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Orçamento 2018: sob o teto, abaixo do piso

Primeira Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada sob o regime do teto de gastos da União projeta escassez de recursos para saúde e educação em 2018, segundo especialistas. Já a dívida pública deve abocanhar um percentual maior do orçamento da União
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 21/07/2017 15h44 - Atualizado em 01/07/2022 09h45
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O Congresso Nacional aprovou na semana passada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece os parâmetros que deverão ser seguidos, pelo Executivo, para a composição do orçamento da União em 2018. A notícia poderia até passar despercebida, não fosse um fato ocorrido há pouco mais de sete meses que conferiu a essa LDO um caráter excepcional: a sanção, no dia 16 de dezembro de 2016, da Emenda Constitucional 95 pelo presidente Michel Temer. Esse foi o nome que recebeu a proposta que, quando ainda tramitava no Congresso, ganhou de seus opositores a alcunha de ‘PEC do Fim do Mundo’. A aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95 significou, na prática, o fim das vinculações constitucionais para o financiamento dos direitos sociais inscritos na Carta Magna de 1988.

A LDO aprovada na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) no último dia 13 de julho foi a primeira sob o Novo Regime Fiscal, que inscreveu, no Ato das Disposições Transitórias da Constituição, dispositivo que limita pelos próximos 20 anos o crescimento das chamadas despesas primárias da União – que incluem os gastos do governo federal com saúde e educação, além de benefícios da Previdência e assistenciais vinculados ao salário mínimo, entre outros. Pela nova regra, esse limite é o valor despendido no ano anterior acrescido da correção da inflação medida entre julho e junho, que no caso da LDO de 2018 foi de 3%. Isso significa que, ao contrário do que era previsto anteriormente, a retomada do crescimento e da arrecadação de impostos federais, quando acontecer, não vai significar um  maior aporte de recursos para financiar os direitos sociais inscritos na Constituição Federal. Por outro lado, a EC 95 não colocou limite algum às despesas financeiras da União, os recursos com os juros e amortizações da dívida pública, que em 2016 consumiram 44% do orçamento da União: cerca de 1,130 trilhão de reais.

Os valores nominais que deverão ser alocados pela União em cada área em 2018 ainda devem ser definidos por meio de um Projeto de Lei (o PLOA, ou Projeto de Lei Orçamentária Anual) a ser apresentado pelo Executivo no segundo semestre. Mas analistas ouvidos pelo Portal EPSJV projetam um cenário de penúria para as áreas sociais no próximo ano por conta do teto de gastos. Já os dispêndios com juros e amortizações da dívida pública, segundo eles, devem abocanhar um percentual maior do orçamento da União.  

Para a educação e a saúde, o quadro é preocupante.  A Lei Orçamentária Anual vigente previu um piso de R$ 115 bilhões para a saúde e outros R$ 107,5 bilhões para a educação em 2017, valores que, em teoria, deveriam entrar na conta das despesas primárias da União para o cálculo do teto de gastos em 2018. Só que o governo federal já fez vários contingenciamentos no orçamento de 2017, que já somam R$ 45 bilhões. O último foi anunciado nesta quinta-feira (20/07), no valor de R$ 5,9 bilhões. Devido aos contingenciamentos, especialistas em financiamento da educação e da saúde temem que o início da vigência do teto de gastos em 2018 signifique, na melhor das hipóteses, a manutenção de um patamar de repasses federais que tem se mostrado extremamente insuficiente até para manter funcionando os serviços públicos de saúde e as instituições federais de ensino, como a crise atual nas universidades e na rede federal de saúde demonstra hoje. Na pior das hipóteses, dizem, pode haver inclusive redução desses recursos. 


Contingenciamentos geram preocupação

A Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane, explica que, por meio de dois decretos, o 8.961 e o 9.018, emitidos em janeiro e março deste ano, respectivamente, o governo federal bifurcou o fluxo de pagamentos mínimos para a saúde e educação em duas categorias de despesas: as “Obrigatórias” e as “Demais”. “É por meio desses decretos que o governo tem feito contingenciamentos”, explica Élida. A manobra permitiu que o governo contabilizasse no piso da saúde e da educação em 2017 despesas para as quais não há garantias de que serão efetivamente pagas, ainda que tenham sido empenhadas. Segundo ela, os valores chegam a R$ 29,5 bilhões para a saúde.  “Empenho não significa disponibilidade real de dinheiro no banco para pagamento, podendo inclusive ser cancelado”, explica Élida. Com a entrada em vigor do teto de gastos a partir de 2018, apenas as despesas efetivamente pagas em 2017 entram na contabilização do limite de despesas primárias da União. Como nada garante que esses R$ 29,5 bilhões serão efetivamente pagos em 2017, há o risco de que esses valores sejam excluídos do cálculo das despesas primárias que, corrigidas pela inflação, vão estabelecer o limite de gastos da União em 2018. Ou seja, haverá um bolo menor de recursos para ser distribuído entre as diversas áreas. “Não tem margem fiscal no teto global da União em 2018 para o pagamento desses R$ 30 bilhões do piso de 2017. O governo está dando uma ‘pedalada’, uma enrolada”, alerta a procuradora.

Ela acrescenta ainda que foram contabilizados no piso da saúde valores referentes às despesas empenhadas pelo governo federal, mas que não foram pagas no mesmo ano de empenho, os chamados restos a pagar, que chegam a R$ 10 bilhões. “Parte disso já vem tendo seu pagamento postergado desde 2003”, revela Élida, que completa: “Há uma insegurança jurídica muito grande com relação à destinação de algo em torno de R$ 40 bilhões. É um terço do que o governo federal deveria aplicar em saúde. Com o teto de gastos, não vai ter de onde tirar esse dinheiro”, alerta.


Educação à míngua

Na educação, a projeção também é desanimadora, embora menos do que na saúde por conta da blindagem dos efeitos da EC 95 dos repasses da União para o Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb). “Acontece que em 2017 já teve uma aprovação do orçamento para a educação menor do que era necessário, e ainda por cima esse orçamento foi contingenciado”, afirma o professor da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Araújo. Segundo dados da Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Lei Orçamentária Anual de 2017 trouxe uma redução no orçamento das universidades federais de 11,2% em relação a 2016. Os cortes atingiram principalmente as despesas com investimentos, que caíram 40%. E, segundo a Andifes, 35% dos valores previstos na LOA 2017 para as universidades sofreram contingenciamentos, agravando o quadro. As despesas com investimentos novamente foram as mais atingidas: o governo liberou apenas 40% do valor previsto em 2017. “Isso significa que se em 2018 você vai corrigir apenas o desgaste inflacionário, o orçamento vai ser muito abaixo do necessário. A situação vai se manter no mesmo patamar de gravidade que vemos hoje”, ressalta Luiz Araújo.

O professor critica o “cinismo” da LDO aprovada na semana passada, que lista, entre as prioridades para alocação dos recursos federais em 2018, o dinheiro necessário para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). “Isso é um absurdo. Se eu dotar financeiramente apenas o que as universidades, os institutos e a máquina do MEC receberão esse ano corrigido pela inflação, significa que eu vou fazer só o mesmo que estava fazendo. Então, não vou cumprir meta nenhuma do PNE que diz respeito à expansão da rede e muito menos ajudar os outros entes federados a cumprir suas metas”, reclama. Segundo o professor, os contingenciamentos de recursos na educação em 2017, assim como na saúde, trazem riscos a partir da entrada em vigor do teto de gastos no ano que vem.  “Estamos na metade do ano e apenas 39% dos recursos federais previstos para a educação foram desembolsados. Se continuarmos nesse ritmo, vamos chegar ao final do ano com apenas R$ 90 bilhões executados, na melhor das hipóteses”, diz o professor, que lembra ainda que a LDO para 2018 previu um déficit primário de R$ 131 bilhões, o que segundo ele significa que a política de contingenciamentos deve continuar no ano que vem. “Quando você diz que tem um déficit, você está dizendo o seguinte: vou contingenciar porque não posso fechar o ano com déficit. Então, isso já me diz que mesmo o teto não vai ser atingido”, alerta.


Mais dinheiro para o mercado financeiro

Situação inversa a da saúde e da educação tem hoje a destinação de recursos da União para o pagamento do serviço da dívida pública. Por tratar-se de uma despesa financeira da União, a dívida ficou de fora dos limites impostos pela EC 95, que abrange apenas as despesas primárias. Segundo Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, com o teto de gastos, a previsão é de que cada vez mais recursos federais sejam desviados para o pagamento de juros e amortizações da dívida. Em 2016, a dívida abocanhou 44% do orçamento da União, ou R$ 1,130 trilhões; em 2017, Maria Lúcia calcula que essa fatia deve aumentar para 50,66% do orçamento, ou R$ 1,72 trilhão. “Enquanto os investimentos do governo federal em 2017 caíram para seu menor patamar dos últimos dez anos, os gastos com os juros reais da dívida foram nove vezes superiores ao total investido. Isso mostra o privilégio flagrante da dívida na alocação orçamentária da União”, aponta Maria Lucia. E completa: “Todo esse sacrifício social está sendo para financiar esse modelo que privilegia o gasto financeiro. E que gasto financeiro é esse? Se a gente tivesse uma dívida do tamanho que tem, mas tivesse excelentes hospitais, excelentes centros de tecnologia, tudo equipado, se o recurso tivesse sido investido em educação, etc, tudo bem. Mas essa dívida foi gerada por mecanismos financeiros sem contrapartida nenhuma”, critica.

Ela dá um exemplo que ilustraria seu argumento: parte dessa dívida corresponde ao valor gasto pelo Banco Central com as operações compromissadas, pelas quais o governo se compromete a absorver o excedente que sobra no caixa dos bancos como medida de controle da inflação. “É um dinheiro que os bancos não emprestam, porque eles querem juros altos demais. Isso já está em R$ 1,1 trilhão, e esse dinheiro o Banco Central absorve e remunera diariamente com taxas que ele não diz quais são, mas que certamente estão acima da Selic”, diz Maria Lucia. Ela calcula que o pagamento dos juros sobre esse valor com base na taxa Selic, que entre setembro de 2015 a outubro de 2016 ficou em 14,25%, significaria um aporte de R$ 150 bilhões pelo Banco Central aos bancos. “Daria para dobrar o investimento em saúde no país e ainda sobrava dinheiro”, ressalta.

De acordo com Maria Lucia, a eficácia desse tipo de medida como controle da inflação ainda por cima é altamente questionável. “Dois anos atrás, a maior causa da inflação brasileira foi o aumento de energia elétrica, que aumentou em média 60% no Brasil. Por quê? Porque teve problema no nível de água de vários reservatórios e faltaram investimentos para outras fontes de energia. E por que faltou investimento? Porque não tinha recurso. Mas por que não tinha recurso? Por que R$ 1 trilhãos está parado no Banco Central, entesourado nas operações compromissadas, exigindo remuneração diária. É uma política suicida”, reitera.

Ainda assim, o relator do projeto na comissão que aprovou a LDO, deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), chamou de “grande bobagem” a reivindicação de que a dívida deveria passar por auditoria. “Ele diz que é tudo transparente mas nós nem sabemos quem são os credores da nossa dívida. Nós tivemos uma CPI da dívida na Câmara do Deputados, concluída em 2010, que constatou várias ilegalidades, ilegitimidades e até fraudes comprovadas, tanto na dívida externa como interna, dos estados e dos municípios também. Então todo esse sacrifício no país é para pagar uma dívida ilegal”, conclui.

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ESSE GOVERNO GOLPISTA VAI ACABAR COM A EDUCAÇAO NO BRASIL. FORA ESSE GOLPISTA.