38,5%, privadas comunitárias. Mas vale lembrar que, para serem contempladas, as escolas deveriam enviar projeto para aprovação do governo federal. No texto ‘O que há de novo’, preparado para a 23ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Carmem Moraes fez uma análise do Proep e destacou que, ao adotar as medidas estabelecidas pelas agências internacionais de fomento, as demandas por qualificação e requalificação profissional da população adulta de baixa escolaridade e inserção social desfavorável foram atendidas principalmente em cursos rápidos e dissociados da Educação Básica.  

2003
PLANO NACIONAL DE QUALIFICAÇÃO (PNQ)

Em 2003, o Planfor dá lugar ao Plano Nacional de Qualificação (PNQ). Entre as mudanças, estão o aumento da carga horária dos cursos para 200 horas e a inclusão dos conhecimentos relativos ao mundo do trabalho nos currículos. “Os cursos do PNQ eram os mesmos do Planfor e com a mesma possibilidade de parcerias [Sistema S, ONGs, universidades], mas com aumento de carga horária. O programa também procurava aproximar MEC e Ministério do Trabalho para fazer um trabalho complementar em articulação com o desenvolvimento local”, diz Almerico Biondi. Outra novidade foi a previsão de que a escolha da qualificação a ser oferecida seria objeto de uma negociação coletiva da qual participavam representantes dos trabalhadores, empresas e governo. Esses planos, de acordo com o Termo de Referência do programa, precisavam integrar políticas de desenvolvimento, inclusão social e trabalho em “articulação direta com oportunidades concretas de inserção do/a trabalhador/a no mundo do trabalho”.

De acordo com dados disponíveis na página da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2003 e 2009, o PNQ recebeu 790 mil inscrições de trabalhadores em todo o país. Mais tarde, em 2011, todas essas ações passaram a ser responsabilidade do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), com novas regras.  

2005
EXPANSÃO DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Em julho de 2004, o decreto presidencial 5.154 substituiu o 2.208/1997, iniciando uma virada no panorama da Educação Profissional, em especial da Rede Federal. O texto determinou o retorno do Ensino Médio integrado e, com isso, abriu a possibilidade de expandir o número de escolas técnicas federais. Outro momento importante foi a aprovação da Lei nº 11.195/2005, que revogou a proibição de expansão do ensino profissional por parte da União, prevista na Lei nº 8.948/1994. Os desdobramentos dessas decisões serão sentidos ao longo dos anos.

Nesse mesmo ano em que revogou o congelamento da ampliação das escolas, o governo federal criou o Plano de Expansão da Rede Federal, que foi dividido em três etapas. A primeira foi a construção de escolas federais em estados que ainda não tinham essas instituições, como era o caso do Acre, Amapá e Mato Grosso do Sul, além da instalação de outras nas periferias de grandes centros urbanos. Em 2007, iniciou-se a segunda etapa, com o objetivo de interiorizar a Rede, meta que continuou em sua terceira fase a partir de 2011. Essa expansão foi acompanhada do estabelecimento de metas de oferta de cursos técnicos integrados ao Ensino Médio como contrapartida ao investimento federal. O resultado foi um salto de 140 unidades em 2002 para as atuais 661, distribuídas em 651 municípios do país.

Outra mudança ocorrida com o projeto de expansão da Rede foi a transformação das escolas técnicas agrícolas e a maioria dos Cefets em Institutos Federais, prevista na Lei 11.892/2008. Em entrevista à Poli nº 84, em agosto de 2022, a reitora do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Luzia Mota, disse que essa mudança trouxe maior “autonomia pedagógica” para as instituições, além de reforçar as bases de uma Educação politécnica (leia mais sobre isso na pág. 31). A lei também criou a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT), instituindo um marco nesse segmento educacional. “Quando você constitui a Rede, ela funciona como um abrigo, porque é obrigatório que o Estado a mantenha. Uma coisa são programas esporádicos, outra é a política pública permanente. E essa noção mais ampla foi introjetada no Estado com a criação da Rede e mesmo antes disso, com a ampliação das escolas técnicas federais, porque até 2003 havia surtos de Educação Profissional, era algo episódico”,
avalia Almerico Biondi.  

2005
PROGRAMA NACIONAL DE INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COM A EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – PROEJA

O Proeja foi criado em 2005 como parte das ações de crescimento da Rede EPCT no Brasil, em uma época em que a pauta do currículo integrado entre Educação Básica e Profissional tinha força no MEC. Foi destinado aos trabalhadores que não concluíram a Educação Básica na idade própria, compreendendo-se que isso dificulta o acesso a cursos técnicos de qualidade. A professora da USP Carmen Moraes, no artigo ‘Educação permanente: direito de cidadania, responsabilidade do Estado’, publicado em 2006 na Revista Trabalho, Educação e Saúde, avaliou a concepção do programa como um avanço em política educacional por valorizar a especificidade e a qualidade do ensino de adultos e prever a construção prévia de um projeto pedagógico integrado e o reconhecimento dos conhecimentos e habilidades em atividades extracurriculares por meio de avaliação individual.

Apesar dos avanços em seus primeiros anos, o programa enfrentou diversos desafios, como a oferta reduzida de vagas, falta de formação de professores e evasão. O Proeja perdeu espaço também com a criação do Pronatec, mas as discussões sobre a modalidade de ensino ganharam espaço nas Conferências Nacionais de Educação de 2010 e 2014 e o Plano Nacional de Educação (PNE) atual, em sua meta 10, fala especificamente sobre esse segmento. Embora o PNE tenha determinado que 25% das matrículas de EJA devessem ser integradas ao Ensino Técnico, em 2022 o índice estava em apenas 3,5%. “O problema não é só que não há oferta na escola, mas também que as ofertas que são colocadas não atraem a população jovem e adulta para o retorno ao processo de escolarização”, explicou Maria Margarida Machado, professora na Universidade Federal de Goiás (UFG), à edição nº 80 da Revista Poli, ressaltando que é papel dos gestores desenharem estratégias para “conquistar” esses alunos.

2007
BRASIL PROFISSIONALIZADO

Lançado em 2007, o programa tinha como objetivo a ex-pansão do número de matrículas de Ensino Médio integrado à Educação Profissional nas redes estaduais, inclusive na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. O repasse de recursos federais era feito mediante apresentação de projeto por parte das secretarias estaduais. Entre 2008 e 2015, de acordo com dados do Ministério da Educação, foram criadas 86 escolas, feitas 256 ampliações e construídos 635 laboratórios. Cerca de metade das ações ocorreu na região Nordeste, de acordo com dados do relatório do MEC referente ao ano de 2011. “O Brasil Profissionalizado permitiu à Bahia formar a segunda maior rede de escolas técnicas estaduais, atrás apenas de São Paulo. Em 2007, a oferta de vagas na rede estadual estava em 4 mil matrículas e saltou para 75 mil em 2016. Atualmente o número de matrículas chega a 105 mil espalhados pelas escolas de Educação Profissional em 200 municípios”, exemplifica Brondi. Esse crescimento, acrescenta, não foi apenas mérito do governo federal, uma vez que os custos de manutenção ficaram a cargo dos estados.  

2011
PROGRAMA NACIONAL DE ACESSO AO ENSINO TÉCNICO E EMPREGO – PRONATEC

O Pronatec foi criado em 2011, por meio da Lei nº 12.513, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos e vagas de Educação Profissional e Tecnológica e agregar diversos programas, ações e projetos anteriores, entre eles o Programa Nacional de Qualificação (PNQ), o Brasil Profissionalizado e a própria expansão da Rede federal. No entanto, não demorou muito para o Pronatec ser reconhecido principalmente pela oferta de Bolsa-Formação, que destina recursos para pagamento de matrículas de trabalhadores em cursos de Formação Inicial Continuada, de curta duração. No período de 2011 a 2016, o Sistema S foi o responsável por 67% das matrículas na modalidade Bolsa-Formação, já a Rede Federal ficou com 15% e as redes estaduais, 6%. Em tese de doutorado defendida em 2018 na USP, a pedagoga no Instituto Federal Farroupilha Neila Drabach detalha esses dados. Entre 2011 e 2016, foram realizadas 4,6 milhões de matrículas na modalidade Bolsa-Formação. Destas, cerca de um milhão (22,7%) correspondem a cursos técnicos e 3,5 milhões a cursos FIC (77%), sendo que a maioria das matrículas está concentrada nos anos de 2013 e 2014.  As Bolsas-Formação podem ocorrer em duas modalidades: Bolsa-Trabalhador, que inclui cursos FIC e de qualificação profissional com mínimo de 160 horas de duração, e Bolsa-Estudante, com cursos técnicos com duração de 800 a 1,2 mil horas.  

PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE SAÚDE
Três grandes projetos de fomento à Educação Profissional marcaram a área de saúde: o Larga Escala, iniciado em 1985 e finalizado com o início do Profae, Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Enfermagem, vigente de 2000 a 2007 e o Profaps, Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde, realizado entre 2009 e 2012. O primeiro integrava o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (Preps), uma parceria entre o Ministério da Saúde, o então Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), responsável por desenvolver programas de melhoria da formação dos trabalhadores de saúde e com vistas à ampliação do sistema de saúde. Uma das inspirações do programa foi o princípio da valorização dos trabalhadores da saúde trazido pela Reforma Sanitária. Idealizado pela enfermeira Izabel dos Santos e iniciado num contexto de discussões intensas sobre as prioridades da nova Constituição, o Larga Escala foi voltado para aqueles que já atuavam na área, já que o objetivo principal era melhorar as condições dos serviços de saúde, além das condições de trabalho. O programa também previa a criação de uma escola técnica de saúde em cada estado brasileiro, sendo responsável, portanto, pelo nascimento dos Centros Formadores e das atuais Escolas Técnicas do SUS (ETSUS), que constituem a RET-SUS, hoje composta por 40 instituições.

Como o Larga Escala, o Profae foi voltado para os trabalhadores já inseridos no serviço, mas passou a oferecer certificação e focou na profissionalização e na elevação dos auxiliares de enfermagem a técnicos de nível médio. Com recursos do FAT e do BID, foi responsável por formar 208 mil auxiliares e 80 mil técnicos de enfermagem. Com o fim do acordo com o BID em 2007, nasceu, em 2009, o Profaps, com a meta de qualificar trabalhadores não mais apenas da enfermagem, mas também em outras sete áreas definidas como prioritárias: radiologia, patologia clínica e citologia, hemoterapia, manutenção de equipamentos, saúde bucal, prótese dentária e vigilância em saúde. O Programa foi encerrado em 2012 e, ao todo, investiu R$ 144 milhões, como informou a Revista Poli nº 59 a partir de dados enviados pela assessoria de imprensa do Ministério da Saúde. As ETSUS ganharam prioridade no recebimento de recursos, que foram destinados não apenas para a oferta dos cursos, mas também na elaboração de “mapas de competências” que orientaram a construção dos currículos-base e na especialização de 300 professores de Escolas Técnicas do SUS.

Neste momento, para a professora-pesquisadora aposentada da EPSJV/Fiocruz Marise Ramos, é necessário um novo ciclo de investimentos na Educação Profissional em Saúde, que não se restrinja a projetos específicos e se constitua em uma política pública permanente de formação, focada no Ensino Médio integrado à formação técnica.